Receita para ler Lobo Antunes
Por António Lobo Antunes
"Sempre que alguém afirma ter lido um livro meu fico decepcionado com o erro. É que meus livros não são para ser lidos no sentido em que usualmente se chama ler: a única forma
parece-me
de abordar os romances que escrevo é apanhá-los do mesmo modo que se apanha uma doença. (...)
Aquilo a que por comodidade chamei romances, como poderia ter chamado poemas, visões, o que se quiser, apenas se entenderão se os tomarem por outra coisa. A pessoa tem que renunciar à sua própria chave
aquela que todos temos para abrir a vida, a nossa e a alheia
e utilizar a chave que o texto lhe oferece. De outra maneira torna-se incompreensível, dado que as palavras são apenas signos de sentimentos íntimos, e as personagens, situações e intriga os pretextos de superfície que utilizo para conduzir ao fundo avesso da alma. A verdadeira aventura que proponho é aquela que o narrador e o leitor fazem em conjunto ao negrume do inconsciente, à raiz da natureza humana. (...)
O mais que, em geral, recebemos da vida, é um conhecimento dela que chega demasiado tarde. (...)
Gostaria que meus romances não estivessem nas livrarias ao lados dos outros, mas afastados e numa caixa hermética, para não contagiarem as narrativas alheias ou os leitores desprevenidos: é que sai caro buscar uma mentira e encontrar uma verdade.Caminhem pelas minhas páginas como num sonho porque é nesse sonho, nas suas claridades e nas suas sombras, que se irão achando os significados do romance, numa intensidade que corresponderá aos vossos instintos de claridade e às sombras da vossa pré-história.
E uma vez acabada a viagem
e fechado o livro
convalesça. Exijo que o leitor tenha uma voz entre as vozes do romance
ou o poema, ou a visão, ou outro nome que lhes apeteça dar
a fim de poder ter assento no meio dos demónios e dos anjos da terra."
© António Lobo Antunes, 2008