Sexta-feira, 10.10.08

Le Clézio, Prêmio Nobel de Literatura 2008

A ressurreição da França

 


 

De J.M.G. Le Clézio só li, há muitos anos, Diego & Frida. Tenho uma memória difusa do livro mas sei que não me impressionou especialmente. Entre o rigor biográfico (apoiado em longas transcrições dos diários de Kahlo, da autobiografia de Rivera, de cartas e outros documentos) e a evocação fascinada do amor que uniu e atormentou dois artistas excepcionais, havia pouco espaço para a literatura, embora recorde duas ou três passagens memoráveis.


No universo dos escritores franceses vivos, as minhas preferências vão mais para Pascal Quignard, Olivier Rolin ou Jean Echenoz. Ainda assim, como francófilo assumido, fico bastante satisfeito com a atribuição do Nobel a Le Clézio, porque ele pode sinalizar um regresso da França ao primeiro plano da cultura à escala global.

 

É bom não esquecer que há menos de um ano (Novembro de 2007), a revistaTime fazia capa com a manchete «The Death of French Culture». Felizmente, parece que a notícia dessa morte foi ligeiramente exagerada. 

 

José Mário Silva - Bibliotecário de Babel

 

Publicado no blog Bibliotecário de Babel

publicado por ardotempo às 13:16 | Comentar | Ler Comentários (2) | Adicionar

Almádena, no Da Literatura

Regresso

 

Almádena

 

Texto crítico de João Paulo Sousa

 

Tendo aqui escrito pela última vez sob o signo de Mariana Ianelli, o que aconteceu há mais de dois meses, agrada ‑me a ideia de regressar ao blogue a partir de outra obra da escritora brasileira. Acredito até que a noção circular assim proposta poderia agradar a uma autora que estruturou o último livro com base em frases do Padre António Vieira. Refiro ‑me a Almádena, editado em 2007 pela Iluminuras, que se apresenta como um volume poético em sintonia com algumas palavras retiradas do Sermão de Quarta ‑Feira de Cinza (1672), segundo as quais «não sois o que cuidais, nem o que sois», mas «sois o que fostes e o que haveis de ser». Ao escolher esta apropriação do passado e do futuro como elementos constituintes do presente, Mariana Ianelli aponta uma questão essencial da sua poética, a saber, a profunda ligação estabelecida entre o ser humano e o mundo.

Poderíamos aqui retomar a noção de Einfühlung, tão cara à estética alemã, para a qual não há descontinuidade na percepção que o ser humano constrói daquilo que o rodeia; pelo contrário, será lícito falar ‑se de entropatia ou mesmo de comunhão entre o indivíduo e o que lhe é exterior, ao ponto de essa exterioridade não ser percebida como tal. É a leitura do mundo que se pode encontrar em versos como estes: «O que morria comigo não tinha fim» (p. 15); «Tal como há bilhões de anos, / No teu porvir o teu início» (p. 21); ou «Não há rumor nas coisas, / Elas são o que são, / Não desejam explicar ‑se» (p. 70).

Um tal olhar não significa que se esteja perante uma poesia da beatitude, da contemplação comovida e extática, porque a dimensão do trágico moderno irrompe na escrita de Mariana Ianelli em conexão com o labor de outros autores e, sobretudo, em perfeita consciência das circunstâncias inerentes ao tempo que lhe coube viver. Assim, o conjunto «Da Liberdade» vai tecendo, com uma espécie de pudor elíptico, um cenário de horror que se serve da palavra final para produzir uma confirmação. Os últimos versos dessa parte do livro são também um diálogo com a obra do europeu Paul Celan, na sua aspiração a uma linguagem capaz de se reduzir ao essencial, cuja intensidade advém precisamente da depuração que se pretende alcançar: «O campo limpo, / A vida refeita, / Alguém virá para ser o primeiro / A falar novamente – e escrever – / Por sobre o jazigo das línguas. // O poeta depois de Auschwitz» (p. 83).

 

 

Publicado no blog Da Literatura

 

publicado por ardotempo às 12:31 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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