Entrevista: Luiz Ruffato
Luiz Ruffato - Escritor
Luiz Ruffato é um dos escritores brasileiros da nova geração de maior brilho e reconhecimento entre os aficcionados de literatura de alta qualidade, sendo bastante conceituado entre os escritores, os editores, os jornalistas de literatura e o público leitor.
ARdoTempo : Caro Luiz Ruffato: você é um escritor de uma nova geração e já alcança um significativo reconhecimento nacional e até internacional, é evidente que isso é fruto de trabalho e dedicação ao ofício - a pergunta é sobre essa viabilidade e sobre uma certa organização da carreira de escritor - é fácil ser escritor no Brasil?
Luiz Ruffato: Não, é extremamente difícil ser escritor no Brasil, basicamente por não haver ainda um mercado profissional no país. Um mercado faz-se por meio de vários atores: o editor, o escritor, o distribuidor, o livreiro, o jornalista, o leitor. Temos problemas sérios em todas essas pontas. São poucos os pontos de venda, são raros os livreiros (e os vendedores) que conhecem o produto com o qual lidam, a distribuição é precária, o espaço em jornais e revistas para a reflexão sobre o livro é pequeno, os editores (com raras e honrosas exceções) são amadores, o leitor inexiste.
E subsiste a questão do escritor. No Brasil, ainda há uma aura de que quem escreve não pode viver de seu trabalho. Temos uma grande maioria de diletantes, que, por ganharem a vida em outras profissões, mantêm uma relação amadora com o mercado, prejudicando vivamente o seu desenvolvimento. Ainda há, claro, o maior de todos os problemas: a educação formal de qualidade nunca foi uma prioridade dos governantes nacionais. Sem educação, não há qualquer possibilidade de mudança desse quadro.
AT: Fala-se sempre dos escritores de muita mídia e muita venda, alguns que têm colunas em jornais e páginas em semanários, são os escritores "blockbusters" e isso é uma realidade visível, é necessário trilhar esse caminho para ter o reconhecimento literário e de público?
LR: Vivemos na sociedade do espetáculo, onde a palavra de ordem é "visibilidade". É claro que quem tem "visibilidade" tem muito mais chances de fazer sucesso de público. Quanto ao reconhecimento literário, penso que esta assertiva não se aplica. A qualidade literária não depende do julgamento de uma época, mas de sua perenidade no tempo.
AT: A palavra é a sua ferramenta. Agora o mundo literário de língua portuguesa se agita um pouco em razão do Acordo Ortográfico (bem mais em Portugal, é verdade) mas o que você tem dizer a esse respeito uma vez que se trata da matéria-prima com a qual você trabalha?
LR: O Acordo Ortográfico, fruto de uma decisão autoritária, sem qualquer discussão, não muda uma linha nas relações entre os países ditos lusófonos. Nosso distanciamento se dá por conta de não haver nenhuma política pública efetiva de aproximação. Nós desconhecemos totalmente o que hoje se produz culturalmente em Portugal e nos países africanos – e estou dizendo em termos de literatura, música, teatro, artes plásticas etc. Eles ainda conhecem um pouco mais de nós, muito por conta da exportação das novelas e da música brasileiras. O que necessitávamos seria a discussão desapaixonada de uma ação conjunta, que pudesse despertar, efetivamente, o interesse no mundo pela língua e cultura lusófonas.
AT: Você tem transitado pelo Brasil e esteve presente, com grande destaque, na Jornada Literária de Passo Fundo, uma iniciativa que valoriza intensamente a literatura brasileira e o autor nacional de qualidade... O que você comentaria a respeito da Jornada?
LR: A Jornada Literária de Passo Fundo é, sem dúvida alguma, o mais importante acontecimento literário brasileiro, por sua especificidade. Os festivais literários visam o encontro do escritor com o público e as bienais e feiras do livro promovem a comercialização do livro.
A Jornada, além de abranger esses dois tópicos, possui um caráter mais nobre e politicamente mais efetivo, por preocupar-se antes de mais nada com a formação do leitor. E formar o leitor é cuidar da educação formal, é pensar no professor como agente de mudança. É saber que não há possibilidade de existência do escritor e portanto do livro, se não houver antes o leitor. Por isso, a festa de congraçamento entre leitor, escritor e livro, que ocorre em alguns dias, é apenas o coroamento do trabalho que leva anos. Não é à toa que a cidade e a região de Passo Fundo, após 25 anos de atividades, ostenta um dos índices mais altos de leitura do país.
AT: Nesse momento preciso, há uma forte intermediação dos meios de internet na difusão literária - sites, blogs, revistas virtuais - como você vê o futuro do livro, os mecanismos de difusão do livro-papel frente às novas proposições, que aparentemente são múltiplas experimentações ainda não muito bem definidas?
LR: Acho que a internet vai se transformar num grande estimulador da sobre-existência do livro. As pessoas, que por conta do telefone, haviam se desinteressado da escrita, agora voltam a enfrentar as palavras. E, se é verdade que muita forma de literatura pode ser transportada com ganhos para as páginas virtuais da internet (principalmente aquelas ligadas à divulgação e vulgarização do conhecimento), o livro destinado à leitura reflexiva vem ampliando mercado. As pessoas sabem que a virtualidade é efêmera e querem a eternidade. E a eternidade - ainda que transitória... - consegue-se com o livro-papel...
AT: No processo de urbanização, de pós-industrialização e nas mudanças avassaladoras de comportamento mais recentes, objetos e profissões simplesmente evaporaram (exemplos: a máquina de escrever e a datilografia com método) - como você vê o futuro da profissão de escritor?
LR: Acho que a tendência é, à medida em que conseguirmos formular uma política pública de educação formal de qualidade, ampliarmos o espaço destinado à reflexão. E o papel do escritor deve se fortalecer e a possibilidade de profissionalização deve ser solidificada.
Entrevista concedida por Luiz Ruffato a ARdoTEmpo em junho 2008.