Sexta-feira, 04.04.08

Em busca da palavra precisa

O pequeno e assombroso romance de João Paulo Sousa é um livro muito bem escrito.
Por quem sabe, com precisão, dimensionar o poder da palavra. Trata-se de um romance concebido com três protagonistas que giram em torno da procura da
palavra para tentar conjurar a solidão na qual eles trafegam ao longo de toda a narrativa.
Renato, o tradutor (que lida com as palavras alheias), Helena, a jornalista (que busca utilizar as palavras como meio de comunicação) e Isabel, sua irmã, a que trabalha num bar e sabe inferir o significado das palavras ou da ausência dessas palavras.

A palavra como busca de afecto. Se Renato à época, fosse mais arguto (ou estivesse menos preocupado com sua representação), teria percebido a lacuna afectiva
de Helena. A vontade enorme de ligação ao mundo e a incapacidade de o compreender. O desejo de o compreender e a incapacidade de o fruir despreocupada. E a palavra como caminho não concretizado para a salvação.


Sabia então que há uma parte do ser humano que permanece sempre na mais funda solidão e que a incomunicabilidade é um castigo dos deuses por um qualquer atrevimento terreno.

A palavra sincera pode ser um mero desperdício de saliva: – “Não fales.”

É uma história na qual as personagens se entrechocam como átomos imprevisíveis e aleatórios em suas trajetórias solitárias e desesperadas em busca de um equacionamento de uma felicidade presumida e imaginária, que para eles somente estará solucionado no encontro da palavra perfeita, ou do texto perfeito.

As palavras que Isabel libertou: – “O teu corpo é belo como uma mentira piedosa.”

O livro de João Paulo Sousa é um livro precioso, para ser lido, encomendado pela internet, pelos ares e pelos correios desde Portugal ou quem sabe, com mais sorte e felicidade, por uma edição que se faça localmente, em breve.

Livro A Imperfeição – de João Paulo Sousa
Pintura de Carla Osório, óleo sobre tela, 2007















    A IMPERFEIÇÃO

    Autor: João Paulo Sousa
    Editora: Campo das Letras Editores, Porto
    115 páginas, 2001
    ISBN Nº  972-610-480-7
publicado por ardotempo às 19:17 | Comentar | Adicionar

Quando o ser humano deseja fazer o papel de deus

Babaus

E agora essa. Li que duas pessoas recorreram à justiça para impedir que o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear ponha em funcionamento o gigantesco acelerador de partículas que está construindo há 14 anos perto de Genebra, alegando que um dos resultados da colisão de prótons em escala inédita que acontecerá dentro do acelerador pode ser a criação de um buraco negro que engoliria a Terra - e talvez o Universo.

A inauguração do acelerador está marcada para este verão europeu. Por via das dúvidas, enquanto não se resolver a questão, não faça planos para depois de julho.

A colisão dos prótons dentro do super acelerador recriará energias e condições que ocorreram pela primeira (e última) vez na fração de segundo depois do Big Bang que deu origem a, literalmente, tudo. Pesquisadores estudarão os efeitos destes choques atrás de novas pistas sobre a natureza da massa e das forças que formam o Universo. Calcula-se que quase 90 por cento da matéria do Universo é chamada pelos cientistas de “matéria negra” para não precisarem chamá-la de “mistério”, ou de “seja lá o que for”.  Com o novo acelerador se estaria avançando alguns passos importantes nessa escuridão. Mas como as partículas sub-atômicas são notoriamente imprevisíveis, o resultado de mais este exemplo da bisbilhotice humana poderia ser uma grande surpresa, a surpresa final.

Em vez de um Big Bang, teríamos um Big Slurp, que nos chuparia - você, eu e todas as galáxias - para o nada, ou seja lá o que exista do outro lado do buraco.

Quase todos os cientistas ouvidos sobre a questão dizem que não há perigo. Os buracos negros, se aparecerem, serão pequenos (engolindo, presumivelmente, só a Suiça). O alarmismo atual é equiparado ao que acompanhou a construção da bomba atômica em Los Alamos, quando se especulava que uma única explosão nuclear poderia incendiar toda a atmosfera terrestre. E os alarmistas de hoje não parecem merecer muito crédito. Um é espanhol, o outro mora no Havaí, de onde partiu a ação judicial, e nenhum dos dois é físico praticante. Mas o que assusta é que alguns cientistas, inclusive um tal Mangano ligado ao CEPN, não acham a hipótese tão fantástica assim, e o próprio CEPN montou um grupo de avaliação de segurança para rever o projeto antes de ligar o acelerador.

Quer dizer, não quero estragar o dia de ninguém, mas nosso velho Universo pode estar dando suas últimas voltas.

Haverá tempo para uma última especulação, antes de sermos chupados. Talvez o significado de um dos fenômenos mais misteriosos do Universo, o de astros longínquos que desaparecem para dentro de si mesmos, seja que em algum lugar do cosmo os cientistas locais foram curiosos demais, e deram um passo que não era para dar.

© Luis Fernando Verissimo - Publicado no Blog do Noblat - 03.04.2008
publicado por ardotempo às 17:06 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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