Quinta-feira, 21.08.08

Mãos da terra - 17

Arcanjo

 

 

Peça de artesanato - Anjo de Presépio para festejos natalinos, em grande formato, talhado e pintado, num bloco maciço de madeira - procedente do interior de Minas Gerais

 

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro

publicado por ardotempo às 23:31 | Comentar | Adicionar

Clarins

Lembrando Caymmi

 

Luis Fernando Verissimo

 

Lembrança remotíssima do Dorival Caymmi: ele na nossa casa. Naquela época, pré-televisão, pré-cadeias de rádio, os artistas viajavam e faziam programas nas rádios locais. Ele foi nos visitar depois de um programa numa rádio de Porto Alegre. Levou o violão e cantou. Lembro de alguém que o tinha ouvido no rádio comentar: ele tem a cara da voz. Aquela cara não podia ter outra voz, aquela voz não podia ter outra cara. Nunca ouvi voz parecida - até conhecer outro baiano, o João Ubaldo Ribeiro. A voz do João Ubaldo é plágio da voz do Caymmi. Agora o João Ubaldo tem um dever para com a nação: falar, falar mais do que fala, e até cantar de vez em quando, pra gente ter a ilusão de que ainda é o Caymmi.

Lembrança não tão remota (só 44 anos) do Dorival Caymmi: Lucia e eu num sítio em Araras emprestado ao jovem casal para sua lua de mel pelo escritor Vianna Moog. Na eletrola, durante toda a nossa estada, rodou um long-play do Caymmi. Faixa mais repetida: Dora. A rainha do frevo e do maracatu. Que contém uma daquelas frases musicais do compositor guardadas no arquivo especial das grandes frases musicais que cada um tem no peito. Para muitos o trecho definitivo do Caymmi é o “ah insensato coração, por que me fizeste sofrer”, da “Só louco”. Para outros é o “e assim adormece esse homem”, de “João valentão”. Pra mim a frase musical declaratória sem igual do Caymmi é “os clarins da banda militar, tocam para anunciar, que a dona Dora agora vai passar...

Nos nossos poucos dias no sitio de Araras os clarins não pararam de tocar e a dona Dora não parou de passar.

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Essa questão de julgar ou não os crimes dos anos ruins que agita os militares e divide o governo é, no fundo, uma briga pela nossa História. A quem pertence a História daqueles anos? Quem tem a exclusividade de interpretá-la e o poder de dizer o que aconteceu e o que não aconteceu, ou o que convém e não convém lembrar? Nem a velha sentença cínica de que a História é sempre a versão dos vencedores cabe. No fim quem venceu não foi o arbítrio, foi a democracia, mas a versão democrática da História daqueles anos ainda está para ser escrita. É boicotada por quem devolveu o país aos seus donos mas ainda pretende mandar na sua memória.

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Da série “Poesia numa hora destas?!"

 

Abri a velha gaveta

com meus poemas guardados

- anos de amor rimado

e odes ao espírito alado

- e descobri, abismado

que tinha tudo azedado!

 

 

© Luis Fernando Verissimo 

publicado por ardotempo às 18:19 | Comentar | Adicionar

Marcos Magaldi, fotógrafo

Elevador Lacerda - Salvador, Bahia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fotografia - Marcos Magaldi - Salvador, 2006

publicado por ardotempo às 13:20 | Comentar | Adicionar

Poética

Desenho

 

 

Desenho - Alfredo Aquino - Tinta china e aguadas a pincel sobre cartão Montval 

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publicado por ardotempo às 12:51 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Aforismo Borgesiano - 35

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"Vivemos num tempo muito, muito ingênuo. Por exemplo, as pessoas compram produtos cuja excelência é anunciada pelos mesmos que os vendem. Isso me parece uma prova de ingenuidade."

 

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecé Editores – Buenos Aires  Argentina

publicado por ardotempo às 12:37 | Comentar | Adicionar

Mia Couto, por Mariana Ianelli

O Guardador de Sonhos

 

Texto crítico de Mariana Ianelli

 

Nasce mulata a poesia moçambicana, em meados do séc. XIX, no casamento do poeta Tomás Antônio Gonzaga, de sangue luso-brasileiro, com Juliana de Sousa Mascarenhas, da Ilha de Moçambique. A respeito desse rico intercâmbio de culturas falava o escritor Mia Couto, quatro anos atrás, em uma comunicação na Academia Brasileira de Letras. Foi assim que, estreitando laços de vizinhança, entre 1950 e 1970, as vozes de Manuel Bandeira, Drummond, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos outros aportaram em Moçambique, para semear ali a gênese de uma identidade lingüística ainda carente de matizes que pudessem distingui-la do português colonial.

 

Dessa partilha que transcende a dimensão da língua e toca o fundo de um parentesco mágico, deriva o encontro de alma especialíssimo de Mia Couto com Guimarães Rosa. Em um sertão que desemboca em savana, levanta-se agora, mais uma vez, a flor mestiça, re-encantada em cores de beleza universal. Tudo o que Mia Couto reconhece marcar a experiência de recriação da escrita em Guimarães, podemos também reconhecer em seu trabalho, bem entranhado nos sais da terra moçambicana: o uso de "neologismos, da desarticulação da frase feita, da reinvenção dos provérbios, do resgatar dos materiais da oralidade". Poetas por excelência, ambos são feiticeiros da linguagem, desbravadores de uma pátria mítica em que nos descobrimos antes unidos por um sonho que separados por diferenças de raça.

 

Onde paira a névoa e, desde logo, qualquer prerrogativa de certeza se desfaz, é o sonho justamente que aparece e se propaga como elemento fundador das viagens nos livros de Mia Couto. Em Terra Sonâmbula, a névoa está por toda parte. Uma estrada arrasada pela guerra, a carcaça de um automóvel incendiado, uma misteriosa mala ao lado de um cadáver: eis toda a paisagem, ou quase. Um baobá ali de pé dá sinais de que a terra não definhou completamente, que ainda serve de refúgio. Nesse lugar, a meio de um caminho, instalam-se Muindinga e Tuahir, sobreviventes de um país em luto. Nada se move enquanto eles não enterram seus mortos.

 

Dentro da mala, uma herança os aguarda: os cadernos manuscritos de Kindzu, um menino nascido no seio da guerra, cujo nome é o mesmo "que se dá às palmeiritas mindinhas, essas que se curvam junto às praias". Com efeito, as palavras dessa criança lançam raízes e plantam no pequeno Muindinga a memória de um passado que lhe falta, desabrocham no velho Tuahir sua capacidade de sonhar. Começa aqui a viagem. Das águas para a terra, desde as páginas de uma ilíada, os dois andarilhos empreendem sua odisséia da estrada para o mar, traçando, sem saber, um itinerário de volta a casa: o pertencimento a uma nação que por muito tempo esteve esquecida, oculta sob o sono e sob as armas.

 

Tal como Kindzu recebe de um adivinho o "amuleto dos viajeiros" para começar sua jornada e curar-se "das leis, mandos e desmandos", Muindinga e Tuahir recebem a palavra fabulosa que os vai libertando da "miséria de existir pouco". E quanto mais avançam na leitura dos cadernos, mais a paisagem em torno deles se transforma. É a estrada que caminha, enevoada, diluindo os contornos de uma dura realidade, por dentro se fazendo fértil para a colheita do futuro. Povoam-se de árvores as estórias de Kindzu – canhoeiros, massaleiras, cajueiros, djambalaueiros – e o mato à beira da estrada viceja, "num moçambique de verdes". O sagrado se abastece de forças na genealogia poética do filho das águas, da filha do Céu, e já Tuahir passa a sofrer de uma outra fome se o pequeno Muindinga demora a retomar o diário – uma fome que só a fantasia satisfaz. O garoto lê as páginas, o velho lê as folhagens, um alimenta no outro os motivos de estar vivo. No desfile dos espectros da guerra, nas imprecações dos espíritos, põem-se "os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências", e o tempo presente se resolve. Finalmente, os mortos podem ser sepultados pela segunda vez, com as devidas cerimônias.

 

Um cadáver abandonado a céu aberto, um elefante agonizando na savana, em Terra Sonâmbula, são variações do mesmo retrato de um país acometido pelo fantasma da guerra bem depois de a guerra haver terminado. Tuahir diz ao pequeno Muindinga: "eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida". Órfão de pai e mãe, Muindinga cumpre o destino de escapar de muitas mortes, e ser, como Kindzu, um portador da paz. Com o corpo doente de "mantakassa", o veneno da mandioca apodrecida, é salvo de sua primeira agonia pelo velho Tuahir quando está prestes a ser atirado a uma vala. Sua tarefa tem o peso de uma raça: escapar da terra contaminada e proteger-se das enfermidades da alma, que se abrem nas feridas invisíveis do medo, da loucura, da desesperança. Trata-se também de outra orfandade, esta contra a qual luta o pequeno Muindinga: a perda do encanto das tradições, a derrocada de um país pelo império da violência, o desprezo dos homens por um sentido de comunidade.

 

No livro, a proclamação da Independência de Moçambique torna-se um de seus personagens fantásticos: Vinticinco de Junho, o Junhito, irmão menor de Kindzu. Para ser poupado da morte que o pai lhe sentencia em uma de suas predestinações, Junhito é encerrado em um galinheiro, disfarçado com um saco de penas, e aos poucos vai desaprendendo a falar. Desaparece certa manhã, sem deixar rastro, para ressurgir aos olhos de Kindzu em uma capoeira improvisada dentro de um tanque militar. Apenas concretizada a travessia, na última fábula do diário, Junhito finalmente se humaniza, embalado pelo som de uma canção. 

 

Merece um destaque à parte, no romance, a estória de Nhamataca, filho de um amor durante a "estação das brumas" entre um homem e uma mulher, em margens opostas de um rio, que as águas acabam por unir em uma jangada. Mia Couto narra um episódio familiar no conto "Nas águas do tempo", de Estórias Abensonhadas: um velho que ensina seu neto a enxergar por trás do nevoeiro o vulto que lhes acena um pano branco. O avô segreda a lição: "nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos, deixaram de ver esses outros que nos visitam. Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem". Como diz Kindzu, em Terra Sonâmbula: "O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos". É então, para voltar a ver, que o menino guarda suas fantasias no bojo de uma viagem, as páginas do seu diário transformadas em páginas de uma estrada.

 

 

 

 

© Mariana Ianelli - Publicado no Rascunho

publicado por ardotempo às 04:15 | Comentar | Adicionar

Salomés, de Mauro Holanda

Fotografia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Salomés, da mostra "Alma Descarnada" - de Mauro Holanda - Fotografia, 2008 

publicado por ardotempo às 00:13 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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