A poesia de Leonard Cohen
Livro do Desejo
Quando se pega no Livro do Desejo de Leonard Cohen – e falo mesmo do acto de agarrar nele e sentir-lhe o peso – parece-me difícil não criar logo, desde esse momento, uma certa relação afectiva com o mesmo. Mesmo para quem conhece mal a música do canadense (e eu era uma dessas pessoas, foi este livro que me fez ir em busca da voz deste senhor), sabendo minimamente quem ele é e tendo noção da sua importância, não podemos deixar de sentir que temos nas mãos um documento de grande valor.
O seu volume é imponente, preenche-nos as mãos. Fruto de uma inteligente opção da editora, que não suprimiu o texto na língua original, optando por uma edição bilingue. E quando o começamos a folhear, quando nos deparamos com os desenhos de Cohen, quando lemos alguns versos soltos, o sentimento de importância desta obra aumenta. Sabemos que estamos prestes a conhecer um homem. A entrar na sua intimidade.
Falar do texto, em si, é o mais difícil. Um volume tão grande de poemas permite a dispersão por temas variadíssimos e, sendo que isto não é uma crítica (mas também não é um elogio), torna complicado encontrar um fio condutor. Podemos recorrer ao título em busca de pistas.
Será um livro sobre o desejo? É verdade que há muitos poemas onde esse desejo é evidente. Os primeiros versos de “O Colapso de Zen” servem de exemplo perfeito:
Quando posso enfiar o meu rosto
naquele sítio
e ser-me difícil respirar
enquanto ela traz cá abaixo os dedos ansiosos
para se separar,
para me ajudar a utilizar toda a minha boca
contra a sua sofreguidão,
as suas fomes mais privadas –
Contudo, nem só de desejo vive este livro.
É muito mais do que um Livro do Desejo. Aliás, é muito mais um livro de uma determinada época na vida do seu autor, um livro que representa um intervalo de tempo definido, do que um livro temático ou feito a pensar num fio condutor. É, como já disse, uma excelente forma de conhecer este homem chamado Leonard Cohen. Porque a sua poesia parece transpirar Cohen por todos os poros. É impossível não ler estes poemas como profundamente biográficos.
O facto de se tratar de uma edição bilingue enriquece imenso este volume, porque há muitos poemas que perdem na tradução. O exemplo mais flagrante dessa situação é quando os poemas são rimados. Isto não quer dizer que a tradução de Vasco Gato seja má.
Traduzir poesia é uma tarefa ingrata. E se é verdade que se nota uma ou outra falha de ritmo na tradução, por comparação com o original, não deixa de ser verdade que se lê muitíssimo bem esta modificação (porque o acto de traduzir implica também mudar) para português dos poemas de Leonard Cohen.
É um livro para os amantes de Cohen. Um livro para os amantes de poesia. Um livro que fica muito bem na estante, mas infinitamente melhor nas nossas mãos.
Gonçalo Mira
Publicado no blog Orgia Literária