Domingo, 17.08.08

Miniatura

O que está no meio não interessa

 

Era uma vez e foram felizes para sempre.

 

 

© José Mário Silva - Efeito Borboleta - Oficina do Livro, 2008

© Mãos da Terra - Artesanato popular brasileiro, placa de argila para parede, barro cozido ao sol, pintado com motivos populares - "Namorados"; Autor: MLC - Proveniente de região do interior de Pernambuco - Brasil

publicado por ardotempo às 21:11 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

8h46 - Conto de José Mário Silva

8h46

 

 

Enquanto espera pela hora da reunião, sentado numa cadeira Barcelona, Jonathan K. imagina a mão de Mies van der Rohe a desenhar com minúcia, há precisamente 74 anos, aquele prodígio de design. Tocando muito ao de leve no couro negro, pensa: "Isto sim é uma cadeira, não apenas um assento para corpos demasiado humanos."

 

A reunião, marcada para as oito e meia, vai começar mais tarde. O CEO comeu qualquer coisa esquisita ontem à noite (certamente um dos malditos hors d'oeuvre com que as galerias de Manhattan envenenam os seus clientes) e será substituído por um dos quadros superiores da empresa, infelizmente ainda a caminho, algures no trânsito caótico de Upper East Side. O encontro só começará por volta das nove horas, diz-lhe a secretária, sorridente. "OK", responde Jonathan, "eu espero". Um café? "Sim, obrigado, mas sem açúcar."

 

Na parede de tons claros, uma imitação tosca de Salvador Dali. Elefantes de patas gigantescas caminhando por entre os arranha-céus, uma mulher nua feita de gavetas, o silêncio espectral do deserto insinuando-se atrás da cidade de vidro. O quadro é horrível. Jonathan K. sente uma veia a pulsar no pescoço. "O que raio estou eu a fazer aqui?" Atrás de uma porta transparente, a secretária fala ao telefone e faz-lhe um sinal. Não se esqueceu do café. Continua a sorrir muito.

 

Jonathan revê mentalmente a sua vida nos últimos quatro meses. A queda na piscina do hotel de Miami. O som da cabeça a bater numa aresta de cimento. O túnel de luz (igualzinho ao do quadro de Hieronymus Bosch). A sala dos cuidados intensivos, vista do tecto, fora do corpo. As duas semanas em coma. O acordar violento, como quem regressa ao princípio de tudo. A demorada reaprendizagem dos gestos. A epifania daquela manhã de sábado em que decidiu, com a convicção dos profetas, emendar os muitos erros da sua existência.

 

A outra vida, a vida anterior, está envolta numa espécie de nevoeiro. Já quase não se lembra dos anos passados em África. O negócio das armas, o tráfico de influências, os muitos mortos que as suas decisões, os seus lucros, engendraram. A fortuna manchada de sangue vai sendo repartida por fundações, ONG's, empresas solidárias, causas filantrópicas. Foi também por isso que veio esta manhã até ao 53.º andar da Torre Norte do World Trade Center. "Serei algum dia capaz de salvar a minha alma?", pergunta-se.

 

A secretária sorridente traz-lhe o café. Jonathan K. bebe-o junto à janela. No Patek Philippe, os ponteiros marcam 8h46. Pelo seu rosto passa, súbita e absurda, a sombra de um avião.

 

 

© José Mário Silva - Efeito Borboleta, Oficina do Livro, 2008

Fotografia de Mário Castello, 2008

publicado por ardotempo às 18:30 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Jean-Alex Brunelle

Fotografia

 

 

 

Jean-Alex Brunelle - Legume - Fotografia - Paris, 2006 

publicado por ardotempo às 14:40 | Comentar | Adicionar

Alfredo Volpi - Mastros

 Pintura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alfredo Volpi - Mastros - Pintura, têmpera sobre tela

tags: ,
publicado por ardotempo às 14:20 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Gravura em metal

Relevo

 

 

Maria Inês Rodrigues, artista plástica das mais importantes do Brasil contemporâneo, não se revela apenas com magnitude na pintura, onde a emoção pensativa das cores se funde à imaginação do abismo, criando seres de perene infância.

 
A gravurista e a escultora são ainda mais alentadoras,  onde o bizarro se mescla ao fantástico, como se um Goya esculpisse na gravura ou no metal, desfiando um outro tempo, o das feéricas imagens.
 
E reativa em sua arte, incrível liberdade inventiva, deixando os olhos perturbados diante de um certo toque do desconhecido. O que assusta, entretanto, já acordou o eito de estar no mundo. Em sua última fase, Relevos e Gravuras em Metal  explodem como que advindas de pesadelo. 
 
E com maestria generosa e original, nova, exsurgem  as criaturas de sementes, ou a sementeira de mitos. O que dizer, senão o maravilhamento? E numa estirpe de metamorfoses, a linguagem retorna à caverna dos símbolos primevos, e à mágica dos símbolos que, face a face, nos vêem.
 
E amam toda a penúria e grandeza  da humana condição. 
 
Carlos Nejar 
 
Relevo - Maria Inês Rodrigues - Gravura em metal, 2006
tags: ,
publicado por ardotempo às 13:24 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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