Terça-feira, 30.09.08

Maravilha! Publicado no Bibliotecário de Babel

 

Lobo Antunes nos Estados Unidos

 

“O editor de Lobo Antunes, o imparável Bob Weil, da Norton, talvez a mais prestigiada editora independente americana, gritava na sala cheia da New York Public Library (NYPL) que, no dia em que leu a segunda cópia da tradução, ele que já leu e publicou dos melhores,
- Fiquei literalmente, mas literalmente, blown away [siderado, estraçalhado…], como não aconteceu com nenhuma outra obra de ficção com a qual tivesse trabalhado antes, senhoras e senhores!
Se falarmos com Bob Weil vemos logo que ele não tem exactamente uma vida sua por detrás dos óculos, dos passinhos rápidos, da saqueta de livros a tiracolo para distribuir como um ardina.
- Bob, sabe de alguma coisa interessante a acontecer, um espectáculo em Nova Iorque…?
- Eu só faço livros.
Para o ano publicará mais um livro de crónicas de Lobo Antunes, é o que ele faz. Na New York Public Library, ouvi Bob entusiasmar-se e apontar para What Can I do When Everything’s on Fire?, a tradução de Que Farei Quando Tudo Arde? (ed. Dom Quixote, Portugal). Quatro ou cinco anos nas mãos de Gregory Rabassa, que universalizou em inglês García Márquez, Cortázar, Vargas Llosa, Lezama Lima, etc. O velho professor tem 86 anos e um laço de seda ao pescoço, adora Nova Iorque mas ainda vai a todo o lado, e suspira
- Mestre António…
quando se abraçam. Traduziu Fado Alexandrino e As Naus, antes deste.
Na contracapa do livro, George Steiner, um dos cérebros lúcidos do mundo, chama génio ao português. E Harold Bloom, o mais famoso crítico literário: “Este é um extraordinário romance de um dos escritores vivos que mais importância terão no futuro. Lobo Antunes escolhe manifestar a sua dívida a Freud, Joyce, e Faulkner, à superfície, mas nas profundezas é um grande original.” E acrescenta que o livro é uma visão negra da realidade, e cruel, que vai deixar a sua marca nos leitores por todo o lado… palavras para quê?
Vi Paul Holdengraber, director de programas da Biblioteca Pública de Nova Iorque (NYPL), numa semana em que outros convidados de honra seriam Paul Auster e Spike Lee, tentar tirar de Lobo Antunes mais coisas do que ele queria dar nessa noite, mas cada vez mais divertido com os exemplos e paradoxos que ouvia do escritor:

- Descobri o que é a democracia com La Fontaine. Um cão pode olhar um bispo. Eu nasci num país em que só o bispo podia olhar o cão.

ou

- A polícia política era tão estúpida que apreendia as obras de Lenine e de Estaline e guardava-as no meio de Racine.

ou

- Portugal não é Europa, é um lugar estranho. Gosto das mulheres portuguesas, pequeninas, de bigode.

e

- Não sou um homem modesto, mas sou humilde. Sou uma galinha que guarda os seus ovos.

e

- O que é a história num bom livro? Anna Karenina: uma mulher tem um marido aborrecido, começa a dormir com outros homens e… olhe!

Nunca tinha ouvido o resumo de Anna Karenina de forma tão concisa, vou recomendá-lo aos estudantes de liceu, concordou Paul Holdengraber.


 

Então e a história de Ulisses, da Odisseia? “Chego tarde a casa”.


 

E todos riam, porque além disso
- Comecei a escrever por causa do Mickey Mouse, do Flash Gordon, do Sandokan, aos cinco.
Até que, por falar em cinco anos, e quase de repente, contou do hospital de crianças cancerosas onde trabalhou depois de voltar da guerra de Angola e de como nesse hospital se zangou com Deus, apesar de não ser um homem religioso. Estava lá um miúdo de cinco anos com leucemia, muito bonito, de olhos grandes e, na sua opinião, Deus não tem o direito de pôr uma criança a gritar por morfina. O rapaz morreu e vieram dois homens com uma maca, mas como o morto era muito pequeno, bastou um homem enrolá-lo num lençol e levá-lo ao colo pelo corredor, mas um pé da criança saiu do lençol e ele viu o pé afastar-se, balançando no ar.
- Nesse dia decidi: vou escrever para aquele pé.


 

Talvez já tenham visto uma plateia de nova-iorquinos, professores, académicos, leitores, intelectuais, as pessoas mais cosmopolitas do mundo, a engasgarem-se nas próprias salivas silenciosas. E Paul Holdengraber é um orador nato, um conversador de resposta pronta. Uma hora antes tínhamos visitado a sala de leitura. Por baixo de nós, sete andares subterrâneos com 52 milhões de livros. Quarenta funcionários invisíveis nas caves, a carregar vagõezinhos como no tempo do carvão. Mas há um sistema hidráulico e de ar comprimido para os livros chegarem à superfície rapidamente. E computadores pessoais abertos em cima das mesas não fazem mal aos livros.
António lia uma inscrição dourada por cima da porta, na madeira, onde se dizia que um bom livro é o precioso sangue da vida do espírito, que nos poderá levar para uma vida para além da vida. Nunca ali tinha estado e disse ao director:


 

- Para mim isto é o paraíso.

 


- Sim.
E discutiram Borges.

 

 

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Segunda-feira, 29.09.08

O caderno de Saramago (01)

Claro como água

José Saramago

Como sempre sucedeu, e há-de suceder sempre, a questão central de qualquer tipo de organização social humana, da qual todas as outras decorrem e para a qual todas acabam por concorrer, é a questão do poder, e o problema teórico e prático com que nos enfrentamos é identificar quem o detém, averiguar como chegou a ele, verificar o uso que dele faz, os meios de que serve e os fins a que aponta. Se a democracia fosse, de facto, o que com autêntica ou fingida ingenuidade continuamos a dizer que é, o governo do povo pelo povo e para o povo, qualquer debate sobre a questão do poder perderia muito do seu sentido, uma vez que, residindo o poder no povo, era ao povo que competiria a administração dele, e, sendo o povo a administrar o poder, está claro que só o deveria fazer para seu próprio bem e para sua própria felicidade, pois a isso o estaria obrigando aquilo a que chamo, sem nenhuma pretensão de rigor conceptual, a lei da conservação da vida. Ora, só um espírito perverso, panglossiano até ao cinismo, ousaria apregoar a felicidade de um mundo que, pelo contrário, ninguém deveria pretender que o aceitemos tal qual é, só pelo facto de ser, supostamente, o melhor dos mundos possíveis. É a própria e concreta situação do mundo chamado democrático, que se é verdade serem os povos governados, verdade é também que não o são por si mesmos nem para si mesmos. Não é em democracia que vivemos, mas sim numa plutocracia que deixou de ser local e próxima para tornar-se universal e inacessível.

Por definição, o poder democrático terá de ser sempre provisório e conjuntural, dependerá da estabilidade do voto, da flutuação das ideologias ou dos interesses de classe, e, como tal, pode ser entendido como um barómetro orgânico que vai registando as variações da vontade política da sociedade. Mas, ontem como hoje, e hoje com uma amplitude cada vez maior, abundam os casos de mudanças políticas aparentemente radicais que tiveram como efeito radicais mudanças de governo, mas a que não se seguiram as mudanças económicas, culturais e sociais radicais que o resultado do sufrágio havia prometido. Dizer hoje governo “socialista”, ou “social-democrata”, ou “conservador”, ou “liberal”, e chamar-lhe poder, é pretender nomear algo que em realidade não está onde parece, mas em um outro inalcançável lugar – o do poder económico e financeiro cujos contornos podemos perceber em filigrana, mas que invariavelmente se nos escapa quando tentamos chegar-lhe mais perto e inevitavelmente contra-ataca se tivermos a veleidade de querer reduzir ou regular o seu domínio, subordinando-o ao interesse geral. Por outras e mais claras palavras, digo que os povos não elegeram os seus governos para que eles os “levassem” ao Mercado, mas que é o Mercado que condiciona por todos os modos os governos para que lhe “levem” os povos. E se falo assim do Mercado é porque é ele, hoje, e mais que nunca em cada dia que passa, o instrumento por excelência do autêntico, único e insofismável poder, o poder económico e financeiro mundial, esse que não é democrático porque não o elegeu o povo, que não é democrático porque não é regido pelo povo, que finalmente não é democrático porque não visa a felicidade do povo.

O nosso antepassado das cavernas diria: “É água”. Nós, um pouco mais sábios, avisamos: “Sim, mas está contaminada”. 

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Domingo, 28.09.08

O queijo

Fotografia

 


 

 

Mauro Holanda - O queijo - da Série Alma Descarnada - Fotografia 

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Strip-tease

Gilda

 

Luis Fernando Verissimo

 

Zapear pelos canais da TV a cabo que mostram filmes antigos pode ser uma experiência emocional. Você volta e meia é tragado por um buraco negro e cai num lugar do passado que já tinha esquecido, e o revive com uma intensidade doida. Ou doída. Foi o que me aconteceu quando dei com uma reprise de Gilda (Charles Vidor dirigindo Rita Hayworth e Glenn Ford) na TV, há dias. Meu tombo no passado foi longo, não vou dizer de quantos anos. E caí em Caxambu, Minas Gerais. Onde o único cinema da cidade — já que se tratava de uma cidade turística, uma estação de águas — não seguia com muita rigidez as leis da censura da época, e onde, portanto, pela primeira vez vi um filme proibido até 18 anos. Era Gilda.

Grande sensação. "Nunca houve uma mulher como Gilda" era a principal frase promocional do filme. Diziam que Hollywood nunca fizera um filme como Gilda também. Era ousadíssimo. Tinha cenas "fortes". Falava-se até numa cena de strip-tease da Rita Hayworth. Não preciso dizer que entrei no cinema em grande estado de excitação premonitória. Ver um filme "até 18", eu que ainda não vira um "até 14", que mal podia ver os "até 10", era um feito de sonho. Senti que depois daquilo eu não seria mais o mesmo. Que estava entrando para uma ordem privilegiada. Que os signos e os segredos da nova ordem me seriam revelados durante o filme — e ai se eu contasse para os da minha idade o que se passava num "até 18".

Durante dez, quinze minutos, nada acontecia no filme que merecesse ser escondido das crianças. E então aparecia a Rita. Antes de entrar no seu quarto, o marido, que quer apresentá-la ao Glenn Ford, pergunta: "Gilda, você está decente?" E ela faz a mais sensacional entrada em cena, e na iconografia do século, de uma atriz, apenas levantando o tronco e a cabeça para ocupar a tela e dizendo: "Eu?" E depois que vê o Glenn Ford: "Sim, eu sou decente", uma frase que passa a desmentir pelo resto do filme. Com a Gilda na tela o cinema não era, decididamente, um lugar para menores de 18.

E ainda tinha o strip-tease. Com o vestido tomara-que-caia mais tomara-que-caia de todos os tempos, Gilda canta e dança e começa a tirar a roupa. Primeiro, lentamente, uma luva, depois... Bom, só tira a luva. Quando pede para alguém da platéia ajudá-la a abrir o zíper do vestido a dança é interrompida e o resto do strip-tease acontece na imaginação do espectador. Pelo menos aconteceu na minha.

Nos longos anos que separam o Gilda visto há dias do Gilda visto em Caxambu mudou a moral, mudaram os costumes e mudaram as crianças, mas nenhuma mulher ficou nua na tela como a Rita Hayworth não ficou. Nunca houve e nunca haverá outra mulher como Gilda.

© Luis Fernando Verissimo 

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O museu ecológico de Renzo Piano

Arquitetura verde.

A cidade de São Francisco inaugurou o museu mais ecológico do mundo. A Academia de Ciências dos Estados Unidos apresenta o novo edifício desenhado pelo arquiteto italiano Renzo Piano. “Este museu é um presente para nossos filhos e para as próximas gerações”,declarou o arquiteto na cerimônia de inauguração.

O resultado é um misterioso edificio de vidro e teto ondulado em formato de colinas que parece ter brotado de forma natural do terreno do Parque Golden Gate, onde foi construído. Todo o telhado está coberto de grama, de plantas nativas e de flores. Este teto vivo cumpre a função de manter a temperatura estável e fresca no interior do prédio. Recolhe naturalmente quase toda a água que se utiliza no museu e determina uma reduzida utilização do sistema de ar condicionado, segundo o projeto original. O museu também usa células solares para geração de energia elétrica, o que suprirá cerca de 15% de sua demanda anual.


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Mário Castello - Fotografia

Carro

 

 

 

Mário Castello - Carro - Fotografia, 2008 

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Sábado, 27.09.08

Relevo e colagem

Arthur Luiz Piza

 

 

 

Relevo aquarelado e colagem sobre papel - Arthur Luiz Piza - G 1 11 98, 1998

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Aforismo Borgesiano - 40

A beleza de Deus

 

"Como um deus que se faz homem, que está a favor dos pobres de espírito, dos humildes, dos deserdados da terra, teria se autoconcebido como um ser muito belo?

Seria um ato injusto de Deus.

Seria um ato racista de Deus.

Impossível.

Por esse motivo, Cristo deve ter sido francamente feio e todas essas pinturas que nos apresentam como sendo um ser formoso são pura bobagem."

 

 

 

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecé Editores – Buenos Aires  Argentina

Detalhe de obra de Siron Franco - Série Macas - Objetos escultóricos

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Rubem Valentim

Totem

 

 

 

Rubem Valentim - Escultura - Madeira recortada e pintada,1978 

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Cartas curtas

Correspondência

A correspondência mais curta que existe foi escrita entre Victor Hugo e os seus editores. Tinha mandado Os Miseráveis, os editores não lhe ligavam peva e Victor questionou-os, numa folha de papel:

Tempos depois chegou a carta esperada. Dizia:

e a correspondência acabou. 

 

©António Lobo Antunes - Extraído de Terceiro Livro de Crónicas - Dom Quixote, 2006

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Quinta-feira, 25.09.08

Aforismo Borgesiano - 39

Distâncias

 

 

 

"Antes as distâncias eram maiores, porque o espaço se mede pelo tempo." 

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecé Editores – Buenos Aires  Argentina

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Gravura de Maria Inês Rodrigues

Gravura em metal

 

 

Máscaras - Gravura em metal de Maria Inês Rodrigues - 1975 

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Desenho de Egon Schiele

Desenho

 

 

Desenho de Egon Schiele - Mulher sentada - Desenho a lápis, pintado a gouache e aquarela - 1917 

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Anselm Kiefer

Objeto escultórico, em grande formato

 

 

Anselm Kiefer - Sem Título - Objeto escultórico - Resina, tecido e arame farpado - 2005

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Quarta-feira, 24.09.08

Entrevista: Rolando Boldrin

Rolando Boldrin - Ator, apresentador, escritor e músico-compositor

 


 

 

 

Rolando Boldrin é o Sr. Brasil, criador, apresentador e animador cultural do mais importante programa de cultura popular em TV no Brasil.

TV Cultura – Prêmio ABCA Melhor Programa de TV

 

O Plantador de Mangueira

 

 

ARdoTempo: Rolando Boldrin, você é a própria imagem da brasilidade na TV, Fale um pouco desse Brasil de raiz que você criou, ou revelou a todos…

 

Rolando Boldrin: Bom,… eu nem costumo usar a palavra raiz porque se usar a palavra raiz, tudo é raiz – quando eu vejo um programa de televisão que enfoca a música sertaneja… ali eles falam em raiz, eu percebo que eles sempre dizem isso – não é o meu caso,– eu trabalho com o Brasil… não a raiz – eu trabalho o Brasil, o Brasil moderno, o Brasil de hoje, o Brasil de ontem, o Brasil de anteontem, eu misturo tudo…

 

Os meus programas não usam datas – eu não costumo me apegar a datas, não faço um especial para alguma data comemorativa, não faço programa de Natal, nem de Dia das Mães…

 

E não faço porque? Porque o programa é atemporal…

 

A mesma coisa é a idéia – Brasil é muita coisa, a música, a literatura, eu não vou ficar só pensando no Guimarães Rosa, eu vou pensar no cara que escreve hoje, que faz um livro, que conta histórias… a palavra raiz eu não falo; e eu gosto da palavra mas eu gosto de usar a palavra como raiz de planta… como raiz de pé no chão…

 

ARdoTEmpo: O seu programa, que muitos assistem no Brasil todo, não se limita a artistas já consagrados, eles estão lá, mas há outros, o programa busca e revela novos valores de todo canto do País, como você faz essa pesquisa ou eles chegam espontaneamente ao programa?

 

Rolando Boldrin: Há muito tempo atrás, quando eu iniciei o processo desse programa na (Rede) Globo – que se chamava Som Brasil; o programa começou a ser feito pelo meu conhecimento dos artistas que eu achava que representavam essa cultura que eu queria mostrar.

 

O tempo, é claro, foi fortalecendo essa idéia, o programa foi tomando corpo em material de divulgação e aí começou a virar uma bola de neve…

 

Os artistas, eles mesmo, começam a aparecer, outros mostram seus trabalhos, outros artistas indicam talentos que eles conhecem, e aí virou uma bola de neve… A coisa cresceu…

 

Hoje eu tenho um material que daria para fazer, sem sombra de dúvida, uns cinco programas, segmentados, mas semelhantes ao meu… o Brasil é muito rico, culturalmente, basta olhar em volta…

 

 

ARdoTEmpo: Falando em Brasil, você carrega o título de SR. BRASIL – quanto custa isso para você?... pode parecer que é só benefício, mas não pode conter também uma certa carga de preconceito?

 

Rolando Boldrin: Eu não sinto peso nenhum. Não sinto carga nenhuma porque o meu País é tão rico… e tão puro, tão maravilhoso, possui tanta diversidade, que ninguém vai me cobrar nada…

 

O que eu falo, o que eu canto é o que existe, então não tenho qualquer problema desse tipo, de ser discriminado…

 

É duro falar sobre isso? Eu vou sozinho falar sobre isso? Não, eu não estou sozinho, eu tenho uma legião junto comigo.

 

É claro que existe a mídia, mas a gente não conta com a mídia, esse tipo de trabalho que eu desenvolvo no meu projeto, ele não conta com a mídia… a mídia maior, eu quero dizer. A única diferença é essa.

 

Se você gravar um disco pelo meu jeito de lançar no mercado, ele não vai vender um milhão de cópias mas ele vai vender, por exemplo, cem mil cópias a quem realmente interessa essas cem mil cópias…

 

 

 

ARdoTEmpo: Percebe-se ao assistir o programa uma grande sinergia – a música, a poesia, a literatura, o artesanato popular – o filtro é o SR. BRASIL?

 

Rolando Boldrin: É… ali só tem SR. BRASIL. O grande achado para esse projeto que encabeço é a emoção. Eu trabalho com a emoção, eu estou falando aqui com você e logo fico emocionado.

 

Eu falo do meu país com emoção, eu falo com carinho. Quando me proponho no programa a mostrar, a cantar a minha terra, sempre faço com amor, com muita emoção. E essa emoção passa para os artistas no desenrolar do programa. Já aconteceu com muitos artistas que nem imaginavam que suas apresentações no SR. BRASIL fossem acontecer de maneira tão emocional, que tivessem tanta energia…

 

Eu costumo dizer no inicio da gravação de cada programa, eu falo isso em off, quando a gravação ainda não está acontecendo… eu converso um pouquinho com o público e falo que ali há uma energia que vem dos grandes artistas que já “embarcaram fora do combinado”, que “viajaram fora do combinado” e que fizeram a história dessa cultura popular, seja num disco, seja num livro…

 

A cenógrafa do programa SR. BRASIL que é a Patrícia Maia, fez um conjunto de retratos desses artistas e colocou-os ao lado da platéia, nas paredes laterais da platéia, deve ter ali uns setenta artistas representados – ali estão desde escritores como Guimarães Rosa até o sambista Noel Rosa. É esse tipo de energia que a gente capta.

 

Eu digo ao público que o que será feito no palco foi esse pessoal que plantou, a tal raiz está aí – é o Brasil inteiro e essa emoção passa isso.

 

ARdoTEmpo: Você é muito percebido pela música, a gente vê isso pela história da Gaveta (conjunto de 8 CDs de música brasileira colocados numa caixa-gaveta), pelos CDs de música gravados, mas você é… um artista, um músico, um cantor, um escritor, um apresentador ou um pesquisador cultural? Quem é você, Rolando Boldrin?

 

Rolando Boldrin: Eu não sou nada disso que você falou…

Eu sou um ator, que canta um pouco, mas não sou um cantor, eu digo que sou um cantador, eu sou um ator que compõe (mas também não sou nenhum Chico Buarque); sou um ator que faz cinema (não sou nenhum Grande Otelo), mas já com vários filmes realizados e muitos prêmios como ator; já fui um ator de telenovelas da grande mídia de telenovelas; então eu faço um pouquinho de cada coisa; escrevi quatro livros…

 

Eu costumo dizer que tenho uma filha, três netos, dois bisnetos e já plantei uma árvore, uma mangueira, no caroço…

 

Um dia eu chupei uma manga, sequei o caroço, plantei numa latinha com adubo, ela germinou, eu a tirei da latinha e plantei na terra, num pequeno sítio que eu tinha, ela cresceu, eu vendi esse sítio e lá deixei tudo, menos essa mangueira que eu tinha plantado… eu a levei para uma nova casa, replantei no quintal e ela deu os primeiros frutos…

 

Eu chupei de novo a mesma manga que eu plantara, na sombra da mangueira, aos prantos…

 

Eu plantei tudo isso… Eu faço um pouquinho de cada coisa. Eu sou apenas um plantador de mangueira.

 

 

Entrevista concedida por Rolando Boldrin ao blog ARdoTEmpo 

Fotos de Pierre Yves Refalo / © Sr. Brasil

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Retratos Notáveis - 06

Risco Ambiental

 

 

Fotografia - Retrato de Paula Kerstens (Londres) 2008

Fotógrafo: Hendrik Kerstens 

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Cartaz de livro, nas ruas

Rua Artilharia 1, Lisboa - 24 de setembro

 

No Brasil, nesse preciso momento, os muros das grandes cidades estão repletos de cartazes colados e com totens humanos nas esquinas a mostrar placas de políticos em campanha, ofertas de modelos novos de telefones celulares, fast-food, empreendimentos imobiliários de mansões suspensas réplicas tropicalizadas de castelos do Vale do Loire, aquisição de ouro a peso; e no mesmo momento, nas ruas de Portugal, oferecem-se livros... 

 

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O exemplo está em Portugal

O exemplo estratégico e a ação efetiva que está acontecendo em Portugal, representam um passo necessário e fundamental para se pensar um Brasil mais justo e equânime no futuro. Por enquanto aqui impera uma desigualdade imensa e crescente, turbinada pelo poder econômico, cujo resultado inevitável é a frustração, a impotência, a falta de perspectivas reais e no final de tudo, a violência.

 

Magalhães

 

Cerca de três mil computadores portáteis Magalhães, máquinas que são produzidas em Portugal, vão ser esta terça-feira (23 de setembro) distribuídos a alunos do primeiro ciclo de dezesseis escolas de norte a sul do país.

 

Até ao final do ano, o governo pretende entregar meio milhão destes computadores. O projecto é ambicioso e o objectivo é atingir os níveis dos países mais desenvolvidos da União Europeia.

“Em 2005 tínhamos um indicador de 16 alunos por computador. Este ano atingimos cinco alunos por computador, queremos em 2010 estar em dois alunos por computador, com um dos indicadores melhores ao nível da União Europeia e de qualquer país mais evoluído. É um projecto ambicioso”, adianta.

Com esta iniciativa, só os alunos dos quinto e sexto anos não dispõem ainda de condições especiais para adquirir um computador em Portugal, mas esse passo vai acontecer em breve.

Este programa lançado pelo Governo será totalmente financiado pela iniciativa privada, assegura a ministra da Educação, em declarações à agência Lusa.

“Este programa não é suportado por dinheiros públicos, mas pelos operadores de telecomunicações, através de um fundo que está previsto desde que foram autorizadas as licenças para os telemóveis de terceira geração”.

De acordo com a ministra, os impressos que os encarregados de educação de alunos do primeiro ciclo devem preencher para ter direito a um computador estarão disponíveis nas escolas ainda esta semana.

No total, serão entregues este ano lectivo 500 mil exemplares do Magalhães, que terão um custo máximo de 50 euros, sendo gratuitos para os alunos que beneficiam do primeiro escalão da Acção Social Escolar.

 

 

 

De Eduardo Pitta:

 

Vinda de onde vem — políticos com sensibilidade às novas tecnologias, jornalistas, bloggers da direita, etc.; e nem todos são tontos — a campanha contra o computador Magalhães roça o irracional.

 

O governo faz propaganda? É evidente que sim. Que outro governo não faria? A introdução do Magalhães na rede de ensino é uma medida de indiscutível alcance? É evidente que sim.

 

O busílis está em que Sócrates se lembrou, e eles não. Tão simples como isto. Saber se o computador é 100% português (e já agora gostava que me indicassem um computador 100% americano, japonês, inglês, coreano, alemão, indiano ou chinês) ou resultado de parcerias, não lhe retira eficácia. O tour dos ministros era dispensável? Eu acho que sim, mas eu não faço política. O PSD teria feito exactamente o mesmo se, sendo governo, os seus ideólogos tivessem força (não teriam) para impor a distribuição de computadores nos termos actuais.

 

O clamor da oposição é directamente proporcional à mudança de paradigma. Portugal não se resume aos meninos da alta classe média cujos papás podem pagar tecnologia de ponta. Porque os da média-média têm sérias dificuldades. E os outros simplesmente não podem (nunca puderam).

 

O que é espantoso é que a democratização da informática, hoje, provoque sobressalto idêntico ao que teria provocado, há cem anos, uma campanha de alfabetização em massa. O resto é cantiga.

 

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Terça-feira, 23.09.08

Luís Augusto Fischer sobre CARASSOTAQUE

Carassotaque, de Alfredo Aquino

Editora Iluminuras

 

Texto de Luís Augusto Fischer

 

Cara, sotaque, identidade. Enxergar a cara, entender o sotaque, encontrar a identidade. Atire a primeira pedra quem, na face da Terra, desconhece um desses três problemas. Quem não tenha vivido, com mais ou menos força, o império destas necessidades: divisar a cara, escutar o sotaque, viver a identidade.

 

Talvez tudo seja fruto do Nacionalismo, essa forte ideologia que a modernidade herdou das antigas tribos e aldeias, dos velhos reinos e clãs, e potencializou como nunca antes, na história humana, desbordando do que era apenas circunstância, agora transformada em fetiche. De fato, faz uns quase trezentos anos que vivemos encantados debaixo desse manto, que encobre diferenças enquanto aglutina semelhanças — o Nacionalismo.

 

É ele que nos fez odiar inimigos que poderiam estar ao nosso lado, como amigos e mesmo irmãos de viagem; mas, paradoxalmente, é também ele que nos faz ser minimamente solidários com os que vestem a mesma camiseta da seleção nacional que nós — mesma cara, sotaque parecido —, transformando-nos em irmãos provisórios. Nacionalismo, identidade, cara, sotaque. Carassotaque.

 

É dessa matéria, dos fantasmas dela, das loucuras que a ela se associam, que Alfredo Aquino faz sua primeira incursão na narrativa longa.

 

Este Carassotaque que o leitor tem nas mãos é uma distopia, prima melancólica das utopias antigas e recentes. Aqui, um fotógrafo atuando no estrangeiro enxerga o que os nativos não vêem; e, sendo fotógrafo, usufrui da grande virtude do metiê, que permite compartilhar o que vê com muita gente.

 

Gente que muitas vezes não aceita enxergar o que o estrangeiro enxerga — o estrangeiro que estranha cara, desentende sotaque, desembarca da fantasia da identidade. O estrangeiro, só por ser o que é, ajuda a ver mais e melhor, e nem sempre os nativos aceitam ver-se naquilo que ele viu.

 

Difícil como discutir as alternativas do mundo globalizado de nossos dias, fácil como percorrer uma exposição de grande arte, o livro de Aquino ajuda na reflexão sobre o que está aí e o que talvez venha adiante. Com sorte, aprenderemos a ver melhor, aceitando o que o estrangeiro viu que nós não víamos.

 

Luís Augusto Fischer, abril de 2008 

 

 

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Retratos Notáveis - 05

Erico Verissimo

 

 

 

Fotografia - Retrato de Erico Verissimo (Porto Alegre)

Fotógrafo: Leonid Streliaev 

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Os livros

António Lobo Antunes 

 

"Eu pronto a principiar e o tempo a fugir-me. Não faço a menor idéia qual será o livro seguinte, os livros seguintes, e no entanto, sinto-os vivos , dentro de mim, como o salmão deve sentir os ovos. Resta-me tentar que me saia do corpo o maior número possível. E penso em Maria Antonieta, já no estrado, para o carrasco:

 

Só mais um minuto, senhor carrasco.

 

Aí está: só mais um minuto, senhor carrasco, só mais uns minutinhos, senhor carrasco. O destino de um artista é tremendo: ao vencer o tempo acabamos derrotados por ele, ou talvez seja mais certo ao contrário: apesar de derrotados pelo tempo, vencemos? Ignoro a resposta. Sei que fiz o melhor que pude, que faço o melhor que posso, que tenho uma confiança cega na na minha mão e na parte de trevas que é aquela que escreve. Não se escreve com idéias, não se escreve com a cabeça: é o livro que tem de ter idéias, que tem de ter a cabeça."

 

(António Lobo Antunes - Extraído de Terceiro Livro de Crónicas, Dom Quixote, 2005)

 

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Segunda-feira, 22.09.08

Certame mundial de retratos fotográficos

National Gallery, de Londres, anuncia finalistas de certame mundial de retratos

 

A galeria National Portrait Gallery, em Londres, anunciou os quatro finalistas de uma competição que premiará novos talentos da fotografia. O prêmio Taylor Wessing Photographic Portrait 2008 selecionou 60 retratos de um total de mais de seis mil imagens inscritas por 2.500 fotógrafos de todo o mundo.

 

Uma das finalistas é a fotógrafa britânica Lottie Davies, que retratou na fotografia Quints o pesadelo de uma mulher que sonha estar grávida de quíntuplos.

Outro destaque da competição é o retrato Murdoch Reflects, do fotógrafo Tom Stoddart. Na imagem, o britânico retrata o magnata da mídia Robert Murdoch em seu escritório na companhia News International.


O vencedor do prêmio, que será anunciado em 4 de novembro, receberá 12 mil libras (R$ 40 mil). As fotos selecionadas ficarão em exposição no National Portrait Gallery de 6 de novembro até 15 de fevereiro do ano que vem.

 

Publicado no blog BBC Brasil

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Retratos Notáveis - 04

A cabeça

 

 

 

 

Fotografia - Retrato de Michel Foucault (São Paulo), 1975

Fotógrafo: Marcos Magaldi

 

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Domingo, 21.09.08

Desenho

Desenho

 

 

Alfredo Aquino - Sem Título - Desenho a tinta china e aquarela sobre papel, 2008 

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Garoa na Mantiqueira

Fotografia

 

 

Mario Castello - Serra da Mantiqueira - Fotografia, 2008

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Mia Couto - Recomendado 2

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

 

Emanuel Amorim

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo é o mais recente romance de Mia Couto, escritor moçambicano nascido em 1955. Neste livro, tomamos contacto com Sidónio Rosa, médico português que decide fazer trabalho cooperativo em Moçambique para tentar encontrar a sua amada Deolinda, uma mulata que conheceu num congresso em Lisboa.

 

Chegado a Via Cacimba só encontra os pais de Deolinda – Bartolomeu Sozinho e Dona Munda – que justificam a ausência da mulata por suposto estágio. No decorrer da narrativa Sidónio é confrontando com histórias antagónicas sobre o que terá acontecido a Deolinda e sobre o passado da família Sozinho. Adensa-se o mistério e Sidónio mergulha, também ele, na cacimba que parece cobrir a Vila Cacimba.

 

Mia Couto sabe contar uma história, doseia a informação com mestria, revela os factos no momento certo, fá-lo quando já estamos desconfiados da sua existência e sem chamar a atenção para si. O leitor só sabe aquilo que a personagem principal sabe, embora haja algumas excepções, e toma conhecimento dos factos ao mesmo tempo que Sidónio. Isto permite que cada revelação seja, no contexto da narrativa, verosímil e permite também uma maior envolvência da parte do leitor.

 

Em Venenos de Deus, Remédios do Diabo é fácil gostarmos das personagens pelo carisma e pela quase total ausência de maldade. Não são heróis, são pessoas que, como todos nós, cometem erros, mentem, falam verdade, têm medos, fantasmas e acreditam em algo que não se vê e que não é terreno.

 

Nessa galeria de personagens destaca-se Bartolomeu Sozinho, um velho reformado que andou toda a vida, quando Moçambique era uma colónia portuguesa, embarcado no transatlântico Infante D. Henrique. Passa os dias fechado no seu quarto, apenas com a companhia da televisão que, como é dito, sonha por ele. Mal visto em Cacimba, por causa da sua ligação ao regime colonial que é empolada por uma daquelas lendas heróicas que alguns contam – neste caso o administrador Suacelência – para se vangloriar e conseguir um lugar de destaque junto da comunidade.

 

A sua esposa, Dona Munda, é uma mulata acusada pelo seu marido de ser feiticeira. Guarda segredos que nunca chegamos a conhecer na sua totalidade. Tão depressa deseja, aparentemente, matar o seu marido como deseja que ele não morra e que recupere do mal que o consome.

 

Com um papel de menor destaque desfilam na prosa de Mia Couto outras personagens com traços particulares e que prevalecem na nossa memória finda a leitura deste romance. Disso exemplo é Suacelência, o administrador da cidade que deseja um medicamento que acabe com o suor.

 

A própria Vila Cacimba assume um destaque simbólico, porque tudo nela – locais (cemitério) e personagens – parece, como o nome indica, estar envolto num nevoeiro que não deixa ver a realidade. Na vila, o tempo (passado, presente e futuro) parece não existir e as histórias têm tantas versões quantos os habitantes que as contam.

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo apresenta o trabalho sobre a linguagem típico de Mia Couto, onde as palavras são alteradas pela oralidade e pelo uso efectivo do dia-a-dia. Ainda assim, Mia Couto exagera nos adágios que coloca na boca das personagens e na voz do narrador. Parece haver uma necessidade de colocar em filosofia popular todo e qualquer acontecimento. Mesmo a personagem mais humilde tem a capacidade de soltar uma máxima em relação à coisa mais ínfima. Em alguns casos esse exagero de máximas é justificado e até recebido com um sorriso de aprovação, noutros parece um puro exercício de estilo feito a pensar em antologias de pensamentos de bolso. Cito alguns exemplos: “O amor acontece para a gente desacontecer” e “Viver é um verbo sem passado”.

 

Com o desenrolar da acção, deixamos de reparar nesse pequeno pecado e passamos a devorar com ganância cada página, na esperança de ver atadas todas as pontas da história. É esse o grande mérito de Mia Couto: sabe contar uma história e isso é um bom motivo para pegar num livro.

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

Mia Couto

Romance - 188 páginas 

Editorial Caminho (Portugal)

ISBN nº 978-972-21-1987-0

Companhia das Letras (Brasil)

ISBN nº 85359125 68

 

 

Emanuel Amorim - Publicado no blog Orgia Literária

 

publicado por ardotempo às 20:12 | Comentar | Adicionar

Litogravura inédita de Gonzaga

Amazônia

 

 

 

Litogravura de Gonzaga - Amazônia - 2006

publicado por ardotempo às 15:12 | Comentar | Adicionar

Transatlântica / Transpacífica

Onde andarás?

 

Ferreira Gullar

 

Começo a te esperar, gritou ela da janela do apartamento, quando ele saiu do prédio e iniciou o caminho sem volta para o outro lado do mundo. Seu tempo em Moscou havia se esgotado, mas deixar Helena, separar-se dela para sempre, era como morrer e, ainda assim, seguia em frente pisando um chão coberto de neve naquela noite gelada. Foi quando ouviu o ruído de passos atrás de si e voltou-se. Ela se jogou sobre ele, abraçou-o e beijou-o chorando. Em seguida, sem que ele tivesse tempo de dizer qualquer palavra, deixou-o e voltou correndo para a entrada do edifício, onde sumiu. Ele rebentou em soluços e retomou seu caminho.


 

Até chegar à "abchejite", ainda no metrô, a frase de Helena não lhe saía da cabeça: "Começo a te esperar". Por que dissera aquilo, se sabia que nunca mais se veriam?

 

Talvez o disse para tornar possível uma última esperança, já que ninguém suporta o fim arbitrário de um amor feliz.
Ao chegar a seu quarto, lá encontrou um grupo de amigos, que o esperavam com cerveja e vodka para se despedirem dele festivamente. Queriam saber onde estivera até aquela hora da noite, mas ele apenas sorriu e nada revelou.

 

Puseram na vitrola um disco de samba, ele tomou um porre-mãe e só acordou de manhã, quando bateram à porta do quarto. Era um funcionário do PCUS, que o levaria para o aeroporto. Como um zumbi, trocou de roupa, pegou a maleta que já estava feita, desceu pelo elevador e entrou no carro que o esperava à porta da casa de estudantes. Como um zumbi, entrou no avião e adormeceu. Só acordou quando aterrizava em Roma, era como se acordasse de um sonho, que durara dois anos, e era agora devolvido à realidade.

 

Chegou ao hotel, trancou-se no quarto e, deitado na cama, abandonou-se à derrota: chorou sem aflição, sem desespero, as lágrimas descendo-lhe dos olhos e ensopando-lhe a camisa. Nada fez para parar o choro, disposto que estava a chorar tudo o que devia chorar, até não mais ter lágrimas nem necessidade. Quando terminou, sentiu-se aliviado e vazio, um morto-vivo, que se ergueu, lavou o rosto e voltou a sentar-se na cama.

 

Ainda bem que, na manhã seguinte, voaria para Santiago do Chile.
Na verdade, o vôo era Roma-Buenos Aires e pareceu não terminar. Nunca. Sentiu um misto de melancolia e consolo, quando o comandante informou que o avião bordejava a costa brasileira.

 

Consolou-se com o fato de que sobrevoava o Brasil e que, lá embaixo, estavam seus filhos, sua mulher, seus amigos, sua gente. Mas doía-lhe saber que não poderia descer em nenhuma daquelas cidades, muito menos no Rio, e voltar para casa. Por quanto tempo ainda teria que suportar o exílio?
De qualquer modo, chegar a Buenos Aires já foi uma alegria, sentiu-se quase em casa. Calle Florida, Corrientes já lhe eram familiares. Estar na América Latina, mesmo sem Helena, fazia sentir-se menos infeliz.


 

Em Santiago, a situação era ameaçadora, pois os inimigos do governo Allende o boicotavam, comprando tudo nos supermercados e deixando a população sem alimentos suficientes.Uma greve de transportes parara o país, ao mesmo tempo que a ameaça de golpe militar pairava no ar.

 

Em meio a esses problemas, ainda sentia a falta de Helena a tal ponto, que, certa tarde, ao cruzar uma avenida do centro da cidade, ele a viu entrar numa loja. Seu coração quase explode. Entrou na loja, mas não a encontrou; ao sair, viu que ela seguia pela calçada em meio aos transeuntes. Foi atrás dela, empurrando as pessoas que lhe dificultavam a passagem, mas de nada adiantou: uma esquina adiante, ela tomou um táxi e seguiu nele. Desapontado, voltou para o apartamento onde morava, na Providência. Só então se deu conta de que não podia ser ela, tudo aquilo não era mais que um delírio.


 

Passaram-se os meses, a situação política se agravou e um golpe derrubou Allende e o levou ao suicídio. Conseguiu sair do Chile para a Argentina, depois para o Peru e Buenos Aires, de novo. A vida seguiu adiante, envolta em sustos e desespero, até que, finalmente, voltou para o Brasil.

 

Recompôs sua vida, retomou suas ocupações e esqueceu Helena.
Anos mais tarde, porém, ao ver um filme sobre a vida de Luis Carlos Prestes, depara-se, surpreso, com ela, a mesma daqueles anos, linda, falando e rindo na casa dele, em Moscou.
Onde andará ela, hoje? perguntou a si mesmo. Àquela altura, já a URSS se acabara e, certamente, ela, que sonhava conhecer o mundo, deveria ter saído de lá. Telefonou para um amigo, que também estivera em Moscou, e soube que ela fora para Cuba, donde seguira para Madri. Depois disso, ninguém teve mais notícia dela.

 

 

© Ferreira Gullar – Publicado na Folha de São Paulo - UOL

Foto de Pierre Yves Refalo 

publicado por ardotempo às 14:36 | Comentar | Adicionar

Internet turbina venda de livros

Aliada dos livros


"Disponibilizar obras inteiras na internet ajuda a vender livros", é o que afirma Alexandre Barbosa de Souza, editor da Hedra. Há cerca de um ano a editora passou a disponibilizar pela rede textos integrais da Coleção de Bolso, série de títulos clássicos como O Príncipe, de Maquiavel, e O Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, cujos direitos autorais são de domínio público, e encontrou na iniciativa um ótimo caminho para a divulgação das obras.

"Percebemos um aumento significativo de vendas depois que colocamos os livros na internet", conta Alexandre. 
 
O processo é feito por meio do Google Book Search, um portal em que editores e autores podem publicar suas obras em arquivos digitais. Alexandre explica que, paradoxalmente, os livros virtuais incentivam os consumidores a adquirirem as obras de papel: "Vemos que os clientes usam a internet para pesquisar livros, mas não para lê-los. Como os nossos títulos não são muito caros (de 10 a 20 reais), muitas vezes fica mais em conta comprá-los do que imprimir em casa".

Outra aposta parecida foi feita pela Livraria Cultura que, há um mês, em parceria com o Google Search Books, passou a disponibilizar em seu site textos na íntegra de livros à venda em seu site.
 


A idéia, se colocada no contexto dos mercados musical e cinematográfico soaria absurda, já que o uso da internet como difusora de obras, nestes casos, fez cair a venda de CDs e a bilheteria das salas de cinema. Apesar da mesma facilidade de reprodução existir também no âmbito editorial, o que se percebe é um desinteresse por parte dos usuários pela leitura de textos em ambientes virtuais.
 


"O site dominiopublico.gov.br, do governo - que disponibiliza livros de graça pela internet - tem poucos acessos. Foi até levantada a possibilidade de retirá-lo do ar por conta disso", conta Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro. Prova de que os anos podem estar para extinguir o CD e o DVD, assim como fizeram com o vinil e fita VHS, mas nada - ainda - substitui a experiência de ler tendo em mãos um volume encadernado.

Mariana Shirai - Publicado na Revista BRAVO!

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Sábado, 20.09.08

Macas da Violência

Siron Franco, Série Macas

 

 

 

Instalação com uma série de macas, em técnica mista: pintura a óleo sobre lona, colagens, objetos costurados, grampeados e colados, fotografias,  fitas adesivas, chapas radiográficas, pedaços de ossos, absorventes femininos, fragmentos de cartazes religiosos, bandagens, cordas e outros objetos escolhidos pelo artista Siron Franco.

publicado por ardotempo às 20:39 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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