Terça-feira, 03.06.08

Entrevista: Luiz Ruffato

 

 

 

Luiz Ruffato - Escritor

 

Luiz Ruffato é um dos escritores brasileiros da nova geração de maior brilho e reconhecimento entre os aficcionados de literatura de alta qualidade, sendo bastante conceituado entre os escritores, os editores, os jornalistas de literatura e o público leitor.

 

 

ARdoTempo : Caro Luiz Ruffato: você é um escritor de uma nova geração e já alcança um significativo reconhecimento nacional e até internacional, é evidente que isso é fruto de trabalho e dedicação ao ofício - a pergunta é sobre essa viabilidade e sobre uma certa organização da carreira de escritor - é fácil ser escritor no Brasil?


Luiz Ruffato: Não, é extremamente difícil ser escritor no Brasil, basicamente por não haver ainda um mercado profissional no país. Um mercado faz-se por meio de vários atores: o editor, o escritor, o distribuidor, o livreiro, o jornalista, o leitor. Temos problemas sérios em todas essas pontas. São poucos os pontos de venda, são raros os livreiros (e os vendedores) que conhecem o produto com o qual lidam, a distribuição é precária, o espaço em jornais e revistas para a reflexão sobre o livro é pequeno, os editores (com raras e honrosas exceções) são amadores, o leitor inexiste.

 

E subsiste a questão do escritor. No Brasil, ainda há uma aura de que quem escreve não pode viver de seu trabalho. Temos uma grande maioria de diletantes, que, por ganharem a vida em outras profissões, mantêm uma relação amadora com o mercado, prejudicando vivamente o seu desenvolvimento. Ainda há, claro, o maior de todos os problemas: a educação formal de qualidade nunca foi uma prioridade dos governantes nacionais. Sem educação, não há qualquer possibilidade de mudança desse quadro.
 
AT: Fala-se sempre dos escritores de muita mídia e muita venda, alguns que têm colunas em jornais e páginas em semanários, são os escritores "blockbusters" e isso é uma realidade visível, é necessário trilhar esse caminho para ter o reconhecimento literário e de público?


LR: Vivemos na sociedade do espetáculo, onde a palavra de ordem é "visibilidade". É claro que quem tem "visibilidade" tem muito mais chances de fazer sucesso de público. Quanto ao reconhecimento literário, penso que esta assertiva não se aplica. A qualidade literária não depende do julgamento de uma época, mas de sua perenidade no tempo.
 
AT: A palavra é a sua ferramenta. Agora o mundo literário de língua portuguesa se agita um pouco em razão do Acordo Ortográfico (bem mais em Portugal, é verdade) mas o que você tem dizer a esse respeito uma vez que se trata da matéria-prima com a qual você trabalha?
 
LR: O Acordo Ortográfico, fruto de uma decisão autoritária, sem qualquer discussão, não muda uma linha nas relações entre os países ditos lusófonos. Nosso distanciamento se dá por conta de não haver nenhuma política pública efetiva de aproximação. Nós desconhecemos totalmente o que hoje se produz culturalmente em Portugal e nos países africanos – e estou dizendo em termos de literatura, música, teatro, artes plásticas etc. Eles ainda conhecem um pouco mais de nós, muito por conta da exportação das novelas e da música brasileiras. O que necessitávamos seria a discussão desapaixonada de uma ação conjunta, que pudesse despertar, efetivamente, o interesse no mundo pela língua e cultura lusófonas.
 
AT: Você tem transitado pelo Brasil e esteve presente, com grande destaque, na Jornada Literária de Passo Fundo, uma iniciativa que valoriza intensamente a literatura brasileira e o autor nacional de qualidade... O que você comentaria a respeito da Jornada?


LR: A Jornada Literária de Passo Fundo é, sem dúvida alguma, o mais importante acontecimento literário brasileiro, por sua especificidade. Os festivais literários visam o encontro do escritor com o público e as bienais e feiras do livro promovem a comercialização do livro.

 

A Jornada, além de abranger esses dois tópicos, possui um caráter mais nobre e politicamente mais efetivo, por preocupar-se antes de mais nada com a formação do leitor. E formar o leitor é cuidar da educação formal, é pensar no professor como agente de mudança. É saber que não há possibilidade de existência do escritor e portanto do livro, se não houver antes o leitor. Por isso, a festa de congraçamento entre leitor, escritor e livro, que ocorre em alguns dias, é apenas o coroamento do trabalho que leva anos. Não é à toa que a cidade e a região de Passo Fundo, após 25 anos de atividades, ostenta um dos índices mais altos de leitura do país.
 
ATNesse momento preciso, há uma forte intermediação dos meios de internet na difusão literária - sites, blogs, revistas virtuais - como você vê o futuro do livro, os mecanismos de difusão do livro-papel frente às novas proposições, que aparentemente são múltiplas experimentações ainda não muito bem definidas?


LR: Acho que a internet vai se transformar num grande estimulador da sobre-existência do livro. As pessoas, que por conta do telefone, haviam se desinteressado da escrita, agora voltam a enfrentar as palavras. E, se é verdade que muita forma de literatura pode ser transportada com ganhos para as páginas virtuais da internet (principalmente aquelas ligadas à divulgação e vulgarização do conhecimento), o livro destinado à leitura reflexiva vem ampliando mercado. As pessoas sabem que a virtualidade é efêmera e querem a eternidade. E a eternidade - ainda que transitória... - consegue-se com o livro-papel... 
 
ATNo processo de urbanização, de pós-industrialização e nas mudanças avassaladoras de comportamento mais recentes, objetos e profissões simplesmente evaporaram (exemplos: a máquina de escrever e a datilografia com método) - como você vê o futuro da profissão de escritor?


LR: Acho que a tendência é, à medida em que conseguirmos formular uma política pública de educação formal de qualidade, ampliarmos o espaço destinado à reflexão. E o papel do escritor deve se fortalecer e a possibilidade de profissionalização deve ser solidificada.

 

Entrevista concedida por Luiz Ruffato a ARdoTEmpo em junho 2008.

publicado por ardotempo às 23:43 | Comentar | Ler Comentários (5) | Adicionar

O blog fundamental

O blog imprescindível, no qual se deve passar sempre, ler as opiniões, buscar as informações, refletir em comunhão, analisar as excelentes critícas literárias, acompanhar a eleição e a pirueta estética, é o blog Da Literatura, bem editado e bem pensado por Eduardo Pitta e João Paulo Sousa.

 

Ao blog, fundamental, e aos seus editores a minha saudação.

 

 

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publicado por ardotempo às 19:47 | Comentar | Adicionar

Escultura de JEAN DUBUFFET

 

 

Jean Dubuffet - "Monument au fantome" - Escultura pública de grande formato, em fibra de vidro, policromada, 1977 - Colocada no Discovery Green Park, em 2008 Houston USA

publicado por ardotempo às 19:23 | Comentar | Adicionar

Recital e livro

Ave, Pássaro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acontece neste domingo, 8 de junho, às 17h, o recital Ave, Pássaro, dentro da programação da 21ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. O recital antecede o lançamento do livro de poemas Ave, Pássaro de Cleonice Bourscheid, com ilustrações e imagens de Isolde Bosak. A obra tem apresentação do escritor Charles Kiefer e é composta por delicados poemas que cantam os pássaros do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil.

 

Nas palavras de Kiefer: “O diálogo das ilustrações de Isolde com os poemas de Cleonice é de rara eficiência. Posso dizer que imaginei este livro antes que ele existisse, mas não que fosse resultar num objeto artístico tão belo”.

 

O ciclo de canções sobre os poemas foi composto especialmente para a os poemas do livro pelo compositor Fernando Mattos. Na segunda parte do programa serão apresentadas canções de compositores brasileiros.

 

Recital Ave, Pássaro - Voz: Deisi Coccaro e Clarice Bourscheid - Violão: Fernando Mattos - Piano: Elda Pires - Às 17h horas, na Praça Getúlio Vargas, Santa Cruz do Sul - RS

Imagem: Pintura, aquarela de Isolde Bosak, 2007

publicado por ardotempo às 19:09 | Comentar | Adicionar

Aforismo Borgesiano - 23

Agora

 


 

O agora passa muito rápido.

 

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina 

Foto recente da devastação em curso na floresta amazônica, Brasil - 2008

publicado por ardotempo às 02:33 | Comentar | Ler Comentários (2) | Adicionar

Corrupção genética

No Brasil, a corrupção é tamanha que ninguém mais liga, virou coisa corriqueira, ainda não possui os métodos sistematizados de ensino nas escolas mas falta bem pouco para isso; ela faz parte dos instrumentos profissionais dos mais sabidos, dos "vencedores"... É uma forma de neovirtude que cria vínculos sólidos, arranja as confrarias, torna as pessoas mais próximas, mais parceiras, equaciona a seu modo o mercado de trabalho em todos os escalões, públicos e privados. Os honestos, espécimes francamente em extinção, carregam o estigma de pouco confiáveis, obsoletos, cândidos adeptos de práticas árduas e ineficazes, os que "não jogam o jogo" e, portanto, estes estão fora...(ARdoTEmpo)





OS NOVOS CORRUPTOS 


A corrupção entre nós está mudando. Essa é a impressão que tenho. Não me arvoro a entendido no assunto mas, até onde consigo perceber, de alguns anos para cá, a corrupção passou a apresentar características muito especiais. Não diria que ela evoluiu, porque, como se sabe, arte não evolui e, conforme se deduz do célebre livro atribuído ao padre Manuel da Costa, escrito no século 17, há uma arte de furtar, como há uma arte de corromper em que, aliás, como ele já observava, os políticos são mestres.


Não saberia dizer, com segurança, se se rouba mais hoje do que ontem, embora a impressão que se tem, pelo que a mídia noticia, é de que a corrupção aumentou muito. Há, porém, que observar que essa é uma impressão ilusória. Argumenta-se que, atualmente, a Polícia Federal ampliou o combate a esse tipo de crime, decorrendo daí a falsa impressão de que se rouba mais agora do que se roubava antes. Na verdade, segundo aqueles observadores, o que aumentou foi o combate a ela, ou seja, em termos relativos, a roubalheira se mantém a mesma.


Pode ser e pode não ser. São palpites, creio, já que desconheço algum estudo mais aprofundado do tema capaz de nos dizer quanto roubavam os ladrões do passado e quanto roubam os de hoje. Se for verdade que já se roubava, antes, tanto quanto agora, devemos tirar o chapéu aos ladrões de outrora, por conseguirem tão invejáveis resultados com tão pouca tecnologia e muito menos dinheiro. Afirmo isso porque, nada entendendo desse tipo de arte, a intuição me diz que o roubo e a corrupção crescem na razão direta da riqueza produzida, da grana que entra nos cofres públicos, se bem que, em casos extremos, rouba-se até moeda do pires do mendigo, ou seja, mal comparando, de prefeituras do interior que não arrecadam nem o suficiente para pagar o funcionalismo.


Estou convencido de que o cara nasce ladrão, como nasce pianista ou jogador de futebol. Nisso concordo com o mestre Machado, para quem não é a ocasião que faz o ladrão: a ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito. A conclusão é que o Brasil parece tão pródigo em corruptos quanto em craques de futebol. Pena é que aqueles prefiram continuar atuando no país.


Mas, se de fato, como a arte, a corrupção não evolui, apenas muda, cumpre observar que, nestes últimos anos, ela nos tem revelado facetas inusitadas. E isso se deve, justiça seja feita, à indiscutível contribuição do PT, que, como se sabe, nasceu para mudar o Brasil. Se não mudou as relações de propriedade, instaurando o socialismo, inventou pelo menos uma nova maneira de apropriar-se do dinheiro público, ou de fazê-lo impunemente.


A inovação, no entanto, vai além disso, como se viu no caso do mensalão, quando uma complicada rede de transações financeiras e "laranjas" tornou possível ao governo comprar deputados de sua própria base. Na hora em que o escândalo pôs as falcatruas à mostra, os dirigentes petistas - a começar pelo próprio presidente Lula - disseram que não sabiam de nada, ou que eram despesas não-contabilizadas, ou que assinaram um papel sem saber que se tratava de um empréstimo.


Não menos surpreendente foi o episódio do hotel Íbis, em São Paulo, quando a Polícia Federal prendeu, em 2006, dois petistas com R$ 1,7 milhão. O dinheiro era para comprar um dossiê contra José Serra, então candidato a governador. Com essa falcatrua estavam comprometidos desde o presidente do PT até um assessor especial do presidente da República, sem falar em seu churrasqueiro. Donde saíra aquela montanha de dinheiro? Ninguém sabia, nem mesmo - ou, aliás, principalmente - o sujeito que o trouxera na mala. A esse novo tipo de corrupto sem memória, que Lula chamou de aloprado, prefiro chamar mesmo de cara-de-pau.


Nessa mesma linha de neocorrupção, deu-se recentemente o vazamento do dossiê que a Casa Civil da Presidência de República preparara com as despesas do governo FHC. No começo, a Dilma afirmou que não havia dossiê nenhum, enquanto o ministro da Justiça o reduziu à condição de mero conceito. Depois, havia, mas era obra de algum inimigo do governo infiltrado no Planalto. Finalmente, a Polícia Federal descobriu que ele fora elaborado por altos funcionários do governo e que havia sido vazado, nada mais nada menos que pelo senhor José Aparecido Nunes Pires, secretário de Controle Interno da Casa Civil. Provado que o dossiê saíra de seu computador, cuja senha só ele conhece, teve que admitir que o vazara, mas o fizera -vejam vocês- sem saber, sem querer, por simples distração!

 

Ferreira Gullar
Desenho de Saul Steinberg
 

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publicado por ardotempo às 00:05 | Comentar | Ler Comentários (4) | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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