Domingo, 20.04.08

Do blog F–WORLD, para pensar



Vozes de sobreviventes de Auschwitz.

Falam as mulheres e o que se ouve é uma ínfima parte do que contam sem parar,
histórias em cima de histórias agarradas a detalhes de onde não saem
porque não querem sair.
A voz da última mulher treme, a belga hesita, repete bruler,
queimar na memória  coincide com o momento em que percebeu
onde estavam os pais, como estavam os pais, o que estavam a fazer aos pais,
separada dos pais por uma parede que essa mulher via e a voz quebra,
a mulher belga mais os pais que lhe morriam queimados.
Atrás de cada uma destas vozes de pessoas
estão vozes de outras pessoas.
Tudo se passa entre pessoas, grupos de pessoas como nós.
Nada as distingue de qualquer um de nós.
É fundamental perceber esta realidade porque sem nos dedicarmos à memória
desta precisa realidade corremos o risco de perder de vista a incerteza,
o significado da impossibilidade.
Há nazis grandes e pequenos.
Hoje quero escrever sobre os
pequenos,
ínfimos,
diminutos nazis.
Sobre nós.
Nós somos muitos de nós num ou outro grupo,
mas grupo que exija ilusões e extremos,
que se excite com o que parece ser excessivo
e reaja com o mais elevado grau de irritabilidade.
Neste grupo o líder pode ser uma abstracção,
pode ser o ódio contra
uma pessoa, instituição.
Vou citar Littell, Les Bienveillantes:
Je vous rappelle que Führerworte haben Gesetzeskraft,
la parole du Fürher a force de Loi.
Vous devez résister à la tentation d’être humains.
Estes nós que somos quase todos,
senão todos em grupo descemos com facilidade
ao estado mais bárbaro, animalesco,
nada que seja novidade em tudo o que sabemos dos/nos outros
mas um mundo desconhecido dentro de cada um de nós.
O nosso lado negro em grupo observa-se 
de forma muito prática e confortável
na blogosfera.
Na blogosfera, um grupo pode ser
de uma intolerância animalesca
e completamente imune à ideia de bondade
que parece ser coisa de gente fraca.
Neste rico planalto observo, inúmeras vezes,
indivíduos que se alimentam de suspeitas
que rapidamente passam a certezas
e em que pequenas antipatias
se transformam em ódios raivosos incompreensíveis
para quem estiver mais distraído consigo
ou com nada em especial.
O que é verdade e a verificação dessa mesma verdade passa,
desta forma, para nenhures porque os impulsos têm
um interesse superior e relacionam-se também
com uma ideia que faz Lei:
a ideia do que é o prestígio
e que arrasta groupies que arrastam groupies
numa frágil pirâmide mas, ainda assim,  poderosa.
São este alguns dos sinais de alerta dos pequenos nazis que nos habitam.
 Nazis de esquerda ou de direita.
 Nazis de esquerda ou de direita.
  Nazis de esquerda ou de direita.
  Nazis de esquerda ou de direita.
 Nazis de esquerda ou de direita.
                                                                                   
                                       

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publicado por ardotempo às 22:39 | Comentar | Adicionar

A vanguarda sem fazer artístico

O cachorro como obra de arte

Ferreira Gullar
- Poeta, ensaísta e crítico de arte   

A arte de vanguarda, que nasceu contra
a institucionalização, é refém da instituição

Ano passado, em 2007, um costarriquenho, que se diz artista e se chama Guillermo Habacuc Vargas, pegou
na rua um cão vira-lata, amarrou-o numa corda e o
prendeu à parede de uma galeria de arte, onde o animal ficou definhando até morrer de fome.

Tratava-se, segundo ele, de uma "instalação perecível", uma obra de vanguarda. Pois bem, para o espanto das pessoas que já se tinham revoltado com a crueldade
de Habacuc, a Bienal de Arte Centro-Americana de Honduras acaba de convidá-lo para dela participar
com a referida "obra" e concorrer a um dos prêmios
do certame.

Será tudo isso verdade ou apenas uma "pegadinha"? Custa crer que o dono de uma galeria de arte permita que um exibicionista pirado amarre ali um pobre cão e o deixe morrer de inanição.

Como se deu a coisa? O animal urinava e cagava preso à parede, ganindo desesperado? As pessoas iam assistir a esse espetáculo de sadismo e ninguém se revoltou nem nenhuma sociedade protetora dos animais protestou? A possibilidade de ter o cão morrido sem que ninguém tenha sabido está fora de questão, uma vez que o objetivo desse tipo de "autor" é precisamente chamar a atenção sobre si, já que nenhum outro propósito pode ser considerado. Mais surpresa causa ainda a notícia de que a Bienal de Honduras o tenha convidado a repetir, nela, aquele mesmo espetáculo de crueldade e sadismo.

Não obstante, essa informação está em vários sites, e surgiu até um movimento de protesto -um abaixo-assinado- para impedir que a Bienal mantenha o convite. Se o que Habacuc queria era escandalizar e ganhar notoriedade, conseguiu, ainda que a notoriedade própria aos torturadores e carrascos.

Não obstante, apesar da repercussão que o cerca, esse fato não é tão novo assim. Sem a mesma dose de cocô e urina nem a mesma animalidade, outras "obras" e atitudes ocorridas antes são reveladoras do impasse a que chegaram a arte dita de vanguarda e as instituições que a exibem, particularmente as Bienais. Uns poucos anos atrás, um gaiato enviou para a Bienal de São Paulo, como sua obra, a seguinte proposta: abrir uma segunda porta na exposição por onde as pessoas entrariam sem pagar. Não podia ser aceita, pois implicaria sério prejuízo ao certame, mas também não poderia ser rejeitada, porque, sendo a Bienal "de vanguarda", tal rejeição comprometeria sua imagem.

Em face disso, adotou-se a seguinte solução: improvisar, nos fundos do prédio, uma portinha meio secreta, garantida por um guarda que a manteria aberta por apenas uma hora e só permitiria a entrada de dez visitantes, no máximo. E assim as coisas se acomodaram, salvando-se a audácia do artista e o caráter vanguardista da instituição. Pode ser que me engane, mas a impressão que tenho é de uma luta farsesca entre falsos inimigos que necessitam um do outro para existir: sem o espaço institucional (galeria, museu, Bienal), não existe a vanguarda e, sem a vanguarda, não existem tais instituições. E a gente se pergunta: mas a vanguarda não nasceu contra a arte institucionalizada? Pois é...

Voltemos ao cachorro. O tal Habacuc pegou o cachorro na rua e o levou para a galeria de arte a fim de fazer dele uma "instalação perecível", ou seja, uma obra de arte. Se o tivesse levado para um galpão qualquer e o deixasse lá morrendo de fome, ele não passaria de um pobre vira-lata vítima de um maluco. Mas, como o Habacuc é artista -ou se diz-, levou-o para uma galeria de arte e aí o pobre cão, de cão virou instalação, por obra e graça do espaço em que o puseram para morrer. Esse é um dado que os críticos de arte (também de vanguarda) teimam em ignorar, ou seja, que, nessa concepção estética, é o espaço institucional que faz a obra: por exemplo, um urinol igualzinho ao de Duchamp, se estiver no Pompidou, é arte; se estiver no banheiro de um boteco, é urinol mesmo, pode-se mijar nele à vontade.

É, portanto, diferente da Mona Lisa, que depois de roubada do Louvre, em 1911, e levada para um quarto de hotel na Itália, continuou a obra-prima que sempre foi. É que a chamada arte conceitual dispensa o fazer artístico e afirma que será arte tudo o que se disser que é arte, mas desde que o ponham numa galeria ou numa Bienal.

Ou seja, a essência da arte de vanguarda, que nasceu contra a institucionalização da arte, é contraditoriamente, a instituição; não está nas obras e, sim, no espaço institucionalizado em que ela é posta. Talvez por isso, a próxima Bienal de São Paulo não terá obras de arte: exibirá apenas o espaço institucional vazio, que as dispensa.





© Ferreira Gullar - publicado na Folha SP / Ilustrada / UOL
- em 20.04.2008

Foto de Mário Castello
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Mãos da terra - 03

Divino

                                    


Peça de artesanato popular, em madeira esculpida e policromada, representando o Divino Espírito Santo, para as festas religiosas populares do Divino -
Anônimo
,  Minas Gerais.

Assista e escute Marisa Monte e Paulinho da Viola cantando
Um samba sobre o infinito. Veja aqui


© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
publicado por ardotempo às 19:22 | Comentar | Adicionar

Vladimir Velickovic

Pintura




















Vladimir Velickovic, A grande perseguição - Pintura, óleo sobre tela, 1986














O artista em seu ateliê em Paris, 2008
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Sábado, 19.04.08

Siron Franco: TAUARI

Instalação de Siron Franco defende a Amazônia: na Europa

Dois colossais troncos de tauari (madeira de lei considerada em extinção), resgatados pelo Greenpeace, de uma derrubada recente e, ainda sobreviventes das queimadas criminosas realizadas por fazendeiros e por agro-empresas na Amazônia, sob o olhar omisso e complacente das autoridades governamentais, fazem parte de uma instalação itinerante que percorrerá a Europa (iniciando o percurso agora em abril, na Alemanha), concebida pelo artista plástico Siron Franco, que preservando-os na sua forma original agredida, montou uma vídeo-instalação de 9 monitores por DVDs, com imagens atualizadas que denunciam a devastação ora em curso, contra a grande floresta e a sua biodiversidade.

Um alerta contundente do artista em favor da floresta silenciosa e negligenciada.















                       

Depoimento de Siron Franco sobre a gênese de sua obra:

" Optei por deixar a árvore intacta, da maneira como a vi pela primeira vez em Brasília, a convite do Greenpeace. Quando soube que os dois troncos viriam para mim, fiquei com a imagem original na mente por vários dias, até que tive a idéia de não transformá-las em escultura, respeitando a sua forma original. Os monitores foram inseridos cuidadosamente no interior de cada um dos troncos das árvores e as imagens são reveladas por aberturas circulares irregulares, que lembram as incisões das "brocas de árvores". As nove imagens em movimento contínuo, tratam da biodiversidade da floresta e do gravissimo perigo de extinção que ela corre, o que afetará irremediavelmente a vida no planeta, em todos os sentidos. "









                      








Instalação Tauari - Siron Franco, 2008
Fotos de Vinícius de Castro
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Entrevista: LAURE LIMONGI





Laure Limongi - Escritora e Editora

A escritora francesa Laure Limongi está no Brasil e fala a ARdoTEmpo sobre o  cenário atual da literatura francesa, enfocando as relações da arte literária com as novas mídias. Poeta, crítica literária, editora, música e cantora, Laure Limongi participa ativamente da atual cena cultural francesa.

Ela tem vários livros publicados e atua como editora de
uma das coleções de literatura contemporânea da
Éditions Léo Scheer, Paris.


ArdoTempo: Laure Limongi, você é bastante atuante e envolvida com a produção literária contemporânea, como autora e como editora. O que você pode dizer sobre o cenário atual francês, sobre os autores e
sobre o público para estes novos livros?

Laure Limongi : Na França, fala-se todo o tempo que a literatura e a edição de livros vão mal. Economicamente, isso não é falso. Mas eu observo sobretudo, sendo como você mesmo disse, atriz nesse cenário e uma trabalhadora no ofício da literatura, que existe a energia e a diversidade das publicações.

De numerosos jovens autores desenvolvendo uma obra audaciosa. Não podendo citar a todos aqui, eu penso em alguns nomes como Céline Minard, Emmanuel Tugny, Emmanuel Rabu, Claro, Daniel Foucard, Nathalie Quintane, Olivia Rosenthal...

Dos editores e das coleções que trabalham duro para defender a divulgação de seus textos, indico: POL, a coleção Fiction & Cie, a Seuil, Quidam Éditeur, Allia, Verticales, L’Olivier, a minha coleção, Laureli, em Éditions Léo Scheer...

O público para essa literatura dita "exigente"  – este é um termo que se emprega para designar uma simples classificação formal – não é, certamente, gigantesco nem crescente mas é um público apaixonado que acompanha rigorosamente a seqüência das publicações. O universo dos blogs literários funciona esplendidamente na comunicação da existência desses novos livros. As livrarias, igualmente, fornecem um apoio fundamental : são essas livrarias independentes, muito particularmente, que lutam com todas as suas forças contra o consumo literário dirigido pelos  "block-busters" (as grandes redes megastores) e organizam numerosos saraus e leituras com a presença de autores para aproximá-los e fazê-los conhecidos aos seus leitores.    

AT : Como se desenvolve a linguagem contemporânea, e se o público reage,
positivamente, a isso?

LL : De múltiplas maneiras ! É como a capa de um Arlequim, com uma infinidade de cores. Seria impossível fazer uma descrição exaustiva…

Poderia falar da poesia contemporânea, muito em particular da poesia sonora e de « ação », quando se escolhe o poema de uma página para se " jogar", fazer a performance frente ao público.
 
Aqui eu penso em Bernard Heidsieck, Anne-James Chaton, Thomas Braichet...
Percebe-se antes de tudo, uma preocupação com a recepção pelo público, a recusa ao elitismo é, sinalizada por essa postura, bastante evidente.

Pelo lado do romance há igualmente numerosas correntes. Céline Minard, a quem já citei, dedica-se a formas longas e épicas que suscitam um verdadeiro prazer de leitura. Isso também acontece através da leitura de Emmanuel Tugny, que mescla ao mesmo tempo cultura erudita, eficácia narrativa e senso de humor onipresente – notadamente em Mademoiselle de Biche, Corbière le crevant...

Emmanuel Rabu, em seu último livro Tryphon Tournesol & Isidore Isou, incrustra referências muito sérias e experimentais (Isidore Isou, o pai do movimento Lettriste) e a cultura popular (os quadrinhos de Hergé). Daniel Foucard em seu livro mais recente, CIVIL, imita a linguagem dos policiais para propor uma reflexão sobre a noção de direito. Não se trata de confrontar e chocar o leitor, bem ao contrário, é situá-lo no plano da consciência. O que significa pesquisa formal e implica evidentemente no desejo de se deixar desestabilizar e enveredar por um universo inédito. É essa, para mim, a definição da leitura. Nós temos bastante indústria agro-alimentar para livrar-nos dos produtos estandartizados.

AT : Seu romance Fonction Elvis, apresenta uma linguagem muito inovadora,
uma seqüência dinâmica e frenética de links, em capítulos muito
curtos, em fade-in e fade-out, que vão construindo uma história
caleidoscópica como num mosaico em progresso, mas algo giratória,
circular em si, que sempre vai rodando sobre um mesmo ponto… O que você pode
falar sobre a construção dessa nova linguagem?

LL : A forma se impôs por ela mesma. Eu queria "dissecar" a figura excessiva e pegajosa de Elvis Presley. Dediquei-me a esse colosso de todas as maneiras, investigando sua vida em todas as minúcias. Daí a concisão do texto. Também pensei numa escritura musical pelo ritmo e pela repetição dos motivos. Este é um elemento essencial de minha maneira de escrever, a aproximação da musicalidade à linguagem. Eu já procedido assim, com uma forma diferente, em outro livro : Je ne sais rien d’un homme quand je sais qu’il s’appelle Jacques.

AT: E sobre o tema (ELVIS), como e porque você o escolheu?

LL : É preciso salientar que nunca fui uma fã de Elvis e que conhecia muito pouco as suas canções, apenas aquilo que tocava de vez em quando nas rádios. O que realmente me interessou foi o que Elvis representa como herói trágico, um herói trágico literário ideal. Foi por esse motivo que eu evoquei Jessie Garon Presley, o irmão gêmeo nati-morto de Elvis, a sua parte sombria. O seu duplo. E depois a sua aparência warholiana, o fato que ele encarna a inauguração do rock e a reprodutibilidade da imagem. A redução do indivíduo à imagem.

Eu ressalto ainda que o projeto se iniciou num formato de díptico literário : Fonction Elvis/Dimension Gould. Duas figuras aparentemente opostas, vistas assim, o rei do rock e um pianista clássico, Glenn Gould, que revolucionou totalmente a interpretação e as técnicas de registro das gravações. Uma estrela de espontânea simplicidade finalmente bastante melancólica e um pianista de gala extremamente burlesco e extravagante. Resultará num díptico um pouco tardio – Dimension Gould ainda está sendo escrito.
 
AT : Além de editora e escritora você também é música e cantora,
participando de um grupo de rock contemporâneo francês, o que você tem
a contar sobre isso?

LL : Tive a sorte, de fato, de tornar-me participante da banda Molypop ,

que conta também com Emmanuel Tugny, Jacques El, Yann Linaar, Christophe Boissière, Otavio Moura e outros músicos, de acordo com cada um de seus projetos. Graças a esse convite por parte dos integrantes da banda, eu pude me recolocar no universo musical – eu tinha sido pianista clássica e cantora, quando ainda bastante jovem – o que me fazia imensa falta.

Escrever é um exercício solitário. Com a banda e a música acontecem coisas extraordinárias, do ponto de vista da criação, pois se trata de um trabalho em grupo. A dimensão do prazer e da parceria é intensa. Além disso, o formato musical permite tocar diferentemente o público. As emoções despertadas pela música são um dos componentes essenciais da vida, no meu ponto de vista.

Molypop vai lançar o seu primeiro álbum, Sous la barque (quand on creuse) muito em breve. Inclusive já estamos trabalhando atualmente no segundo CD. Eu posso informar que no próximo dia 05 de maio será lançado em Paris, um livro / disco CD, chamado RALBUM por Éditions Laureli / Léo Scheer, com a participação dos integrantes da banda Molypop .
 
AT : No cenário histórico e cultural de seu país, que sempre influenciou com intensidade a cultura ocidental há mais de 250 anos, aparentemente pela primeira vez está ali colocado um presidente que não se importa tanto com isso, que faz questão de não falar de cultura e de passar ao largo dos assuntos culturais, muito mais voltado a um imediatismo mediático, a uma frivolidade de modelo mais "norte-americano"; como você analisa essa novidade junto ao cenário cultural no qual você está imersa, em suas múltiplas atividades?

LL : Analiso essa situação como uma catástrofe total para a cultura e isso me deixa muito entristecida, até mesmo ferida. Com uma nuance de revolta, inclusive. Um sentimento de desconforto pelo fato das forças da esquerda francesa não terem demonstrado ânimo e unidade para defender os valores de nosso país.

A política atual articula uma simplificação demolidora da cultura com potentes discursos demagógicos. É necessário não deixar subsistir que ações impostas ao público venham a resultar no desaparecimento da diversidade da criação. Mas estou convencida que a França ainda possui um povo obstinado, exaltado, que terminará por confrontar e fazer cessar essa inclinação deletéria. Eu tenho confiança na esquerda, nos franceses, em respeitar a nossa herança cultural e reverter essa situação, por uma revalorização. Jamais deixaremos de resistir.


Entrevista concedida por Laure Limongi a ARdoTEmpo – abril 2008
publicado por ardotempo às 11:54 | Comentar | Adicionar

Mãos da terra - 02

Ramo de ferro - Castiçal de parede

                             


Peça de artesanato popular, realizada em ferro, oxidado, em formato
de um ramo de árvore, para fixação na parede, com castiçais para velas, 
Anônimo
- sem data / Minas Gerais

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
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Sexta-feira, 18.04.08

Dentro da noite veloz


                         

                                     

Adriana Calcanhoto canta Vambora. Veja aqui.
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publicado por ardotempo às 01:23 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 17.04.08

Aforismo Borgesiano - 14

Poesia
                                    

A finalidade da poesia não é a do assombro.
O objetivo do poeta é expressar o que muitos seres humanos terão pensado mas que ninguém conseguirá exprimir de forma tão definitiva.
O poeta não é a voz das opiniões – que mudam e, além disso, são superficiais – mas a voz de algo muito mais profundo.


©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina
Desenho de Alberto Giacometti - Retrato de Diego, crayon, 1955
publicado por ardotempo às 18:36 | Comentar | Adicionar

Laure Limongi falará em Porto Alegre

LAURE LIMONGI

A escritora francesa de vanguarda Laure Limongi, também editora da prestigiada Éditions Léo Scheer, de Paris e integrante do conjunto de rock Molypop fará um palestra sobre a Literatura Contemporânea Francesa, na Livraria Palavraria em
Porto Alegre no dia 22 de abril, às 18 horas.
Imperdível para quem estiver na cidade neste dia, terça-feira. Entrada gratuita.

Com tradução simultânea ao português, de Ronan Prigent.
                                    
 
LER, ESCREVER E EDITAR  – A Literatura Francesa de Hoje

A escritora francesa Laure Limongi estará na Palavraria para um bate-papo onde vai traçar um panorama da atual literatura francesa, enfocando em especial as relações da arte literária com as novas mídias. Poeta, crítica literária, editora, música e cantora, Laure Limongi participa ativamente da atual cena cultural francesa. 

Publicou os livros Fonction Elvis (Éditions Léo Scheer, 2006),  Orchidées & Salami (Discobabel, 2005), Rumeur des espaces négatifs (com Thomas Lélu – Éditions Léo Scheer, 2005), Je ne sais rien d´un homme quand je sais qu´il s´appelle Jacques (Éditions Al Dante, 2004), Éros peccadille (Éditions Al Dante, 2002) e Doublement sexie, Derrière la salle de bains (2000).
 
Editora das Éditions Léo Scheer, dirige ali a coleção Laurelli. Escreve regularmente para diversas revistas francesas de cultura, como Nioques, Java, Musica Falsa, Action Poétique, Cahiers Critiques de Poésie e Quaderno. Laure Limongi é a intérprete do último disco de Pierre Henry, Deux Coups de Sonnette (Signatures, 2006).
Costuma participar de leituras públicas e performances literárias.
 
Palavraria - Livraria Café
Rua Vasco da Gama, 165 - Bairro Bom Fim
Porto Alegre RS - Brasil
 
 
publicado por ardotempo às 14:40 | Comentar | Adicionar

Paris, Kafka

A Paris riscada de Kafka

“A Paris riscada (…) o teto riscado de cristal do Grand Palais des Arts, as janelas divididas por riscas das oficinas, a Torre Eiffel, feita de riscos, o efeito riscado das listras laterais e centrais das portas dos balcões em frente de nossas janelas, as pequenas poltronas ao ar livre e as mesinhas dos cafés, com pernas que são riscos, as grades de ponta dourada dos parques públicos.” A Paris riscada de Kafka.

                        

As colunas de Daniel Buren, no Palais Royal, centro de Paris.

Extraído de Paris não tem fim Enrique Vila-Matas, CosacNaify - 2007

publicado por ardotempo às 13:15 | Comentar | Adicionar

Acordes ortográficos


                


Caetano Veloso
canta Haiti. Veja aqui.

Abacaxis © Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
publicado por ardotempo às 01:15 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 16.04.08

Frida Kahlo


                                                                                      

Frida Kahlo - Auto-retrato com macaquinho - Pintura, óleo sobre tela, 1938
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publicado por ardotempo às 22:56 | Comentar | Adicionar

Imortal?


Se essa criação máxima dos humanos – uma criança – não puder mais rolar e brincar  num gramado sobre a terra, então, o que restou realmente de nós? O que, do nosso espírito, será realmente imortal?





















Extraído de O mundo sem nós, de Alan Weisman, Editora Planeta – 2007
Desenho sobre cartão, de Nicola de Maria, Paris - 2005
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publicado por ardotempo às 19:07 | Comentar | Adicionar

Extratos de Ney Gastal

A verdadeira vanguarda do atraso

Não existe jornalismo neutro. Como norma, todo jornalista tem sua opinião, assim como toda a empresa jornalística tem a sua própria. Empresas modernas e saudáveis abrem espaço para jornalistas que não comunguem com suas próprias posições (da empresa) para darem ao público em geral uma visão minimamente variada dos fatos. Por isso, mesmo em jornais tradicionalmente conservadores é possível encontrar repórteres, editores e colunistas de posições avançadas. Aliás, foram os jornais mais conservadores que abrigaram maior número de perseguidos pelo regime militar, no Brasil. Saudável contradição.
 
Nem todo conservador é sacana, e vice versa. Uma das maiores lições que aprendi com meu pai e com José Lutzenberguer (ambos repetiam muito isso) foi esta: a grande maioria de nossos adversários não tem as posições que tem por má fé ou má intenção, e sim por convicção. Assim como nós. Eles acreditam tanto nas deles quanto acreditamos nas nossas próprias idéias. Em conseqüência, é preciso exercitar sempre a difícil arte do diálogo tolerante. Verdade que é muito difícil ser tolerante quando o adversário avança com tacapes na mão, mas a tentativa não deve ser descartada logo à primeira pancada. (...)
 
Três décadas não são pouco, mas também não são demais. Em três décadas, os “modernos” escravagistas da Europa e dos Estados Unidos haviam sido patrolados pelos que chamavam de “inimigos do progresso”. O Brasil, claro, precisou de mais tempo, aqui os “progressistas” sempre precisam de mais tempo para rever seus conceitos. Mas hoje nenhum país minimamente civilizado tem escravos.
 
Com a questão ambiental certamente será assim.

Em breve chegará o tempo em que até aqui no Brasil os “progressistas” vão perceber que a conservação de um meio ambiente saudável, de uma biodiversidade variada, são fundamentais para a própria preservação de nossa sociedade. Poderá ser tarde, talvez não, mas eles vão perceber. Então, toda esta discurseira “progressista” de hoje, que nada mais é do que a verdadeira vanguarda do atraso, expressão que eles tanto gostam de usar, terá sido varrida para o lixo. Difícil vai ser fazer as correções então urgentes e necessárias dos problemas que ela tiver provocado. Mas se algum consolo nos resta, é o de que o planeta sobrevive, sempre. Sobreviveu à primeira grande extinção, e a vida voltou renovada, sobreviveu à segunda grande extinção, que levou os dinossauros, e a vida voltou renovada, e sobreviverá à terceira, provocada por processos naturais apressados pela agressividade humana. Mas a vida certamente voltará, renovada.
 
Nós é que não estaremos mais aqui.



















Publicado no Blog Vento Minuano - de Ney Gastal - Leia na integra, no blog
Foto de Mário Castello
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publicado por ardotempo às 13:14 | Comentar | Adicionar

Poesia de Elisa Lucinda

Escrito por Marcelo Coelho

Virou moda, eu diria quase um cacoete em muitos críticos, elogiar este ou aquele poeta pelo seu “rigor formal”. Brinco que há mais rigor na poesia contemporânea brasileira do que no IML.
 
Claro que João Cabral era rigoroso, medido, centrado, intelectual. Drummond, também, mas de outro jeito. Claro que neles não existe uma palavra fora do lugar, uma explosão fora de hora...
 
Mas o cabralismo pode ser um defeito, quando serve apenas à timidez. Nesse caso, a influência de Manuel Bandeira é muito mais rara e difícil de ser trabalhada, porque a poesia de Bandeira não depende de se espremer em letra miúda e versinho “rigoroso”; ela se solta com pouca coisa, não precisa de verborragia mas tampouco de aperto encasacado.
 
Abri por acaso um livro de Elisa Lucinda, chamado A Fúria da Beleza. É a segunda edição, publicada em 2007 pela Record. Sem dúvida, essa escritora, cantora e atriz, nascida em 1958 em Vitória, corre muitos riscos quando escolhe um verso solto, cheio de exclamações, coloquial e bastante “declaratório” quando diz do que gosta, do que não gosta, quando fala de amor, paixão, criança... Mas que importa! “Deus salve as belezas corajosas!” diz ela, e descreve bem, com esse verso, um poema como o que se segue:

 
Ele
 
Já começa a beijar o meu pescoço
com sua boca meio gelada meio doce,
já começa a abrir-me seus braços
como se meu namorado fosse,
já começa a beijar a minha mão,
a morder-me devagar os dedos,
já começa a afugentar-me os medos
e dar cetim de pijama aos meus segredos.
Todo ano é assim:
vem ele com seus cajás, suas oferendas, suas quaresmeiras,
vem ele disposto a quebrar meus galhos
e a varrer minhas folhas secas.
Já começa a soprar minha nuca
com sua temperatura de macho,
já começa a acender meu facho
e dar frescor às minhas clareiras.
Já vem ele chegando com sua luz sem fronteiras,
seu discurso sedutor de renovação,
suas palavras coloridas,
e eu estou na sua mão.
 
Todo ano é assim:
mancomunado com o vento, seu moleque de recados,
esse meu amante sedento alvoroça-me os cabelos,
levanta-me a saia, beija meus pés,
lábios frios e língua quente,
calça minhas meias delicadamente
e muda a seu gosto a moda de minhas gavetas!
 
É ele agora o dono de meus cadernos, meu verso, minha tela,
meu jogo e minhas varetas.
Parece Deus, posto que está no céu, na terra,
nas inúmeras paisagens,
na nitidez dos dias, no arcabouço da poesia,
dentro e fora dos meus vestidos,
na minha cama, nos meus sentidos.
 
Todo ano é assim:
já começa a me amar esse atrevido,
meu charmoso cavalheiro, o belo Outono,
meu preferido.
 

Bem, há um enorme controle e “rigor”, se quisermos, na maneira com que Elisa Lucinda deixa a metáfora meio escondida, meio sugerida, ao longo do poema, para revelá-la só no final.
 
Há um certo “passadismo”, também, nesse romantismo das estações, que me lembra um poeminha francês sobre o mês de Abril, que volta feliz “comme un prince acclamé après un long exil”. Ao mesmo tempo, que poder de transformação em dizer desse amante “que varre minhas folhas secas, que vem quebrar meus galhos”...
 
Por vezes, a inspiração fraqueja: “inúmeras paisagens”, “discurso sedutor de renovação”, são frases de uma triste vagueza comparadas à precisa e feliz lembrança do “muda a seu gosto a moda das minhas gavetas”.


Publicado no Blog de Marcelo Coelho
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Terça-feira, 15.04.08

João Fahrion


                             


João Fahrion
é um pintor (já falecido, no século passado) com muito prestígio e reconhecimento no sul do Brasil (RS) e ainda pouquissimo conhecido no restante do País. É necessário realizar-se um esforço de divulgação para que a qualidade de seu trabalho venha a ser melhor percebida e conquiste um merecido reconhecimento mais ampliado.

Pintura de João Fahrion - Retrato de mulher, óleo sobre tela - s/data
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Epitáfio

















A frase mais irônica que conheço – talvez a mais insuperável das frases irônicas – é o epitáfio que Marcel Duchamp escreveu para si mesmo e que pode ser lido na lápide
de sua tumba:

D'ailleurs, c'est toujours les autres qui meurent.

Por outro lado, são sempre os outros que morrem.


Extraído de Paris não tem fim - Enrique Vila-Matas (CosacNaify, 2007)
publicado por ardotempo às 13:58 | Comentar | Adicionar

Desenho Anônimo

Coleção

                            

                             

                                          

                           

                          

                          

                          


Os objetos concebidos pelo povo vivem numa espécie de limbo – na religião católica, aquele lugar para  onde foram as almas dos justos mortos antes de Cristo e para onde vão as almas das crianças mortas sem batismo, condenadas a serem eternamente privadas da visão beatífica. É, portanto, o lugar da não visão, do não reconhecimento, da privação até da possibilidade da visão de Deus. Se prejudica, em hipótese, os seus criadores, que não têm devidamente reconhecida a sua realização, essa privação prejudica também e principalmente a nós, os chamados "cultos", que ficamos impossibilitados de conhecer as lições de inventividade e singeleza,
a verdadeira sofisticação da simplicidade,
advindas dessas criações sem assinatura.

Adélia Borges
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Segunda-feira, 14.04.08

Aforismo Borgesiano - 13

Presente

                           


As pessoas compram meus livros mas não os lêem.
Para que os compram?
Para dá-los como presentes.
Com o passar do tempo, acostumei-me a ser um presente.


©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina
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Vento Minuano




Saudações e boas-vindas ao Blog Vento Minuano, um alerta vigilante em defesa do meio ambiente no Rio Grande do Sul (Brasil) e em todo o planeta, editado pelo jornalista Ney Gastal.

Veja o blog Vento Minuano
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Domingo, 13.04.08

O colecionador e seus dramas

Carlos de Azevedo Moura - Colecionador








Se alguém disser que a rotina de um colecionador é sempre tranqüila e prazerosa, não conhece de perto os verdadeiros bastidores da atuação onde se move esse ser obstinado e desbravador. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que, por seus hábitos um tanto quanto insólitos, ele tende fatalmente a se tornar um solitário.

Ao mesmo tempo, percorre itinerários que incluem desde briques, feiras de rua, depósitos de demolição, galpões abandonados, ruínas periclitantes e grotas assustadoras, quase inacessíveis.

Por tudo isso, a melhor coisa que colecionadores podem esperar de suas famílias é o silêncio. Muitos amigos nem sequer demonstram qualquer interesse quando o nosso personagem discursa, excitado e comovido, ao mostrar orgulhosamente, sua mais recente aquisição. Inclusive, em alguns casos esses mesmos amigos não conseguem esconder sua preocupação com a sanidade mental do companheiro, ao tropeçar nos objetos aglomerados ao seu redor, ou espalhados por sofás, mesas, cantos e corredores. O problema mais grave é que, uma vez iniciada uma coleção e estando o vírus devidamente inoculado, é quase impossível reverter essa tendência, e talvez as raríssimas ocorrências que podem reduzir esse ímpeto passam pela iminência de uma bancarrota, ou uma ameaça real de abandono por parte do núcleo familiar e, cá entre nós, se um desses fatos ocorrer, eles não serão de todo descabidos.

Minha primeira coleção era dirigida para a busca de lápis de propaganda, coisa das ingenuidades dos anos cinqüenta. Em seguida, e usando ainda calças curtas na época, tornei-me um orquidófilo daqueles que se embrenhavam nos banhados atrás de espécies raras. Na continuidade, iniciei a busca de nuvens de querubins, virgens gordinhas e santos com olhares enigmáticos, às vezes beirando expressões de catatonia. Foi minha fase de arte sacra, mas nem por isso consolidei qualquer tendência de religiosidade; refiro-me às crenças religiosas, porque a outra obstinação, o outro credo, o das coleções díspares, este não arrefeceu.

O início de uma coleção no meu caso sempre ocorre acidentalmente, não há intenção pré-concebida, planejada, com data marcada, ou seguidora de alguma moda. No caso de objetos ligados à imigração, e que compõem a temática da presente mostra, talvez tenha havido um impulso subconsciente, um motivador de origem atávica, na medida em que meus antepassados foram imigrantes.

Posteriormente, por inúmeras vezes meus pais levaram-me a passar fins de semana em regiões da colonização alemã, e algumas vezes na região serrana dos italianos, no sul do Brasil. Isso tudo reforçou a motivação para a temática escolhida.

A primeira peça desta coleção foi uma marquesa de cabriúva, abandonada num velho galpão, na antiga casa de meu bisavô, na localidade de Lomba Grande, distrito de Novo Hamburgo, um dos pólos iniciais da colonização alemã. Depois de limpo e recuperado, o móvel foi reconhecido como tendo sido elaborado por meu bisavô, um caixeiro viajante e marceneiro nas horas vagas. Com essa peça referencial, o ânimo cresceu.

Após uma trajetória um tanto vacilante em busca de uma definição conceitual para a coleção, passei a compreender melhor o que eu realmente buscava, mas ainda dentro de um universo restrito: móveis, pequenas louças, vidros.
 
Por outro lado, a qualidade agregada aos objetos foi o que me motivou mais, desde as primeiras buscas, nomeando prioridades, portanto, a sua expressão estético-formal. Coisa de arquiteto, sem dúvida. Sei que, ao primeiro olhar, às vezes é difícil avaliar o potencial do objeto em relação a esse quesito. Que “beleza” se esconde por trás de espessas camadas de pó, sujeira ou repinturas grosseiras? No entanto, com o tempo e com muito exercício, esse olhar torna-se arguto, a ponto de, num relance, distingüir num monturo de trastes, um objeto opaco, desfocado e sujo que, a despeito de seu estado, poderia alcançar a condição de jóia rara ao ver recuperado o “brilho” de outras épocas.

Reside aí outro prazer, na busca delirante dessas formas “adormecidas” e que consiste na sua recuperação, e que nos dá por vezes a sensação de ser não apenas de restauradores, mas de reavivadores de “vidas” temporariamente em “estado de hibernação”.

É no final dessa etapa que o objeto – capacitado ou não como utilitário, seja adorno ou mera ferramenta, por uma conjunção de harmonia das linhas, volumetria elegante e a  beleza das cores e texturas, atribuídas à matéria-prima e ao tempo – uma vez recuperado, pode alcançar o que eu chamaria de “o estado de arte”. Reconheço que esse é um enfoque extremamente subjetivo e é, nesse processo de transfiguração que, através de uma proximidade planejada, um castiçal antigo, um vidro leitoso e uma velha candeia podem me remeter a uma natureza morta (ou, quem sabe, viva) de Giorgio Morandi. Ou um velho cavalinho de brinquedo, resgatado nas grotas de São Lourenço, após a reanimação, me conduzem à evocação de um Marino Marini.

Arte “acidental” desse tipo pode perfeitamente se aproximar e tangenciar a arte real, reconhecida, de autoria ilustre. Ou será o contrário? De qualquer forma, isso me encanta.

Sem nunca abandonar a preocupação com a qualidade estético-formal do objeto, a idéia da coleção incorporou um novo fator de coleta, a busca da diversidade, da variação de um mesmo tema. Exemplificando: plainas, ao conter pequenas variações de utilização, especificações de uso, tipo de madeira empregado em sua elaboração, poderão representar variações sobre o mesmo tema, e reforçar, com isso, a flexibilidade criativa de seus autores. A idéia é que a abrangência não é prioritária, mas a variação de um só tema, essa sim, se sobrepõe à amplitude.               

Outro quesito básico – a autoria da peça, como o próprio título da mostra bem sugere, deve ser preferencialmente anônima e, quando muito, conter uma marca que apenas expressa o orgulho do artesão em ter produzido aquela peça exclusiva.

Por outro lado, um novo acréscimo ao acervo foi dado através da aquisição de fotos antigas, cartões postais de época, alguns documentos, quadros e estampas com dizeres religiosos e éticos, ilustrando costumes da época.

É essencial que o conjunto dos objetos, não apenas fale por si, mas que haja uma vinculação desse mesmo acervo com os seus autores e os usuários na época, do contrário, a conotação e o alcance sociológico da exposição resultarão inócuos. Com essas medidas, o acervo foi progressivamente reforçando seu caráter didático-cultural, já que uma coleção desse tipo não pode continuar adormecida em garagens.

É importante, no entanto, ressalvar que se trata de uma coleção de objetos, fundamentalmente visual, sem traçar conclusões ou apontar teses sociológicas, apenas tentando reproduzir o universo cotidiano da casa do imigrante, seja ele alemão, seja ele italiano. Ao mesmo tempo esperamos que a coleção, por seu caráter plástico-visual, possa despertar a atenção de profissionais e estudantes da área de design, em busca de inspiração para a elaboração de projetos contemporâneos, que possam expressar, através de uma releitura formal, objetos  e produtos com as marcas de raízes culturais e autóctones.




















Carlos de Azevedo Moura
, o colecionador.
© Coleção Azevedo Moura
publicado por ardotempo às 19:22 | Comentar | Adicionar
Sábado, 12.04.08

cortázarcontacronópios&famas





















Julio Cortázar explica um pouco sobre a geração de um conto. Veja aqui.
Foto do autor por Daniel Mordzinski 
Do Blog Os Livros Ardem Mal
publicado por ardotempo às 23:42 | Comentar | Adicionar

Mademoiselle canta


                             


Patricia Kaas
canta Mademoiselle chante le Blues  Veja aqui
Fotografia de Marcos Magaldi
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publicado por ardotempo às 20:21 | Comentar | Adicionar

Karel APPEL

Dancing-Girl 

                            

Karel Appel - Dancing-Girl, relevo-pintura sobre madeira
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publicado por ardotempo às 12:48 | Comentar | Adicionar

Mãos da terra - 01

Vestido de Lata

                                                                                                
                              


Peça de artesanato popular, realizada com sobras recortadas de embalagens de folhas de flandres. Anônimo - sem data

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
publicado por ardotempo às 00:55 | Comentar | Adicionar

carros+carros+carros

O último engarrafamento

A boa notícia é que nunca se viu tantos carros nas ruas.
A má notícia é que nunca se viu tantos carros nas ruas.

Carros sendo produzidos e comprados como nunca significam fábricas e fornecedores funcionando e empregando mais, mais gente com mais dinheiro ou crédito no mercado, uma classe média em expansão, uma economia em crescimento. Carros sendo produzidos e comprados como nunca significam engarrafamentos inéditos e acidentes de trânsito em níveis de massacre, sem falar no aumento da poluição do ar que respiramos e no agravamento generalizado das neuroses.

É bom que muitas pessoas que não tinham condições de comprar seu carro agora tenham, é ruim que em todas as grandes cidades brasileiras hoje exista uma grande nostalgia pelas chamadas horas do rush, ou os horários de pique no trânsito, de antigamente, pois agora toda hora é hora do rush.

O que há é que, na surrada analogia de uma Bélgica dentro de uma Índia para descrever o Brasil, a Bélgica cresceu e os belgas e neobelgas têm mais carros, mas continuam obrigados a circular nas ruas e estradas da Índia. Quanto mais cresce a Bélgica, mais aparecem as precariedades da Índia. A publicidade dos carros sendo lançados prefere ignorar esta realidade e anunciar máquinas flamantes feitas para zunir por ruas e estradas de um país que não apenas não é a Índia como não é nenhuma Bélgica reconhecível, mas uma terra fantástica onde o trânsito sempre flui
e os carros voam.

Uma ironia que se repete diariamente: o cara chega em casa depois de algumas horas preso num engarrafamento de qualquer grande cidade brasileira, liga a televisão e, entre notícias de terríveis acidentes com morte em estradas inadequadas por excesso de velocidade, só vê propagandas de carros vendendo a grande aventura da velocidade. E da potência sem impedimentos, muito menos de carros na frente
e dos lados.

Como fica cada vez mais improvável que conheceremos essa terra de sonho, resta esperar que a indústria automobilística se prepare para o engarrafamento final que vem aí, quando o trânsito se tornará, literalmente, impossível. Esqueçam velocidade e potência. Interiores com beliches, quitinete e mesas para carteado, para passar o tempo. Rojões de sinalização, para pedir o resgate por helicóptero. Sei lá.


© Luis Fernando Verissimo - Publicado no Blog do Noblat - 10.04.2008
publicado por ardotempo às 00:28 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 11.04.08

OS ALEMÃO - 4






Os que mudaram a fronteira

                    


Tio Carlos
era enorme de grande e gordo. Suava todo o tempo, usava terno branco inverno e verão, sapatos de duas cores, e um chapéu com que se abanava, ofegante, como se estivesse sempre a se asfixiar, afogando-se nas palavras em que tropeçava, falando aos solavancos. De noite, roncava tanto que era sobressaltado pelo próprio ronco e acordava assustado, com seu cabelo dourado mal posto numa touca de dormir que já ninguém mais usava. 

Ele era rico: vivia de rendas, depois de ter vendido aos outros irmãos sua parte nos negócios de navegação. E se dera ao luxo de comprar quase todas as terras improdutivas da beira da Lagoa, na barra do arroio, onde hoje é a turística praia de São Lourenço do Sul.

Tio Emílio não tinha um olho, ou melhor: tinha um olho de vidro, que tirava nas ocasiões mais inesperadas ou depositava nos lugares menos esperados. Ele que me contou a história de Robinson Crusoé, antes de eu ter aprendido a ler. Ele que soube por um alemão de Valdívia, que na ilha de Juan Fernández estava afundado o encouraçado Dresden. Ele que comprou equipamento de escafandro e convenceu os irmãos a adquirirem o direito ao resgate de tudo que encontrassem nas carcaças dos navios afundados em toda a costa do Rio Grande e do Uruguai. Ele que, doente, morreu ao cair da cama, sonhando talvez com o tesouro perdido de sir Francis Drake, mas sem nunca ter conseguido chegar ao menos perto das profundezas inabordáveis do Admiral Graf Spee.

Tio Guilherme era baixo e meio corcunda, parecendo sempre preocupado, desatento e desinteressado a ponto de acordar para o que se dizia com um ah, sim! que só fazia revelar como seu pensamento andava em outras coisas, em outras gentes, em outros lugares. Ele tinha negócios de importação e exportação com o Uruguai (diziam que se fizera sócio do embaixador brasileiro) e era quem trazia para cá o que se quisesse e se precisasse – e vendia lá o que eles precisassem e quisessem. Até que, epilético, foi-se para Buenos Aires e Montevidéu em busca de uma cura tão impossível quanto capaz de lhe tragar dezenas de imóveis, uma fábrica de conservas, uma “barraca de fructos do paiz” e o próprio negócio de exportação e importação.
                            

Tio Gustavo comprava todos os bilhetes de loteria que aparecessem; e tirou duas vezes a sorte grande: na primeira, embarcou em Buenos Aires na 1a. Classe do navio alemão Cap Arcona, fazendo uma luxuosa viagem de ida e volta à Europa, via Rio de Janeiro – durante a qual jogou todo o muito que tinha.

Na segunda, estava em Sta. Vitória do Palmar,
aonde levara uma égua chamada Mimi para correr uma penca milionária, quando soube que seu bilhete inteiro estava premiado; apostou então o bilhete, por um terço do valor, contra tudo e todos – dinheiro vivo, locomóvel, junta de bois, ponta de gado, fração de campo...


Mimi, que era uma tordilha filha de Listo, ganhou.

                           
Augusto, meu pai, era muito mais moço que os outros. Usava gravata borboleta, fumava cachimbo, andava de picareta e polainas, tinha abandonado os estudos de odontologia e não sabia dançar. Papai guri foi moço de convés e marinheiro, logo dono do Aníbal II, sócio dos irmãos na companhia de navegação. Depois teve fábrica de sabão, alambique de cachaça, um armazém chamado Mina de Ouro, além de uma fábrica de corda, outra de calafeto alcatroado – instalou em Jaguarão um luxuoso hotel, com jardim francês e talheres de alpaca – e viu irem por água abaixo, na enchente de 42, os planos que tinha de colocar num único empreendimento toda a multiplicidade de suas idéias e toda a soma de seus recursos.


                  

A imagem que tenho dele, desde quando ainda não era meu pai – andando de prancha no rio, pilotando uma Harley-Davidson com side-car, posando ao lado de seu Essex – é de um herói de cinema, daqueles que vencem e vencem sempre sem que se lhes amarrote a roupa, sem que lhes caia o chapéu da cabeça; e que, se não vencem sempre, é como se não tivessem perdido, mas ganho.

É a mesma imagem do herói que vende seguros e volta de uma longa viagem cheio de presentes e põe o filho num avião  e segue com ele de trem e perde a baldeção mas arranja um impossível automóvel sobre trilhos para chegarem os dois a tempo de cantarem o Tannembaum, em torno da árvore com maçãs.

Meu pai nunca precisou me ensinar alemão para que eu vencesse o medo de não ser apenas brasileiro e um pouco uruguaio. Ele e seus irmãos nunca precisaram resgatar tesouros para se tornarem mais ricos, porque sempre fizeram eles mesmos os seus tesouros, desprezando e arriscando na aventura toda a riqueza. E eu, depois de tudo, nunca mais precisei saber nada além de estrelas, corações, anjos, flores e sereias...

Os irmãos de meu pai morreram. Meu pai também, depois de ainda ostentar aos oitenta anos seu cachimbo, seu Karmann-Ghia e seus novos projetos. Agora, já poucos se lembram de meu pai e de meus tios em Jaguarão; já ninguém sabe quem foram e o que fizeram aqueles surpreendentes e estranhos alemães que mudaram a fronteira. 

                   

Nas imediações de Coquimbo, cinco barcos corsários continuam afundados, cheios de baús com cinco mil barras de ouro de cinqüenta quilos cada uma – e mais ainda, diz-se, com uma encantada ânfora de prata, capaz de assegurar sorte e paz eternas a quem a encontrar. 

DAS ENDE

Os Alemão
- Sequência  01  02  03  04


© Aldyr Garcia Schlee
Imagens ©Coleção Azevedo Moura e AGS
  
publicado por ardotempo às 02:10 | Comentar | Ler Comentários (4) | Adicionar

Noivas do Brasil


          


Mário Castello - Noivas - Fotografia, São Paulo - 2007
publicado por ardotempo às 01:19 | Comentar | Adicionar

Alain Brugier


















Um fotógrafo, Alain Brugier, apresenta-nos numa série de imagens, suas próprias pesquisas abstratas sobre texturas e cores de um tronco de madeira em decadência, um universo demencial e apocalíptico, no qual o fotógrafo, revestido de provocação e de ironia, vai nos sugerir algo de literatura, como se fôra uma espécie de Dante contemporâneo ou um Marquês de Sade das lentes e dos filtros.

Nas texturas captadas, essencialmente abstratas, não existe absolutamente nada além do documento natural e de suas próprias escolhas, mas apenas as convulsões da natureza, de lentíssimos movimentos fossilizados, que nos sugerem um golpe de imaginação e de fantasia, em cada uma das fotos que ele nos mostra.

Ficamos a olhar, a refletir, a imaginar coisas e a nos emocionar frente a algo imóvel e destituído de vida, há anos.

















Alain Brugier - Fotografias, 2007
publicado por ardotempo às 01:04 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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