Sábado, 07.06.08

Conto-carta de IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

 

O ônibus da madrugada

 


    Glorinha, amiga do coração,

    Sei, percebi tudo ontem, ficou claro e este bilhete é o da minha libertação...

    ... descobri à  medida que o ônibus avançava pela Marginal do Tietê e o cansaço me dominava, o amargo subia, eu me enchia de decepção, perguntando o que estou fazendo aqui? O que estamos todos fazendo?


    ... não, não estou mais dominado pela ambição de vencer na vida, naquele sentido que todos davam ao tema na década de 70 e se avolumou nos 80, com aquela cambada de yuppies...


    ... naquele momento, na madrugada, quatro horas, todos dormiam no ônibus, olhei as ruas desertas, deixei de compreender minha presença


      na cidade... corríamos por entre fábricas, depósitos, galpões, novos,
em construção, velhos, caindo aos pedaços, vidraças rompidas, telhados caídos, ruínas, terrenos estaqueados, empresas de plásticos, tecidos, autopeças, trilhos de trem, roupas, misturadoras de concreto com suas torres vermelhas e centenas de caminhões betoneiras, linha de frente avançada de um exército pronto a atacar, e começaria  pela manhã a levar concreto para mais um prédio, outro, outro, e dezenas centenas...


    ... prédios serão novos apartamentos, milhares, escritórios, milhares, para abrigar gente e gerar emprego a render dinheiro, tudo o que estava à minha volta era para fazer dinheiro, bares, casas, armazéns, lojas, mercadorias empilhadas, vagões de carga prontos a conduzir, empresas de transporte, fachadas de vidros, aço, pastilhas, tijolos, concreto aparente, prédios dominados pelo cinza, cobertos de poeira, limalha de ferro, fumaça que respiro,  sufoca, tudo para fazer dinheiro...


    ... a nossa finalidade é fazer dinheiro, produzir, vencer, possuir, ter, acumular, investir, crescer, evoluir, aumentar o pib, o pob, o pub, a pqp...


    ...ônibus passando por anúncios luminosos, néon e eletrônicos,
out-doors, cartazes, letreiros, faixas, o cansaço era visual, físico...


    ... não, não é a luta que desejo, que busco, todo o sentido da cidade e do mundo reunido nessas quadras, cada tijolo, prego, telha, sacos de cimento e cal, parafuso  a serviço do vencer na vida, pequenas empresas, grandes, indústrias, industriazinhas, telhados, muros, portas, janelas, vitrines, padarias, farmácias, quitandas, bancas de camelô, bancos, em tudo a marca das coisas que eu nego e me sufocam...


    ...não fui feito para isso, não admiti por anos e anos, e minha barriga cresceu, inchou, meus olhos se gastaram, meus ossos doem, nem sei porque estou  contando estas coisas, nem sei porque não fiquei naquele ônibus e me afastei, desci na rodoviária e vim para minha casa, entrei...


    ...entrei, porque há trinta anos abro este portão que vou reformar um dia, há trinta anos coloco a chave na fechadura...


    ...há trinta anos tiro os sapatos na sala, vou para a pia do banheiro, lavo o rosto com água fria, muito fria...


    ...e me deito pensando ...e me deito pensando...
    ...e me deito pensando...
    ...pensando que amanhã vou mudar tudo.
 
    Você ainda acredita em mim?

    Com a profunda amizade do

    Leon

 


 

 

© Ignácio de Loyola Brandão - Cartas, Iluminuras, 2005

Foto de Irving Penn - Embalagem, 1975

publicado por ardotempo às 23:50 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Guerra na Blogsfera (de Cuba)

Blogs são a nova fronteira da batalha ideológica em Cuba


Provocado pelo sucesso de internautas independentes, governo reage com apoio a páginas em defesa da revolução

Acesso à internet na ilha é mínimo e controlado, mas elite intelectual participa do debate.

São só cerca de 260 mil computadores conectados à internet para 11 milhões de cubanos - um dos mais baixos índices de conectividade do mundo -, mas a modesta vida virtual da ilha virou um movimentado "campo de batalha ideológico", nas palavras do próprio governo, com ataques e estratégias para bloquear ou mimetizar blogs adversários.


A mais ilustre das páginas pessoais alimentadas em Cuba, o Generación Y, da filóloga Yoani Sánchez, com 9 milhões de hits em maio e incensada na imprensa mundial, ganhou um aguerrido opositor, o Blog do Yohandry, que defende o governo e ataca a "outra Y".


Nas ruas de Havana, raros são os que sabem da guerra travada na elite tecnológica, que se espalha por comentários nos blogs animados por cubanos no país e no exílio e alcança outros sites. O portal desdecuba.com, que abriga o Generación Y, tem um antípoda ideológico, desde-cuba.com.

O governo manifestou-se sobre o fenômeno. "Internet, sem dúvida, é um campo de batalha ideológico. Converteu-se também numa nova plataforma para agredir a revolução", disse o vice-ministro de Comunicação, Boris Moreno, em maio, quando queixou-se de que os blogs "a favor da revolução não têm a mesma visibilidade internacional que tem essa menina", em referência a Yoani Sánchez.


Com posts curtos e irônicos - e críticas ao cotidiano da ilha - Yoani provocou simpatia e dezenas de reportagens que explicam que da "geração Y" fazem parte os batizados com nomes iniciados com a letra, moda nos anos 70 e 80, de influência soviética na ilha. Em abril, a blogueira ganhou o prêmio de jornalismo Ortega y Gasset, do jornal espanhol "El País", mas Havana não liberou o visto para que fosse a Madri. Mais comoção virtual.


O "Blog do Yohandry", com estilo duro e reprodução de reportagens oficiais, reagiu. Destacou um comentário anônimo que acusa Yoani de ser financiada pelo escritor cubano dissidente Carlos Montaner.

Os apoiadores da filóloga dizem que a página adversária é uma montagem do governo, feita por várias pessoas, e desafiam seu dono a postar uma foto. À Folha, por e-mail (ele se recusou a falar por telefone), o blogueiro pela revolução disse: "Não sou um coletivo, sou uma pessoal real. Talvez tenha de buscar ajuda, porque o blog cresce, mas agora estou só".


Até o mês passado, a página pró-governo estava hospedada no provedor de blogs do "El País", mas foi retirada. O blogueiro diz que foi censurado e mudou de endereço. O "El País" alega que não pode haver campanhas de difamação em seus domínios.
O "Generación Y" não pode ser acessado de hotéis da ilha, cujos provedores são estatais, comprovou a Folha, mas segundo Yoani é possível fazê-lo em empresas estrangeiras e por conexões particulares.

Em Cuba, só médicos e pesquisadores, além da burocracia estatal, têm direito a internet em casa. O governo diz que, dadas as limitações técnicas, como o bloqueio econômico que impede a ligação por fibra ótica com a Flórida, a prioridade é conectar centros de estudo. Mas, como tudo mais na ilha, há um crescente mercado negro. Muitos dos privilegiados repassam o acesso à rede por pouco mais de US$ 40 ao mês.


Com 10 mil estudantes e a missão de liderar o salto de Cuba no setor, a UCI é a menina dos olhos do regime -a Folha tentou conversar com seus estudantes, mas foi informada que uma visita tem de ser agendada com semanas de antecedência e diretamente com o secretário particular de Fidel Castro, Carlos Valenciaga.


É também sobre a universidade - parte da "Batalha das Idéias", o programa lançado por Fidel para reconquistar corações e mentes para a revolução - que recaem as suspeitas sobre as dificuldades para acessar "Generación Y". "Dizem que vêm daí os soldados informáticos", diz a blogueira. Ela promete usar parte dos 15 mil que ganhou no prêmio espanhol para "promover a blogosfera cubana".

 

A batalha está apenas começando.

 

Por Flávia Marreiro - Enviada da Folha de S.Paulo a Havana - Publicado no UOL

 



 

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publicado por ardotempo às 11:57 | Comentar | Adicionar

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"O Outro é, em si, o meu limite."

 

EMMANUEL TUGNY

 

 

© Emmanuel Tugny, Éditions Léo Scheer, Paris. 2008

Gonzaga - Escultura pública em grande formato, estrutura em bronze - "Rito de Passagem: o direito de ir e vir" -  2001

 

publicado por ardotempo às 01:28 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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