Sábado, 31.05.08

A forma da leveza

Texto do escritor e crítico João Paulo Sousa - Da Literatura
 
Catorze anos depois da morte do importante pintor brasileiro, abre hoje as portas ao público, em Porto Alegre, o edifício concebido por Álvaro Siza Vieira para albergar a Fundação Iberê Camargo e preservar o vasto acervo do artista, constituído por pinturas, desenhos, gravuras e documentos. Consciente da importância do acontecimento, o jornal Público colocava ontem o assunto nas páginas 2 e 3 da sua edição em papel, com uma entrevista ao arquitecto português, uma breve reportagem sobre as reacções ao edifício, que conquistou o Leão de Ouro na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2002, e a crítica especializada de Ana Vaz Milheiro. Segundo ela, Siza, que deixa no sul do Brasil uma obra­‑prima, "intromete­‑se num dos mitos fundadores da nação brasileira: a antropofagia"; tal ficará a dever­‑se ao facto de ele, em parte por apoiar­‑se em Lina Bo Bardi "para desenhar os tubos exteriores que assinalam a imagem de marca do edifício", poder "colocar os brasileiros a falar sobre o sentido das suas tradições modernas e de como estas podem ser apropriadas na contemporaneidade, e de fazê­‑lo numa perspectiva provocadora".
 

As imagens que já tive ocasião de ver do novo museu, nomeadamente no ARdoTEmpo (aqui e aqui), justificam a sua aproximação à ideia de escultura. A forma, que parece surgir do chão, numa espécie de crescendo, é simultaneamente leve e dinâmica, com o betão branco das paredes a irradiar calor e a proporcionar tranquilidade. Têm, a partir de agora, mais razões para sair à rua os cidadãos de Porto Alegre.

Na entrevista que concedeu a Nuno Amaral, no Público, Siza queixa­‑se do abandono a que algumas das suas obras têm sido votadas no nosso país, citando o caso do Pavilhão de Portugal, em Lisboa, junto ao Tejo, entregue a um esquecimento deprimente, depois do vultuoso investimento financeiro que representou. Por outro lado, os insultos que, por causa da renovação da Avenida dos Aliados, no Porto, lhe foram lançados, e de que ele se queixa justificadamente, servem para reforçar o seu desagrado quanto à possibilidade de continuar a trabalhar por cá, o que ele, felizmente, ainda não deixou de fazer. Se há quem, perdido no gosto pelos canteiros ornamentais (o que talvez se pudesse curar com uma leitura atenta de Adolf Loos), aparenta dificuldade em compreender a linguagem tão clara e luminosa de Siza, outros refugiam­‑se na ignorante afirmação de que "as coisas sempre foram assim e não é agora que devem mudar" para se oporem a qualquer tipo de transformação, embora, decorridos alguns anos, já se tenham esquecido do que antes haviam afirmado e estejam então disponíveis para defenderem o edifício ou o espaço a que entretanto se habituaram. Talvez essas incongruências pudessem ser evitadas se os seus responsáveis não se empenhassem tanto em ter opiniões sobre tudo, uma vez que isso acaba por ser o equivalente a não se ter opinião sobre nada.
 

João Paulo Sousa - publicado no blog Da Literatura   - 31.05.2008

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Homenagem ao arquiteto Álvaro Siza

Fundação Iberê Camargo

 

 

Inaugurou-se no dia 30 de maio de 2008, em Porto Alegre, RS o mais espetacular e atualizado museu do Sul do Brasil, criação concebida pelo genial arquiteto português Álvaro Siza. A obra, de beleza plástica singular, provavelmente se transformará em breve no símbolo iconográfico da cidade, caracterizando-a assim por estar intensamente voltada às Artes (plásticas, literárias, teatrais, visuais e musicais) e à contemporaneidade (sede da Bienal do Mercosul, sede de um movimento literário bem organizado e atuante em Porto Alegre e nas atividades constantes em produção criativa de cinema e de teatro).

 

Ao arquiteto Álvaro Siza a nossa melhor saudação. Veja o vídeo da Fundação

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Sexta-feira, 30.05.08

MARCOS MAGALDI

Fotografia

 

                             

 

Marcos Magaldi - A Cisterna de Istanbul, 2000

publicado por ardotempo às 18:53 | Comentar | Adicionar

Poesia

 

 

 

 

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 


Vinicius de Moraes

 

 

Poema de Vinicíus de Moraes

Fotografia de Robert Mapplethorpe

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Pintura de IBERÊ CAMARGO

Pintura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Iberê Camargo - Figura em Tensão, óleo sobre tela, 1969 

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1obraX1frase - 03

 


 

  

 

 

 

 

"As sombras dão corpo ao mundo."

 

EMMANUEL TUGNY

 

 

© Emmanuel Tugny, Éditions Léo Scheer, Paris. 2008

Instalação de Juan Muñoz - "Many Times" - 100 esculturas em resina, em tamanho natural, 1999 - Museo Guggenheim Bilbao 2008

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Quinta-feira, 29.05.08

Aforismo Borgesiano - 22

Tempo

 

Nossa substância é o tempo, estamos feitos de tempo.

Apesar de que, em todos os casos, o tempo seja mais real do que nós mesmos.

 

                      

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina 

Fotografia de Mário Castello

publicado por ardotempo às 20:31 | Comentar | Adicionar

Justiça Cinematográfica

As delongas


O cinema americano nos acostumou mal. Bastou a primeira briga no pátio da escola para descobrirmos que soco de verdade não era como soco em filme. Não produzia o mesmo ruído e a mão de quem batia sofria tanto quanto a cara de quem apanhava. Das brigas a soco do cinema, aquelas de demolir saloon, ninguém saía com mais do que alguns hematomas, que duas cenas depois já tinham desaparecido, e os punhos ficavam intactos. Nunca se viu uma luxação em filme americano.

Outra convenção do cinema desmentida pela realidade era que um golpe atrás da cabeça nocauteava qualquer um. Não falhava. Pop, e o cara ficava inconsciente pelo tempo necessário. Todo o mundo sabia exatamente onde, e com que grau de força, bater para obter o resultado desejado, em vez de matar ou apenas enfurecer.

Mas a expectativa mais irreal que o cinema americano nos legou foi a da justiça rápida. Não nos conformamos com a idéia de que o julgamento e a sentença não sigam o crime com a rapidez que se vê nos filmes, e atribuímos a demora à nossa condição de povo atrasado, dado a formalismos anacrônicos da diferença entre um paramentado tribunal brasileiro e um despojado tribunal americano — ou pelo menos um tribunal americano de cinema — só acentua.

 

                     

 
A impaciência com a morosidade da Justiça é compreensível mas nem sempre cabe. A demora não é uma peculiaridade brasileira, e é antiga. Hamlet, no seu famoso solilóquio, já listava entre as razões para se suicidar "the law's delay", as delongas da lei. E as instâncias e as idas e vindas de um processo judicial existem para prevenir o erro, proteger do arbítrio e garantir os direitos de todos até o último recurso — pelo menos em tese — por mais que exasperem, nós e o Hamlet, e por mais que favoreçam firulas de advogado e a absolvição pelo esquecimento.

E se serve de consolo: a Justiça americana, além de também não ser de cinema, peca tanto pela ausência de trâmites quanto a nossa pelo excesso. Com o agravante que lá erros judiciais muitas vezes não recorridos podem resultar em sentenças de morte.

Enfim, há delongas e delongas. São sintomas de um sistema judicial esclerosado, mas também são o que nos protege de uma justiça, digamos, cinematográfica demais.

 

Luis Fernando Verissimo

Desenho de Saul Steinberg

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Gravura de ZORAN MUSIC

Dachau

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Zoran Music - " Nós não somos os últimos", Gravura em metal, 1970

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Um blog


 

 

BLU 

 

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Quarta-feira, 28.05.08

Fora da ordem

Arthur Bispo do Rosário

 

 

Sandálias e Peneiras - Arthur Bispo do Rosário, objeto escultório, s/data

 

Arthur Bispo do Rosário - Considerado louco por alguns e gênio por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil. A sua história liga-se também à da Colônia Juliano Moreira, instituição criada no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, destinada a abrigar aqueles classificados como anormais ou indesejáveis (negros, pobres, alcóolatras e desviantes das mais diversas espécies). - Wikipedia

 

Caetano Veloso canta Fora da ordem. Veja aqui

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Mãos da terra - 12

Boneca

 

 

 

Peça de artesanato, figura conhecida como Boneca, realizada em cerâmica pintada com pigmentos naturais, procedente do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, da série  de figuras características, originariamente concebidas por Dona Isabel (Isabel Mendes da Cunha) - bonequeira célebre do Jequitinhonha (imagem abaixo).

 


 

 

 

 

 

 

 

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro

publicado por ardotempo às 14:12 | Comentar | Adicionar

Esculturas de EMANOEL ARAÚJO

Relevos

 

 

 

 

 

 

 

Emanoel Araújo - Relevos escultóricos em madeira, pintados em branco, 2000

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Terça-feira, 27.05.08

1obraX1frase - 02

 


 

 

 

  

 

        

 

 

"Finalmente eu perdi a cabeça!"

 

EMMANUEL TUGNY

 

 

© Emmanuel Tugny, Éditions Léo Scheer, Paris. 2008

Cocar Caiapó - Arte Plumária Indígena (Brasil)

 

publicado por ardotempo às 20:51 | Comentar | Adicionar

David HOCKNEY

Pintura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

David Hockney - Meu Jardim em L.A. - Pintura, óleo sobre tela, 2000

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publicado por ardotempo às 20:38 | Comentar | Adicionar

Moderno no limite

 

Retrospectiva do artista Iberê Camargo, na mostra comemorativa de inauguração da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.

Curadoria: Mônica Zielinsky, Paulo Sérgio Duarte e Sônia Salzstein

De 31 de maio a 31 de agosto de 2008

 

Fundação Iberê Camargo

Avenida Padre Cacique, nº 2.000

Porto Alegre RS Brasil

 

publicado por ardotempo às 13:46 | Comentar | Adicionar

Atribuição e afirmativa

Atribui-se a Michelângelo o comentário, barroco, ao observar vários pedaços em grandes volumes de mármore amontoados em Carrara, de que neles já antevia em seu interior cada uma das figuras, com seus gestos formidáveis e em movimentos petrificados, cabendo a ele apenas a árdua tarefa de retirar o excesso de material para libertar cada uma das imagens...

 

                     

 

António Lobo Antunes escreve: "Se abrir a torneira ouvirei o ruído do mar? Em pequeno, na cama, as ondas chegavam até mim, uma após outra, misturadas com o vento nos pinheiros e o imenso mistério da vida. Escutava-as na certeza de ser feliz e eterno. Amanhecia e o mar calava-se. Via-o da janela no mesmo sítio, em silêncio, ele que no escuro encostava a cabeça aos caixilhos para me ver dormir e me seguia com aqueles olhos que o mar tem, ao mesmo tempo zangados e cheios de lágrimas e, no corredor da casa, os passos da insónia, tac, tac, tac."

Mudo de posição na cadeira, e pergunto

 

     "– Como é que se faz um livro?

 

     porque continuo sem saber como se faz um livro. Não me acho capaz de explicar como fiz os que até agora se publicaram, o que lembro melhor é o esforço enorme e, por vezes, mais raramente, uma alegria indizível. Ainda existirá algum em mim?"

 

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Segunda-feira, 26.05.08

Carta (de São Paulo)

Carta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARTA - Alfredo Aquino, Pintura - Óleo sobre tela, 2003

 

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publicado por ardotempo às 22:01 | Comentar | Adicionar

1obraX1frase - 01

 


 

Toda a semana será selecionada a imagem de uma obra de arte (uma pintura, uma escultura, uma fotografia, um desenho, uma gravura, uma expressão artística reconhecível como tal) e enviada ao escritor Emmanuel Tugny (Éditions Léo Scheer, Paris) que fará um comentário sintético, numa única frase sobre o tema proposto.

 

 

  

 

 

"Tudo é morte, exceto a mão que se abre e fecha".

 

EMMANUEL TUGNY

 

 

© Emmanuel Tugny, Éditions Léo Scheer, Paris. 2008

Foto de Mário Castello - O cozinheiro e seu livro (Harry Potter), 2008 

 

publicado por ardotempo às 17:52 | Comentar | Adicionar

Sonhar em casa

Texto de MIA COUTO

Eu venho de muito longe e trago aquilo que eu acredito ser uma mensagem partilhada pelos meus colegas escritores de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. A mensagem é a seguinte: Jorge Amado foi o escritor que maior influência teve na génese da literatura dos países africanos que falam português.

A nossa dívida literária com o Brasil começa há séculos atrás, quando Gregório de Mattos e Tomaz Gonzaga ajudaram a criar os primeiros núcleos literários em Angola e Moçambique. Mas esses níveis de influência foram restritos e não se podem comparar com as marcas profundas e duradouras deixadas pelo autor baiano.

Deve ser dito, (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projecção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuízar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura. Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia. Para Alberto Costa e Silva vai o nosso agradecimento pelo empenho sério no estudo da realidade histórica do nosso continente.

Nas décadas de 50, 60 e 70, os livros de Jorge cruzaram o Atlântico e causaram um impacto extraordinário no nosso imaginário colectivo. É preciso dizer que o escritor baiano não viajava sozinho: com ele chegavam Manuel Bandeira, Lins do Rego, Jorge de Lima, Erico Veríssimo, Raquel de Queiroz, Drummond de Andrade, João Cabral Melo e Neto e tantos, tantos outros.

Em minha casa, meu pai - que era e é poeta - deu o nome de Jorge a um filho e de Amado a um outro. Apenas eu escapei dessa nomeação referencial. Recordo que, na minha família, a paixão brasileira se repartia entre Graciliano Ramos e Jorge Amado. Mas não havia disputa: Graciliano revelava o osso e a pedra da nação brasileira. Amado exaltava a carne e a festa desse mesmo Brasil.

Neste breve depoimento eu gostaria de viajar em redor da seguinte interrogação: porquê este absoluto fascínio por Jorge Amado, porquê esta adesão imediata e duradoura?

É sobre algumas dessas razões do amor por Amado que eu gostaria de falar aqui.

É evidente que a primeira razão é literária, e reside inteiramente na qualidade do texto de escritor baiano.

Eu tenho para mim que o maior inimigo do escritor pode ser a própria literatura. Pior que não escrever um livro, é escrevê-lo demasiadamente. Jorge Amado soube tratar a literatura na dose certa,  e soube permanecer, para além do texto, um exímio contador de histórias e um notável criador de personagens. Recordo o espanto de Adélia Prado que, após a edição dos seus primeiros versos confessou "eu fiz um livro e, meu Deus, não perdi a poesia..." Também Jorge escreveu sem deixar nunca de ser um poeta do romance. Este era um dos  segredos do seu fascínio: a sua artificiosa naturalidade, a sua elaborada espontaneidade.

Hoje, ao reler os seus livros, ressalta esse tom de conversa intíma, uma conversa à sombra de uma varanda que começa em Salvador da Baía e se estende para além do Atlântico. Nesse narrar fluído e espreguiçado, Jorge vai desfiando prosa e os seus  personagens saltam da página para a nossa vida quotidiana.

O escritor Gabriel Mariano de Cabo Verde escreveu o seguinte:
"Para mim a descoberta de Amado foi um alumbramento porque eu lia os seus livros e estava a ver a minha terra. E quando encontrei o Quincas Berro d'Água eu estava a vê-lo na Ilha de São Vicente, na minha rua de Passá Sabe."

Esta familiaridade existencial foi, certamente, um dos motivos do fascínio nos nossos países. Os seus personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da nossa própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com as nossas raças passseavam pelas páginas do autor brasileiro. Ali estavam os nossos malandros,  ali estavam os terreiros onde falamos com os deuses, ali estava o cheiro da nossa comida, ali estava a sensualidade e o perfume das nossas mulheres. No fundo, Jorge Amado nos fazia regressar a nós mesmos.

Em Angola, o poeta Mario António e o cantor Ruy Mingas compuseram uma canção que dizia:

Quando li Jubiabá
me acreditei Antônio Balduíno.
Meu Primo, que nunca o leu
ficou Zeca Camarão.


E era esse o sentimento: António Balduino já morava em Maputo e em Luanda antes de viver como personagem literário. O mesmo sucedia com Vadinho, com Guma, com Pedro Bala, com Tieta, com Dona Flor e Gabriela e com tantos os outros fantásticos personagens.

Jorge não escrevia livros, ele escrevia um país. E não era apenas um autor que nos chegava. Era um Brasil todo inteiro que regressava a África. Havia pois uma outra nação que era longínqua mas não nos era exterior. E nós precisávamos desse Brasil como quem carece de um sonho que nunca antes souberamos ter. Podia ser um Brasil tipificado e mistificado mas era um espaço mágico onde nos renasciamos criadores de histórias e produtores de felicidade.

Descobríamos essa nação num momento histórico em que nos faltava ser nação. O Brasil - tão cheio de África, tão cheio da nossa língua e da nossa religiosidade - nos entregava essa margem que nos faltava para sermos rio.

Falei de razões literárias e outras quase ontológicas que ajudam a explicar porque Jorge é tão Amado nos países africanos. Mas existem outros motivos, talvez mais circunstânciais.

Nós vivíamos sob um regime de ditadura colonial. As obras de Jorge Amado eram objecto de interdição. Livrarias foram fechadas e editores foram perseguidos por divulgarem essas obras. O encontro com o nosso irmão brasileiro surgia, pois, com épico sabor da afronta e da clandestinidade.

A circunstância de partilharmos os mesmos subterrâneos da liberdade também contribuiu para a mística da escrita e do escritor. O angolano Luandino Vieira, que foi condenado a 14 anos de prisão no Campo de Concentração do Tarrafal, em 1964  fez passar para além das grades uma carta em que pedia o seguinte:

" Enviem o meu manuscrito ao Jorge Amado para ver se ele consegue publicar lá, no Brasil..."

Na realidade, os poetas nacionalistas moçambicanos e angolanos ergueram Amado como uma bandeira. Há um poema da nossa Noémia de Sousa que se chama Poema de João, escrito em 1949 e que começa assim:

João era jovem como nós
João tinha os olhos despertos,
As mãos estendidas para a frente,
A cabeça projectada para amanhã,
João amava os livros que tinham alma e carne
João amava a poesia de Jorge Amado

E há, ainda, uma outra razão que poderíamos chamar de linguistica. No outro lado do mundo, se revelava a possibilidade de um outro lado da nossa língua.

Na altura, nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falavamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.

O poeta maior de Moçambique, José Craveirinha, disse o seguinte numa entrevista:

"Eu devia ter nascido no Brasil. Porque o Brasil teve uma  influência tão grande que, em menino eu cheguei a jogar futebol com o Fausto, o Leonidas da Silva, o Pelé. Mas nós éramos obrigados a passar pelos autores clássicos de Portugal. Numa dada  altura, porém, nós nos libertámos com ajuda dos brasileiros. E toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura Brasileira. Quando chegou o Jorge Amado, então,  nós tínhamos chegado a nossa própria casa."

Craveirinha falava dessa grande dádiva que é podermos sonhar em casa e fazer do sonho uma casa. Foi isso que Jorge Amado nos deu. E foi isso que fez Amado ser nosso, africano, e nos fez, a nós, sermos brasileiros. Por ter convertido o Brasil numa casa feita para sonhar, por ter convertido a sua vida em infinitas vidas, nós te agradecemos companheiro Jorge

© Mia Couto, 2008
Emanoel Araújo - Relevo escultórico em madeira pintada em branco, 2000

 


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Domingo, 25.05.08

Aforismo Borgesiano - 21

Atores

 

                               

 

A profissão do ator consiste em fingir que é outro, perante uma platéia que finge acreditar.

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina  

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Mãos da terra - 11

Figuras de Reisado

 

 

Peças de artesanato, figuras de folclore e de festas populares, em madeira entalhada e pintada

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro

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Desenho de GRACIA BARRIOS

Cabeças

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenho com tinta-china - Cabeças - Gracia Barrios, 2004

 

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Sábado, 24.05.08

Entre o desejo e o real

A Fenda - de Alfredo Aquino, Iluminuras, 2007

 

Crítica literária de João Paulo Sousa - Da Literatura

 

Publicado no Brasil em 2007, por mão da editora Iluminuras, A Fenda é o primeiro livro de ficção literária do artista plástico Alfredo Aquino. Trata­‑se de uma reunião de contos de tamanho diverso, unidos, entre outras características, pela presença do que Genette designou como narrador heterodiegético, isto é, aquele que relata uma história na qual não se integrou como personagem. Tal não o impede, porém, de apresentar uma focalização quase sempre construída a partir de um dos intervenientes na acção, embora o grau de conhecimento não se mantenha idêntico ao longo de cada conto. A essa subtil oscilação entre aquilo que a personagem sabe e aquilo que é conhecido pelo narrador fica a dever­‑se um pouco da sensação de estranheza que marca a leitura destes contos. Mais do que sequências narrativas marcadas pelo desenrolar da acção, eles apresentam­‑se como fragmentos das histórias dos protagonistas, cujos passados nos são dados a entrever.

 

Em matéria de futuro, tudo permanece mais aberto, até porque a interrupção ou a suspensão da narrativa, sem o desenlace mais ou menos clássico, muitas vezes até sem ultrapassar a apresentação do problema que aflige a personagem principal, é outro dos traços distintivos destas ficções que contribui para o já referido estranhamento. É no limite anterior à inverosimilhança que a escrita de Alfredo Aquino se detém, conseguindo criar o efeito de perplexidade em relação ao que acontece às suas figuras por mérito de uma hábil capacidade em fundir o sonho e o desejo com o real concreto e quotidiano.

 

Tudo  se passa como se houvesse uma fenda entre esses dois domínios, uma fenda de que as personagens se servem para transitar discretamente entre um espaço mental e o outro, como, por exemplo, acontece com Bernardo, o protagonista de "A Caverna":

 

"Uma única vez, numa noite fria de inverno, em casa e a sós, ele lembrou a ela aquela sensação ancestral que tivera, desenvolvendo a idéia da caverna deslocada no tempo e fincada naquele corredor. Ouvindo seu argumento, Carolina olhou­‑o fixamente do fundo azul de seus olhos, em silêncio absoluto, durante vários minutos, sem nenhum sorriso. Bernardo teve então uma nova sensação, estranha e desconhecida, dando­‑se conta do magnetismo indomável daquele olhar tremendo e predador, de grande felino, e, pela primeira vez, da sua assombrosa semelhança com um outro olhar, presente de maneira errática em sua memória, similarmente azul, grave e milenar, o de uma gata siamesa que convivera com ele e com seu trabalho durante um período de dezoito anos, até a morte do pequeno animal" (p. 29).


A passagem entre os dois planos opera­‑se à vista do leitor, através de uma sintaxe moderadamente regular, afastada de qualquer propósito de torção da linguagem, que, no entanto, não rejeita a tensão decorrente da disponibilidade para alongar a frase, por meio de orações subordinadas, sempre que tal é solicitado pela complexidade da narração. Torna­‑se perceptível, nestes contos, um prazer em trabalhar as palavras que incita à valorização do discurso do narrador sobre as falas das personagens, quase residuais, a maior parte das vezes transformadas em intervenções solitárias, desligadas das do outro interveniente, ou na expressão fragmentária de um monólogo interior. O resultado é uma espécie de clareza meridional da língua, mesmo em momentos que não pareceriam especialmente adequados a essa limpidez discursiva, como se verifica no conto "Baratas Voam dos Cemitérios":

 

"Durante uma recepção para vários convidados, entre os quais o sr. Albumina era dos presentes, numa mansão em estilo neocolonial brasileiro, plantada com elegância entre jardins nas encostas do bairro Pacaembu, aconteceu um fenômeno aterrorizante. A casa repentinamente fora tomada por milhares de baratas que a atravessaram em alta velocidade, como se fosse uma enchente vermelha. As baratas vieram pelo chão e pelo ar, voando através das janelas e correndo pelos pisos de tábuas e mármore, desesperadas e dirigindo­‑se todas numa mesma direcção, o rumo norte, como se seguissem uma bússola interna. O pânico instalou­‑se entre os convidados que gritavam e escalavam cadeiras, mesas e escadarias. As baratas subiram pelas pernas das mulheres, enredaram­‑se pelas cortinas. E aquelas que não ficaram aprisionadas por qualquer razão naquele local, desapareceram como por encanto, nos próximos minutos, seguindo um destino aparentemente programado" (p. 71).

 

Publicado no blog Da Literatura - em 23.05.2008

publicado por ardotempo às 20:38 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 23.05.08

O cais e o rio

Fotografia

 

                         

 

Fotografia de Mário Castello

 

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Vai uma pinguinha aí?

Crônica de Mauro Holanda

 

 

                               

Se há alguns anos atrás alguém falasse que passou a noite anterior tomando pinga, o cidadão seria digno de pena, tratado como um perdedor, pinguço, fim de carreira e todas as piores coisas que você pode imaginar. Já, se o nosso amigo estivesse lambendo a sarjeta porque encheu a cara de uísque (podia até ser do ruim) ele estaria apenas passando por problemas sérios na vida, precisando de um braço amigo...


Hoje tudo mudou! Cachaça, pinga, marvada ou, seja lá como você preferir chamar virou coisa de bacana. Quantas vezes alguém chegou em sua casa com uma descoberta do interior de Minas?


O maior problema é que ninguém conhece o que vem a ser uma cachaça da boa, já que todos nós somos iniciantes na degustação da branquinha. Isto contribui para que cachaça vagabunda venha sendo vendida como bebida de luxo ou da moda.

 

Os bares da cidade estão cheios de rótulos com nomes exóticos provenientes de lugares que você nem imagina onde ficam. È mais fácil pensar que o uísque vem da Escócia ou do Kentucky, lugares civilizados e limpinhos.


Como hoje tudo mudou é preciso entender que a roça... também é bacana.


Lembra daquela galinha caipira no sítio do avô ou do tio na interior? Não era bom?


Cachaça artesanal é igual. São pequenos produtores espalhados pelo interior que produzem milhares de garrafas em instalações no geral modestas e, hoje, até limpas. O Brasil produz cachaça desde sempre. No começo era subproduto do açúcar, depois ganhou valor, uma vez que os impostos pagos para beber a bagaceira (destilado de cascas de uva importado de Portugal) eram altos. Ficava mais barato e mais fácil encher a cara com a cachaça mesmo.


Em determinado momento da nossa história ela chegou a ser trocada por escravos na África. Nesta época já existiam Engenhos especializados em cachaça, especialmente em Parati.


Desse importante porto colonial a danada seguia viagem para a África ou para as minas das Gerais. Viajava em lombo de mula em grandes tonéis. Lá ficava guardada esperando para ser consumida e, conseqüentemente, envelhecia. Nascia a cachaça envelhecida.


Com a queda da exploração do ouro, os mineiros passaram a produzir a bebida, coisa que até hoje fazem com mestria, especialmente no Norte do estado. É de Januária, a beira do Rio São Francisco, e de Salinas, um pouco mais ao norte que saem algumas das mais notáveis cachaças do País. Lá o clima é perfeito, a terra é boa para o cultivo e a turma trata a cachaça com todo amor que merece este patrimônio regional. Todas as cachaças de lá passam pelo menos dois anos em tonéis de várias madeiras descansando. São várias as qualidades de madeira; bálsamo, umburana, jequitibá rosa, carvalho, amendoim, ipê amarelo, etc.. Cada madeira imprime um aroma e suavidade específica à bebida, deixando cada marca única.


A nossa cachaça é uma bebida variadíssima. Pode-se dizer que vale tudo para personalizar as suas garrafas. Tem pinga com cobra, lagosta, todo tipo de erva e até insetos dentro da garrafa. Tem gosto para tudo!


Acredito que a grande coisa que a cachaça nos deu foi a caipirinha. Este sim, é o nosso coquetel nacional! Podemos combinar a cachaça com virtualmente todas as frutas que crescem por aqui. Hoje já existem barmen especializados na preparação.


E purinha?


Beber cachaça pura deixou de ser uma coisa de pinguço para virar atividade de apreciador. No interior a turma, especialmente na roça, prefere aquela que pega na garganta. Algumas são quase como um coice de mula de tão fortes.


Hoje a tendência é produzir cachaças mais suaves, que descem redondo, isto sem abrir mão do teor alcoólico, que não é nada baixo (entre 38° e 54°GL).


Uma boa opção é passar em bom supermercado ou loja especializada em bebidas, comprar várias garrafas de marcas e procedências diversase experimentá-las com os amigos à beira da churrasqueira. O difícil é escolher qual levar, já que o preço da cachaça não é indicativo de sua qualidade. Existem garrafas baratas muito boas e caras bastante ruins. Portanto aproveite e cuidado, pois a danada derruba até os mais fortes.

 

© Mauro Holanda 

Foto de Mauro Holanda
 

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Quinta-feira, 22.05.08

José Balmes


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenho A Queda, 1986

José Balmes, pintor, gravador e desenhista catalão, radicado no Chile, criador do Museo de la Solidaridad Salvador Allende, em Santiago do Chile.

 

"Uma obra de arte não é uma fotografia, cada obra (escolhida para formar o Museu) é a expressão artística do homem do nosso tempo. E vocês, ao observá-las, não têm que necessariamente porque se perguntar o que significa tal ou qual obra. Porque a obra de arte entrega todo o seu significado estético e seu conteúdo (mensagem), a quem se coloca diante dela, com a sensibilidade desperta. "

 

Mário Pedrosa

 

© Museu AFRO Brasil

 

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publicado por ardotempo às 22:19 | Comentar | Ler Comentários (4) | Adicionar

Pintura de FRANCISCO BRENNAND

Francisco Brennand

Todos sabem o quão pouco o Brasil cuida da relevância em exaltar aqueles que de fato contribuem com seu esforço e o seu talento, e até com renúncias quase religiosas, para construir a obra de uma vida inteira como a do pintor e escultor Francisco Brennand. Foi-se o tempo em que se dava a merecida importância aos museus e às instituições culturais dedicadas a preservar a memória da história passada e recente do Brasil. Cada vez mais a chamada grande mídia, ocupada com os graves problemas que afligem o país, põe no limbo os feitos culturais e artísticos que celebram os aspectos originais de nossa cultura e que se tornam cada vez mais significantes diante da grande contribuição de artistas e de homens que fizeram ou se fazem importantes na consolidação da identidade nacional.

De sua personalidade e de sua obra muito já se escreveu, e também de seu ateliê na Várzea do Recife, um grande espaço no qual sistematicamente ele guarda tudo o que foi por ele produzido, mais ainda a monumental instalação nas ruínas da antiga fábrica da família: milhares de esculturas, painéis, murais, jardins como o de Burle Marx, numa atmosfera única em meio à vegetação luxuriante da Mata Atlântica.

Com isso Brennand faz um grande e generoso gesto para a preservação da mata original e ainda oferece aos seus visitantes a  mais nova obra da arquitetura brasileira, a capela projetada por Paulo Mendes da Rocha sobre as ruínas da antiga casa-grande da fazenda.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Mata – Óleo sobre tela, 1971

Uma pintura marcadamente figurativa, acentuada por um grafismo como um halo em torno da figura; uma linha contínua sinuosa, um arabesco barroco e sensual, elegante como fundo da representação do tema.

Emanoel  Araújo
Diretor do Museu AFRO Brasil

 

© Museu AFRO Brasil


 

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publicado por ardotempo às 14:07 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Fotografia de MONICA RICHTER

Homens de Aço - Exposição encerra amanhã, dia 23 de maio

 

A câmera Nikon F5 suportou. O corpo da fotógrafa brasileira Monica Richter não suportaria.

Por isso mesmo vestiu um equipamento especial adequado para aguentar os mais de 50 graus centígrados que se fazem sentir junto aos fornos siderúrgicos onde andou a registrar, durante o decorrer de um mês  inteiro, a rotina industrial da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão, no Brasil.

A idéia era experimentar as condições em que se moviam os trabalhadores para chegar ao que pretendia: "encontrar grafismos dentro de um ambiente muito pesado, muito caótico, muito denso”, transformar a siderurgia "num universo plástico, sem esquecer o homem integrado ao grafismo”.


Homens de Aço - Fotógrafa: Monica Richter
Galeria Bernardo Marques
Rua D.Pedro V, 81, Lisboa

Portugal
 

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Quarta-feira, 21.05.08

Mãos da terra - 10

Colares Indígenas

 

                    

 

 

Peças de artesanato indigena, colares ritualísticos confeccionados com sementes, fibras e corantes naturais  -  Amazonas

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro

publicado por ardotempo às 12:27 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

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