Segunda-feira, 05.05.08

Erico Verissimo - por Luis Augusto Fischer

Luís Augusto Fischer e a exceção Erico Verissimo

Entrevista por Miguel Conde (Prosa OnLine)

Toda segunda-feira, o blog publica uma entrevista com
um escritor, editor, acadêmico ou outra figura do universo literário. Hoje, o crítico e professor da UFRGS Luís Augusto Fischer (em foto ao lado) fala sobre o relançamento do romance "O prisioneiro" (Companhia das Letras), de Erico Verissimo. Definido por seu autor como uma alegoria
sobre a estupidez humana, "O prisioneiro" é daquelas exceções que não apenas confirmam a regra, mas também
a tornam mais evidente. No caso, a regra é a timidez da literatura brasileira em tematizar grandes eventos históricos. O relançamento desse romance em que
Verissimo narra o combate de grupos rebeldes contra uma potência invasora no Sudeste Asiático serve de mote para que Fischer reflita sobre a questão. Autor do prefácio da nova edição do livro, ele tenta entender as circunscrições temáticas dos prosadores brasileiros, e os motivos que fizeram de Erico Verissimo uma exceção.


Como você destaca no prefácio, é incomum que um escritor brasileiro trate em sua ficção de situações e assuntos que estejam além das nossas fronteiras. Em sua opinião, por que isso ocorre, e o que fez de Erico Verissimo uma exceção? Na abordagem dele percebe-se algo de um olhar periférico, ou ele realmente escreve como se fosse um escritor "do centro", dos países desenvolvidos?

É algo de excepcional, na geração dele ao menos, por vários e interessantes motivos. Um deles é o complexo de inferioridade que o Brasil tem, no plano letrado, relativamente aos centros intelectuais de prestígio; outro deve ter a ver com o fato de escrevermos numa língua que não circula fora de um mercado muito restrito, acrescido pelo fato de que nossa ex-metrópole é um país muito secundário na Europa, hoje como ontem; outro ainda, conexo com esse, é que a gente pensa pouco sobre o mundo fora do país, em parte pelo nosso entranhado nacionalismo, que tem a ver com o padrão de identidade nacional forjado após a Independência (esse pensar pouco se vê nos jornais, por exemplo). Enfim, vamos longe com o tema. Erico foi uma exceção talvez por duas ordens de motivos: uma de formação pessoal, que para ele o inglês era a língua e a cultura de referência, e nós sabemos que o mundo francês é muito localista, muito mais que o inglês, ao menos; nesse campo, ainda tem o fato de que ele viveu nos EUA por mais de uma temporada, sempre com grande proveito. Para dar uma idéia: entre 44 e 45, ele -- que não tinha nem o curso secundário... -- trabalhou como professor visitante em Berkeley, e aproveitou essa estada para escrever nada menos que uma hístória da literatura brasileria, em inglês, lá publicada em 1945 (no Brasil, foi traduzida em ... 1995!!!). Me diz se há caso passível de analogia no Brasil. Aqui, ele não entraria na Universidade, a não ser para serviços subalternos; lá ele pôde exercitar, como nenhum outro ficcionista de sua geração uma veia crítica cosmopolita. Bem, e tem a segunda ordem de motivos, profissional: ele traduzia profissionalmente do inglês, para a Globo, que era uma grande editora. Encerrando: acho que ele não chega a desenvolver um olhar de tipo periférico, em sentido digamos terceiromundista, mas é certo que não se trata de um escritor que tenha naturalizado o problema, que o tenha esquecido, porque para ele existia sim a questão. Talvez ele tenha se sentido tão à vontade no mundo de língua inglesa que para ele se tornou como que natural pensar as coisas em outra escala, não-nacionalista, como um Graham Greene, como um Joseph Conrad. guardadas as várias diferenças.

Com este livro, Erico Verissimo intervinha num debate político crucial do seu tempo. Como esse engajamento internacional pode ser confrontado com sua participação na vida brasileira?

Creio que os dois níveis estão ligados indissoluvelmente: ele foi tão envolvido em defender a liberdade no Brasil quanto em criticar a falta de liberdade fora daqui. Erico foi uma exceção também neste sentido, em sua geração: não era católico, nem era comunista, quando essas duas posições eram amplamente dominantes no cenário brasileiro (dominantes, se é que não eram as únicas mesmo). Ora, não sendo católico tinha a liberdade de pensar as questões morais com mais amplitude que os católicos; e não sendo comunista pôde discutir a falta de liberdade no Brasil e em toda parte, incluindo os países do Leste europeu. Por isso mesmo ele foi acusado (e acho que boicotado) pelos comunistas de ser americanófilo, foi xingado de liberal; ele se dizia socialista, e creio que nos termos da Europa ele seria um socialdemocrata à moda alemã, ou seria a esquerda da socialdemocracia alemã, ou seria um verde alemão, por aí.

Os méritos que você atribui ao livro em seu texto são principalmente temáticos. Como você qualificaria o livro em si, sua forma, em relação à obra de Erico Verissimo? É um ponto alto, baixo, e por quê?

Eu acho que cheguei e mencionar uma limitação de linguagem narrativa, é a relativa esquematização dos personagens, que de fato existe; mas mesmo isso me parece que tem um ganho no relato, a objetividade (para o leitor não-norte-americano em particular) e a velocidade. "O prisioneiro" não é uma obra-prima, nem é a obra-prima do autor (que é, sem disputa, "O continente", primeira parte de "O tempo e o vento"), mas é um romance correto, do ponto de vista formal, e perfeitamente legível agora, tantos anos depois de ser editado. Talvez uma analogia funcione aqui: é o tipo do romance médio que poderia render um ótimo filme de indagação psicológica, mas deveria ser feito em Hollywood, não na França.

Publicado em Prosa OnLine - O GLOBO - em 05.05.2008
publicado por ardotempo às 19:44 | Comentar | Adicionar

Fotografia de IRVING PENN

Retrato de Saul Steinberg com Máscara de Nariz.






















Irving Penn
- Retrato de Saul Steinberg, Fotografia - 1979
publicado por ardotempo às 17:21 | Comentar | Adicionar

Gastronomia de primeira linha

Da Literatura: BILL BUFORDA Ferver


                         


Não vou tão longe quanto Frank McCourt na previsão de que os leitores de Bill Buford, mesmo tratando-se de pessoas indiferentes à comida, se levantem da cama "com as bochechas coradas e os estômagos a grunhir de fome" após terem lido A Ferver. Entusiasmado com a sua leitura, prefiro ir à procura de outras obras suas, não necessariamente a que dedicou ao holiganismo no futebol, Entre os Vândalos (1990), fenómeno que acompanhou de perto durante muitos anos.

Quem é afinal Bill Buford? Resumindo muito, é o americano que relançou a revista britânica Granta, tal como a conhecemos hoje. Considerada a melhor revista literária de língua inglesa, a Granta existe desde 1889, mas estava falida quando Buford tomou conta dela em 1979, tornando-se seu editor até 1995 (o prestígio da revista é o resultado desses dezasseis anos de gestão). Editor de ficção da New Yorker durante oito anos, Buford acredita que cozinhar e escrever são parte da mesma disciplina.

A Ferver começou no dia em que decidiu fazer o perfil de Mario Batali, prontificando-se a passar catorze meses na cozinha do Babbo, o restaurante de cozinha italiana situado em Waverly Place, no West Village.

Porquê o interesse em Batali? Porque Batali, Pó para os íntimos, proprietário do Babbo e um chefs mais reputados de Nova Iorque, é uma lenda viva da cozinha. Com os seus "calções, os socos, os óculos de sol circulares, o cabelo ruivo apanhado num rabo-de-cavalo", tornou-se um ícone da cidade, rapidamente identificado tanto pelos executivos de Wall Street como pelos fãs dos New York Giants. Sim, o programa de televisão, Mario Molto, ajuda. Buford e Batali são amigos, mas essa relação de cumplicidade não facilitou a vida do escritor.

Na cozinha do Babbo, igual entre iguais (o estatuto de intelectual não comove ninguém), com a desvantagem do principiante mal preparado, Buford teve de aprender tudo a partir do zero. Logo no primeiro dia, às 7 da manhã, Elisa Sarno, chefe da “preparação” — as cozinhas destes restaurantes são como linhas de montagem —, perguntou rispidamente: "Onde puseste as tuas facas?" Ele não queria acreditar: "É suposto eu ter facas?" Era. Elisa não admitia amadores. Nos Estados Unidos há 229 escolas de cozinha credenciadas, que formam por ano 25 mil profissionais. As mais caras cobram 20 mil dólares de propina por ano (o curso dura quatro) e, no último, é preciso fazer um estágio não remunerado num restaurante. A tese é obrigatória para obtenção do diploma. Buford foi aceite na cozinha do Babbo a título excepcional. No primeiro dia, Elisa pô-lo a aprender a desmanchar animais.

O livro faz a síntese entre o calvário de Buford (contrariamente à tradução portuguesa, que tem como subtítulo Aventuras e desventuras de um cozinheiro amador, o original refere expressamente as aventuras de um “escravo de cozinha”...) e a biografia de Batali, que nasceu em 1960 num subúrbio de Seattle, filho de mãe canadiana e pai italiano, funcionário da Boeing. Aos 15 anos, Batali foi com a família viver para Espanha, e mergulhou fundo na movida de Madrid. De regresso aos Estados Unidos, para frequentar a universidade, depressa foi parar, embora não pelas melhores razões, à cozinha de uma pizzaria de New Jersey, o Stuff Yer Face. O mais engraçado é que a mãe lhe recomendara um curso superior de culinária (mas ele preferiu especializar-se em gestão de empresas e em teatro espanhol), sugestão que Batali recusou, por abichanada. A partir da pizzaria nunca mais parou. Fez um tirocínio em Londres, num obscuro pub de King’s Road, o Six Bells, entrando como “escravo” de Marco Pierre White, hoje um dos chefs mais influentes do Reino Unido. À época eram ambos jovens, embora White fosse já um profissional reconhecido, "basicamente analfabeto mas, por ser tão intuitivo e físico [...] conseguia fazer com a comida coisas que jamais alguém fizera." Os dois eram muito diferentes: Batali tinha umas grandes barrigas das pernas, enquanto White era perfeito como uma escultura, com ombros largos e cintura estreita. Mas foi com White que Batali aprendeu "as virtudes da apresentação, da velocidade, da perseverança e de uma cozinha forte e musculada", aprendendo ao mesmo tempo a odiar o paradigma da cozinha francesa.

Ao pub de Chelsea seguiu-se um tour pelos grandes restaurantes europeus. O resto é história. A sua passagem pelo Clift e pelo Stars, ambos de São Francisco, coincidiu com a revolução californiana, esse "momento pós-moderno na alimentação", quando um pedaço de comida, "uma ponta de espargo [não era] um mero vegetal verde mas um problema de grande premência  — um manuscrito de Milton, ou de Susan Sontag." Nesses anos em que o jantar se tinha tornado "uma questão intelectual", Batali exorbitou, provando ser possível fazer uma grande refeição a partir de um naco de foie-gras e de uma "redução doce e avinagrada de laranjada Nehi e rebuçados Starbust de fruta". Assim se tornou, aos 27 anos, o chef mais bem pago da América.

É praticamente impossível descrever as mil peripécias da aprendizagem de Buford (a qual incluiu uma viagem à Toscana para aprender os segredos da pasta), os seus momentos de tensão, humor e júbilo, os mexericos, as duras regras que teve de vencer para passar de escritor a cozinheiro. E tudo isto apesar de não considerar o Babbo o melhor restaurante italiano de Nova Iorque... lugar que reserva ao Beppe, no n.º 45 East da 22.ª rua (mas esta informação não consta do livro).

Absolutamente visceral.


                                    

                                          
Publicado no blog Da Literatura – em 02.05.2008
Fotos de Mauro Holanda
publicado por ardotempo às 14:17 | Comentar | Adicionar

Aforismo Borgesiano - 18

Memória
















Nosso passado não é o que se pode registrar numa biografia,
nosso passado é a nossa memória.
Pode ser uma memória latente ou cheia de equívocos mas isso não importa: ali está.

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina
publicado por ardotempo às 11:57 | Comentar | Adicionar

Memória dos gestos, futuros.

Memória


                         


Leonard Cohen canta The Future. Veja aqui    
                    
publicado por ardotempo às 01:54 | Comentar | Adicionar

Caipirinha Clássica

Receita Clássica (com dois segredos) do mestre Mauro Holanda


                                                     

Ingredientes:

40 ml de aguardente (cachaça mineira), ou de vodka (russa, polonesa ou sueca)
1 limão médio cortado em quatro fatias pelo seu eixo central
- o limão pode ser tahiti (verde) ou siciliano (amarelo)
2 colheres médias de açúcar
gelo picado ou em cubos pequenos

1º segredo: retire o miolo central das quatro fatias do limão.

Num copo grande e de boca larga, colocar açúcar e o limão cuidando para a que
as cascas fiquem voltadas para parte inferior do copo e os gomos da fruta
para cima
- 2º segredo.
Pressionar muito suavemente com o amassador, sem esmagar as cascas (isso evitará excessiva liberação do amargor das cascas - permitindo um resultado mais
equilibrado e sutil)
Acrescentar a cachaça (ou a vodka) e o gelo.
Mexer bem no próprio copo.
Servir com o mexedor.

© Mauro Holanda
Foto de Mauro Holanda
publicado por ardotempo às 00:21 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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