Terça-feira, 29.07.08

Receita para ler Lobo Antunes

Por António Lobo Antunes 

 

"Sempre que alguém afirma ter lido um livro meu fico decepcionado com o erro.  É que meus livros não são para ser lidos no sentido em que usualmente se chama ler: a única forma

 

           parece-me

           de abordar os romances que escrevo é apanhá-los do mesmo modo que se apanha uma doença. (...)

 

Aquilo a que por comodidade chamei romances, como poderia ter chamado poemas, visões, o que se quiser, apenas se entenderão se os tomarem por outra coisa. A pessoa tem que renunciar à sua própria chave

 

           aquela que todos temos para abrir a vida, a nossa e a alheia


           e utilizar a chave que o texto lhe oferece. De outra maneira torna-se incompreensível, dado que as palavras são apenas signos de sentimentos íntimos, e as personagens, situações e intriga os pretextos de superfície que utilizo para conduzir ao fundo avesso da alma. A verdadeira aventura que proponho é aquela que o narrador e o leitor fazem em conjunto ao negrume do inconsciente, à raiz da natureza humana. (...)


O mais que, em geral, recebemos da vida, é um conhecimento dela que chega demasiado tarde. (...)


Gostaria que meus romances não estivessem nas livrarias ao lados dos outros, mas afastados e numa caixa hermética, para não contagiarem as narrativas alheias ou os leitores desprevenidos: é que sai caro buscar uma mentira e encontrar uma verdade.Caminhem pelas minhas páginas como num sonho porque é nesse sonho, nas suas claridades e nas suas sombras, que se irão achando os significados do romance, numa intensidade que corresponderá aos vossos instintos de claridade e às sombras da vossa pré-história.


E uma vez acabada a viagem

            e fechado o livro

            convalesça. Exijo que o leitor tenha uma voz entre as vozes do romance

            ou o poema, ou a visão, ou outro nome que lhes apeteça dar

            a fim de poder ter assento no meio dos demónios e dos anjos da terra."

 

 

© António Lobo Antunes, 2008

publicado por ardotempo às 12:48 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Máscara-3 / Pintura

 Pintura

 

 

 

 

Máscara - Pintura de Alfredo Aquino - Óleo sobre tela / 1992

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publicado por ardotempo às 03:57 | Comentar | Ler Comentários (2) | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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