Quarta-feira, 30.04.08

Gitanes para Gainsbourg

Texto de Marcos Ordóñez

                                   

A casa da Rue de Verneuil é um mausoléu de veneração popular. Os maços de Gitanes e Gauloises jogados no jardim e os grafittis nos muros atestam que os fãs continuam chegando e o culto não pára de crescer. Sua filha Charlotte quer convertê-la num pequeno museu.
 
No início dos anos 90, cada vez que eu ia a Paris, passava pela casa de Gainsbourg, no nº 5 bis da Rue de Verneuil para deixar um maço de Gauloises (brunes, curtos, sem filtro, como ele gostava) através das grades. Seu refúgio, uma pequena casa de dois andares, com 130 metros quadrados, estava e está no coração de Saint-Germain, muito próxima do Musée D’Orsay, rodeada por um pequeno jardim na lateral da boate Don Camilo. Michel Picoli morava na mesma rua, uns poucos números mais adiante. O último monstro sagrado da música francesa reformou a casa em 1967, num local onde estavam umas antigas cavalariças.



Era um presente imaginado para Brigitte Bardot, seu grande amor impossível, mas BB nunca chegou a colocar seus pés ali. Gunther Sachs, seu marido naquela ocasião, enfureceu-se quando o sujeito mais feio de Paris e a loira mais desejada do mundo, depois de Marilyn Monroe, apaixonaram-se e gravaram juntos a primeira versão de Je t’aime, moi non plus. Sachs conseguiu proibir a distribuição do disco, Brigitte Bardot foi para Almería para rodar o filme Shalako com Sean Connery, e Gainsbourg encerrou-se na Maison Noire, como a chamava a excêntrica e cotadissima Andrée Higgins, que a decorou seguindo as obsessivas indicações de seu proprietário.

Paredes pintadas de negro, teto negro, portas negras com as esquadrias douradas.
Todo o chão fôra substituído por mármore imperial negro, com apenas um grande sofá de couro negro e um brilhante - e negro - piano Steinway de meia cauda. Abria a porta aos que chegavam, um mordomo chamado Mamadou, um negro africano uniformizado totalmente em negro. O local tinha as janelas cuidadosamente vedadas para evitar qualquer luminosidade do dia e parecia a residência de um vampiro, que só pudesse viver e criar em noite perpétua”.

Sem nenhum problema, instalou-se ali no ano seguinte, Jane Birkin, sua nova companheira, e viveram juntos por dez anos, com suas duas filhas, Kate, da primeira relação da atriz com o compositor John Barry e a pequena Charlotte, sua filha com Gainsbourg. Quando Jane o deixou, entrou na Maison Noire, a nova namorada de Gainsbourg, Caroline von Paulus (Bambou), um bela modelo de 20 anos que lhe daria mais um filho, Lulu. No final dos anos oitenta voltou a ficar sozinho, agora por decisão própria. Encontrava-se bem devastado pelo álcool e pelo tabaco, mas seguia trabalhando como um possesso, compondo e gravando canções. Em 1º de março de 1991 encontraram-no morto na cama, com uma parada cardíaca. Faltava um mês para completar 63 anos.

Sem qualquer combinação prévia, os fãs de Gainsbourg converteram o jardim e o muro da Maison Noire da Rue de Verneuil num mausoléu popular em sua memória. As oferendas em maços de cigarros começaram sobre sua tumba no cemitério de Montparnasse e dali seguiram para o jardim da casa. Eu era, pois, um dos muitos que atiravam os maços através das grades. No ano de sua morte ainda estava ali no jardim uma escultura de Claude Lalanne, L’Homme à la tête de chou, em homenagem a uma de suas canções, em bronze azinhavrado em azul pela oxidação. Desapareceu pouco depois sendo substituída pelo azul, esmaecido pela chuva, das centenas, dos milhares de maços de cigarros Gauloises jogados sobre a grama, esse equivalente francês ao perpétuo cigarro Vuelta Abajo que queima indefinidamente nos dedos de bronze de Carlos Gardel, no cemitério de La Chacarita

O muro começo a cobrir-se de grafittis quando Gainsbourg ainda estava vivo. Eram até então insultos antisemitas. A partir de 1991, passaram a ser declarações de amor, jogos de palavras com as letras de suas canções e com desenhos do rosto do artista.

Desde aquele verão, os vizinhos tentaram repintar o muro de maneira neutra inúmeras vezes mas foi inútil: em poucos dias o muro voltava a estar totalmente coberto de inscrições. Os fãs continuam chegando porque o culto não pára de crescer. Eles vêm de qualquer canto da França mas também de Londres, de Nova York, de Tóquio. E Charlotte Gainsbourg segue empenhada em converter a Maison Noire num museu em sua memória.

 “Ali cada objeto tinha um lugar fixo e preciso. Ninguém podia mudá-los de lugar. As capas originais dos discos, as fotos e mais fotos, as coleções de placas policiais. Desenhos de Paul Klee e pinturas de Salvador Dali. A partitura original da Marseillaise, manuscrita por Rouget de Lisle.”

Há quinze anos Charlotte acalenta o projeto. Primeiro com Jack Lang, depois com Jacques Toubon. Em setembro de 2006, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoé, e o ministro da Cultura francês, Donnedieu de Vabres, acordaram qualificar a casa de Gainsbourg como “monumento histórico” e encarregaram a direção do futuro museu a Jean Nouvel. Não é um projeto singelo. Os visitantes só poderão entrar em pequenos grupos,  apenas cinco de cada vez por causa da exigüidade do espaço e temem-se os roubos e o vandalismo.
 
Serge Gainsbourg e Jane Birkin cantam “Elisa”. Veja aqui.


Texto de Marcos Ordóñez, de Paris  para El País – em  19.04. 2008
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Terça-feira, 29.04.08

Poema de Maria Carpi

De A Força de não ter Força


                              Eu a canga e o amor o brilho.                              
Eu a pedra e o amor a gema.
Eu o gemido e o amor o canto.

 
Eu o transido e o amor o vento.
Eu grão-podrido do amor arvoredo.
Eu as cinzas, os senões

 
de seu alento alteando-se chama.
Eu ao meio, a pedaços e farpas,
pondo-me inteira a sua agulha,
 

a seu amálgama de suor e sal,
que meu sabor é sabê-lo
e meu saber é saboreá-lo.






© Maria Carpi, A Força de não ter Força - Editora Bertrand Brasil, 2004
Escultura de Gonzaga - A Noite, 1989
 
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Pintura

Pierre Soulages


                                                              


Pierre Soulages - Pintura, acrílica sobre tela, 1971
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Segunda-feira, 28.04.08

Não há Prêmio Nobel para música nem para pintura...

Glenn Gould





















Glenn Gould, tocando as Goldberg Variations 1-7, de Bach. Veja aqui
Melencolia I (detalhe) - Gravura de Albrecht Dürer, 1514
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Mãos da terra - 06

"Anjo barroco"

                            


Peça de artesanato popular, em madeira esculpida, dourada e policromada -
Anônimo
, Minas Gerais.


© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
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Contemporâneos em catedrais góticas

Vitrais com desenhos contemporâneos


                                               

As naves das igrejas góticas são as mesmas mas a luz que as banha não será mais a mesma, pelo menos por enquanto. Artistas contemporâneos têm redesenhado os vitrais de algumas destas antigas catedrais na Europa, o que têm gerado novas leituras e diferentes percepções destes renovados espaços sagrados.

Agora foi a vez da Igreja de St.-Martin-in-the Fields, em Londres, que foi reaberta ao público freqüentador dos eventos religiosos, nesta semana, após uma minuciosa restauração do templo, que tem a reputação de ser conhecida como "a igreja branca".

Os vitrais foram concebidos agora em vidros claros, translúcidos e sem a cor que os caracterizou por séculos, anteriormente, e opacos, após uma sofrível  restauração efetivada  nos danos ocasionados pelos bombardeios, durante a 2ª Guerra Mundial na capital britânica.

A idéia dos vidros transparentes e do desenho da "cruz n'água" foi da artista  contemporânea iraniana Shiraz Houshiary, finalista do prestigiado Prêmio Turner de Arte Contemporânea.

Mas não se trata de uma idéia original, uma vez que
os artistas franceses Pierre Soulages (na Abadia de Conques, em Aveyron, França - ao lado) e Jean-Pierre Raynaud (na Igreja da Abadia de Noirlac, igualmente na França - abaixo) tinham já concebido em 1996, soluções abstratas e sintéticas, com igual aproveitamento da luz filtrada clara e resultados estéticos bem similares.



                            

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Keith Haring






















Keith Haring - Sem título - Pintura, acrílica sobre chapa de vinil
em grande formato,1981
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Domingo, 27.04.08

Aforismo Borgesiano - 16

Beleza

                                


Nosso destino individual está, nesses tempos, nas mãos de insensatos.
O consolo é que, felizmente, em meio a tanta insensatez, em meio a tanto disparate, existe gente que continua pintando ou esculpindo, que segue escrevendo ou sonhando; ou seja, produzindo beleza. Que misteriosa é a beleza!


©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina

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Pintura de PEDRO CALAPEZ






















Pedro Calapez - Quarto Interior 01, Pintura, acrílica sobre tela, 1994

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Zuenir fala de 68, do poder, das novas tribos…

Entrevista de Rodrigo de Almeida (JB) com o jornalista Zuenir Ventura

É do jornalista Zuenir Ventura uma das mais fascinantes reconstituições do que ocorreu no Brasil em 1968. Do desbunde às lutas políticas, das paixões libertárias aos dramas soturnos, dos relatos sublinhados pela história oficial aos detalhes daqueles personagens, nada escapou ao olhar arguto de Zuenir em 1968: o ano que não terminou, publicado em 1988.

Vinte anos depois daquele livro, 40 anos depois do interminável 1968 e um tanto de experiência a mais, sem abdicar da inquietação jornalística juvenil, Zuenir retoma o tema e publica, pela editora Planeta, 1968: o que fizemos de nós.

O título é preciso: mais do que uma reportagem sobre aquele ano revisto hoje, trata-se de um diálogo entre duas gerações. Passado e presente se unem e se confrontam nas diferenças não só dos jovens de ontem e de hoje, como também de jovens que se transformaram em senhores e senhoras.

JB: Um livro sobre 68 corre o risco de exibir um excesso de saudosismo em relação àquela geração e um excesso de crítica frente à atual. No seu livro, a crítica parece ser mútua. Muitos dos personagens ouvidos revelam certo desencanto sobre o que poderiam ter sido e o impacto daquelas idéias nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, há uma análise dura sobre a perda das utopias, da esperança, da crença no futuro. Você compartilha desse desencanto?

Zuenir Ventura: Procurei ser eqüidistante exatamente por esse risco. Em geral, a visão sobre 68 e mesmo sobre hoje costuma ser muito maniqueísta. Há o risco da apologia e da negação. Em geral, os jovens sofrem o risco de serem rejeitados. Com 68 foi assim e com hoje também é. Há uma tendência a rejeitar o impacto de uma coisa nova. A diferença é que em 68 a resposta era muito agressiva. Dizia-se: "Não confie em ninguém com mais de 30 anos".

Mas não acho que haja desencanto. Por natureza, não tenho olhar desencantado, mesmo em relação a hoje, que vivemos tempos difíceis. Costumo dizer que é tão fácil ser pessimista que sou otimista. Há, nas duas gerações, coisas interessantes e coisas críticas. Como Narciso, achamos feio o que não é espelho. Mas o depoimento do psicanalista João Batista Ferreira e a conversa que tive com muitos jovens me ajudaram a ter um olhar mais generoso.

JB: Se era para não confiar em ninguém com mais de 30 anos, hoje esses personagens não são confiáveis...

ZV: Quarenta anos pesam em qualquer história, em qualquer biografia. Eu me surpreendi ao entrevistar as três meninas (Maria Lúcia Dahl, Maria Clara Mariani e Marília Carneiro). Todas pareciam revolucionárias e hoje são avós! Quarenta anos deixam você mais conservador. O estranhamento com o mundo das novidades é muito grande. Quando vou a uma festa rave não escondo minha perplexidade diante das coisas que não estou preparado para perceber em termos de comportamento. Não quero bancar o jovem. Por sabedoria, temos de procurar entendê-lo, e não o contrário.

JB: Que mudanças você identifica entre a geração de 68 e a de hoje?

ZV: Os jovens de hoje são mais individualistas. O mundo mudou muito, até o conceito de geração mudou. Hoje não há geração, há tribo. Os jovens integram a fragmentação do mundo e, por isso, são voltados para seus interesses, seus desejos. Não têm nenhum apego ideológico, não há interesse na política. Falo isso sem juízo de valor. Mas não é do projeto deles. Aliás, não têm projeto, como havia um em 68. Dizia-se: "Quero um mundo novo".

Numa festa rave você se depara com a busca agônica do paroxismo, de vertigem, de êxtase. Ou do ecstasy. Tudo isso é muito diferente em relação àquela geração de 68. O fato é que hoje não há muita razão para ter um projeto, uma vez que se vive num mundo muito inseguro. Como pensar no futuro se não se sabe nem se o planeta terá futuro? Além do desapego e de um amor ao acaso provisório, os jovens de hoje não olham mais para o passado com a nostalgia do não vivido. Não há saudosismo, o que é positivo.

JB: Você cita o filósofo Francisco Ortega, para quem as utopias corporais substituíram as sociais. Ou seja, lida-se com o corpo, mas sem a transgressão.

ZV:  Exatamente. Aquele momento foi o início do hedonismo, da preocupação de se voltar para o corpo. Mas era tudo muito incipiente. Hoje radicalizou. O tabu saiu da cama e foi para a mesa. Há aquilo que eu chamo no livro de degeneração, que é a pior herança: as drogas. Havia em 68 uma utopia ingênua, em que as drogas permitiriam uma abertura de consciência.

Quarenta anos depois sabemos que não é bem assim. A verdade é que a droga não tem a menor graça. Ou melhor, graça tem, porque é prazer e esse é o grande perigo. Por isso é tão difícil lidar com ela. O combate é o mais desastrado possível. É o combate pela polícia, pela criminalização do usuário. Essa é a mesma política de 68. É a herança maldita.

JB: Você ressalta a existência hoje de um "inventário negativo". Por que a tentativa de mostrar que aquele ano definitivamente acabou?

ZV: A presença desse inventário negativo é muito forte e não só aqui. Aliás, mais do que no Brasil isso ocorre na França. Primeiro o ex-agitador Daniel Cohn-Bendit é acusado de pedofilia. Depois vem o presidente francês Nicolas Sarcozy dizendo que 68 tem de acabar. A campanha se radicalizou. Depois da indulgência plenária desses anos todos, parece ter chegado a hora da desforra: "Vamos acabar com 68". Temos hoje um olhar sobre 68 tão maniqueísta quanto tínhamos em 68. Temos a tendência de culpar 68 por tudo de ruim: a permissividade, a descrença nos valores, a anomia... E esse olhar é tão errado quanto naquela época, quando se achava que se estava do lado do bem e todo o resto era do mal.

Varrer 68 do mapa não é a melhor maneira de rever tudo. A ditadura militar sempre tentou enterrar 68. Mas ocorreu o fenômeno que a psicanálise explica muito bem: o retorno do recalcado. É um mistério como 68 sobrevive no imaginário das pessoas.

JB: No livro, o sociólogo César Benjamim diz: "Se continuamos interessados em 1968 é porque o que então ocorreu ainda nos tem a dizer sobre o futuro".

ZV: Está certíssimo. Como ele diz, 68 ainda tem muito que dizer. Avançou-se muito, sobretudo em comportamento. Talvez tenha ido longe demais, e é difícil digerir todas aquelas novidades, invenções, descobertas. Leva tempo. Como receber essa herança é a grande questão.

No primeiro livro sobre 68, usei como epígrafe uma frase do Mário de Andrade, sobre a geração dele: "Não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição". Portanto, há muitas lições. Uma delas é em relação ao voluntarismo. "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Não é bem assim. Outra lição é que a democracia é um valor universal.

JB: Você ou os personagens falam do desapego das ideologias, do esvaziamento da ação política. Mas esse esvaziamento ocorre justamente quando vemos, no poder, egressos daquela geração.

ZV: É verdade, é um paradoxo. Temos 68 no poder. O Fernando Henrique reivindica para o governo dele certos princípios de 68. Olha-se para o governo Lula e se vê que, em volta dele, há muitos personagens de 68. Se 68 não chegou à Presidência da República, pode-se dizer que chegou ao poder. Aliás, o conceito de geração ali não era por idade, mas por afinidade. Havia várias gerações. Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto, Hélio Pellegrino, todos eram geração 68. Isso é curioso porque revela que 68 é mais plural do que pensamos. Não foi uma geração de esquerda. Essa impressão se deve pelo fato de o PT ter sido o partido que mais condensou os princípios de 68, como a paixão pela coisa pública e ética. Achávamos que o PT era o partido de 68. Nunca fui vinculado a nenhum partido, nem em 68. Mas a minha simpatia pelo PT era pela ética. Mas de uns tempos para cá os escândalos sempre têm alguém do PT. Essa transição para o poder foi chocante.

JB: Você falou do abalo da dimensão ética, mas há também o questionamento das utopias.

ZV: Diz-se que a utopia acabou. O fato é que a utopia social caiu em si. Sabemos que não se pode fazer a transformação daquele jeito que imaginávamos em 68. Não pela via da revolução. Mas não acho que o sonho tenha acabado. Se perdermos a capacidade de sonhar, aquele sonho que o Freud associa a desejo, estamos perdidos. Acaba nossa razão de ser. De que maneira sonhar? Com a mudança, com o desejo de melhoria de sua vida, de sua cidade, de seu país. Isso é inseparável da história do homem. Há uma corrente pós-moderna do ceticismo, do cinismo, segundo a qual a utopia, a esperança e a solidariedade seriam sentimentos decadentes. Acho que não. São valores permanentes.

JB: Você só aparece em um ou outro episódio ou no subtexto. Por quê?

ZV: Minha participação em 68 foi de testemunha, de repórter. Nós, jornalistas, somos testemunhas do nosso tempo. Então, muito mais interessante do que eu falar seria dar voz aos outros. Eu não tive importância. Se tive um papel, foi de testemunha.


Entrevista concedida a Rodrigo de Almeida – publicado no JB Online – 27.04.2008
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José Saramago

Exposição




















A Consistência dos Sonhos, exposição de documentos originais, manuscritos, apontamentos, anotações, livros e imagens da memória, do escritor José Saramago
- na Galeria de Pintura do Rei D. Luis, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. 

Veja aqui

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Conto-crônica (inédito) de Mariana Ianelli

Mariana Ianelli

                      
                   
Já estivemos entre os primeiros da fila, pelo menos, é o que consta nos
registros. Havia muito o que perder naquele tempo, mas quem sabia disso?
Ninguém sabia.

"Naquele tempo" é o que dizemos quando a simples missão de
atravessar a rua se tornou um verdadeiro sacrifício, ou quando o espelho do
banheiro converteu-se na vitrine de um museu pessoal de arqueologias.

Continuamos na fila depois de dar a meia-volta e lentamente vamos chegando à
outra ponta, vencidos por um par de sapatos velhos, uma cirrose e o espanto
de uma agenda telefônica cada vez mais defasada e fictícia. Nossos antigos
colegas de classe bem poderiam ter permanecido naqueles bancos caquéticos,
decorando o teorema de Tales, o futuro do pretérito, a Questão das
Investiduras ou a estrutura molecular dos polímeros. Mas não.

Existe sempre um mensageiro do sinistro que vem, não se sabe de onde,
só para dizer que Ana, vocês se lembram de Ana, a campeã dos torneios
de basquete?, pois então, nas últimas férias de julho ela voltava de uma viagem
com a família, à noite, pela via expressa, quando um caminhão desgovernado
simplesmente; e o Gordo, vocês se lembram dele?, pois não foi que o coitado teve
um surto, sozinho num sítio lá onde o mundo faz a curva e, sabem como é,
de repente o desespero, o vazio por todo lado, a ronda do caipora, as ratazanas, as serpentes, o mato gritando noite adentro e aquela irresistível espingarda na parede.

De quando em quando também chegam notícias dos que deram certo e
conservaram os dentes fortes, a cabeça razoavelmente lúcida e o sangue,
apesar dos pesares, limpo. Entre eles, o Toninho, que nós já desconfiávamos,
finalmente ali, na capa de uma revista, com seu rosto lânguido de Psiquê
enrolado num manto de caxemira; ou ainda, as famosas pernas do colégio, que
de um dia para o outro começaram a desfilar pelos corredores de uma clínica
de estética, atendendo a madames e falsas atrizes.

Assim vamos passando, nós, esses pequenos montes de areia engarrafados
no funil de uma ampulheta depois de amanhã mais cheia embaixo do que em cima.

Com os pés enfiados nos chinelos, vamos até a mesa da cozinha e invadimos as novas páginas da História para ver quem são agora os vanguardistas, os milhões de meninos e
meninas se acotovelando no início da fila. São eles que nos empurram
adiante, que sacodem o rabo da salamandra, estas crianças de mãozinhas
estendidas, cheias de barro e de fuligem, estas caras alarmadas, esculpidas
pela fome e estas patas mansas de filhotes instruídos pela hedionda
estupidez televisiva.

E nós amamos, nós aprendemos a amar uma geração nascida da loucura e do sublime,
que ainda insiste na esperança, quem sabe se por ignorância ou por delírio, e que
oferece à roleta do jogo a própria vida, como antes nós arriscamos e perdemos a nossa aposta em um Deus impossível.


                                 



© Mariana Ianelli, 2008
publicado por ardotempo às 00:23 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Sábado, 26.04.08

Caipirinha da Estrela

Receita-requinte do mestre Mauro Holanda

                                   

Ingredientes:

40 ml de aguardente (cachaça mineira), ou de vodka (russa, polonesa ou sueca)
3 morangos cortados em fatias
2 cerejas maduras, com os respectivos cabos
2 amoras
4 framboesas
1 carambola cortada em fatias transversais, em formato de estrelas
2 colheres pequenas de açúcar
gelo picado,

Num copo grande e de boca larga, colocar os morangos, as amoras, as framboesas
e o açúcar. Pressionar muito suavemente com o amassador, sem destruir
por completo as frutas.
Acrescentar a cachaça (ou a vodka) e o gelo picado.
Colocar 3 fatias de estrelas de carambola e as duas cerejas.
Mexer bem no próprio copo.
Servir com um canudinho.

© Mauro Holanda
Foto de Mauro Holanda
publicado por ardotempo às 18:20 | Comentar | Adicionar

Cavalo

Coleção


                          


C
om o pensamento ordenado pelo bom-senso, dentro da economia em que viviam e o olhar voltado para as necessidades imediatas, para o núcleo familiar e para a sua comunidade, os imigrantes desenharam os seus artefatos, os objetos, as ferramentas, os utensílios, os brinquedos para suas crianças e os enfeites e adornos para as suas festas
(cerimônias religiosas, casamentos, etc.).

Esse comportamento foi fruto da necessidade, de uma emergência para sobreviver, conseguir trabalhar, construir uma cultura local, integrar-se e constituir núcleos comunitários vivos e atuantes onde fosse possível produzir alguma coisa, gerar proteção e riqueza, estabelecer vínculos e resgatar as tradições de sua memória.

Os objetos desenhados e executados (em madeira, ferro, ligas de metais, cerâmica e porcelana) são os vestígios e os documentos materiais de uma saga onde os protagonistas anônimos modificaram a trajetória de seus destinos e nos legaram a beleza de suas pequenas peças, singelas potencializadoras de esforços coletivos, em que não está ausente a força de suas individualidades criativas.


Brinquedo artesanal - Madeira maciça (procedência: imigração alemã) - circa 1920
© Coleção Azevedo Moura - Desenho Anônimo
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Sexta-feira, 25.04.08

Laure Limongi falará em São Paulo


                          


A poeta, romancista, editora e blogueira francesa Laure Limongi vai falar sobre "A importância e a diversidade da produção literária pela WEB", na Livraria Martins Fontes Paulista (Avenida Paulista 509 - loja 17 - SP. Tel: 11-2167-9900). O evento é realizado pelo Bureau do Livro da Embaixada da França e pela Livraria Martins Fontes, e ocorre na terça-feira, 29 de abril, às 19h30.

Participam também o poeta Edson Cruz e seu parceiro webpoeta Pipol, criadores e editores do portal Cronópios, o poeta Cláudio Willer, criador e animador da revista literária eletrônica Agulha, o escritor e blogueiro Marcelino Freire e a poeta carioca Solange Rebuzzi, coordenadora do Café Letrado da Maison de France, no Rio de Janeiro.


Andy Warhol - Double Elvis - Acrílica e serigrafia sobre tela, 1964
publicado por ardotempo às 23:20 | Comentar | Adicionar

Mãos da terra - 05

Bailarina clássica

                                      
                                   


Peça de artesanato popular, em madeira esculpida e policromada -
Anônimo
, Pernambuco.


© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro


publicado por ardotempo às 20:50 | Comentar | Adicionar

Maio 68

Esquecer o Maio para o Maio não morrer


Durante algumas semanas, Dany "Le Rouge", o libertário, foi para o Ministério do Interior da França, o "judeu alemão" e para o PCF, o "anarquista alemão".

Hoje permanece inclassificável, com atitudes
que desagradam à esquerda e à direita.
Em 2001, a defesa pública da intervenção armada
anti-taliban retirar-lhe-ia a simpatia política de muitos dos antigos correligionários e desacreditá-lo-ia junto daqueles que jamais aceitarão o mais pequeno pacto com o arquivilão americano.

A leitura que Daniel Cohn-Bendit (DC-B) tem
vindo a fazer do Maio de 68 e do seu rastro tem
alargado ainda mais o círculo da rejeição.

Em Forget 68, um pequeno livro das Éditions de l’Aube que transcreve uma conversa mantida com o jornalista Stéphane Paoli e o sociólogo Jean Viard, DC-B indica aquelas que considera serem as duas grandes incompreensões mantidas a propósito do significado do movimento. A primeira, afirma, "é a de Sarkozy e da direita, para quem todos os males da França de hoje derivam de 68", a segunda residirá "nessa fábula da extrema-esquerda para quem concluir 68 se mantém na ordem do dia".


Contra a depreciação ou o maravilhamento, admite a derrota política do Maio, mas destaca a sua vitória a longo prazo, determinada principalmente pelo impacto das ideias e das vivências que o acompanharam.

Deve dizer-se que DC-B não partilha com muitos dos seus contemporâneos de uma visão nostálgica do movimento do qual continua a ser o rosto mais visível. E faz questão de afirmá-lo. Sublinha sempre o seu carácter episódico, datado, e a sua manifesta incapacidade para produzir na sociedade francesa uma qualquer ruptura de carácter revolucionário.


Destaca também a sua inclusão na vaga de revolta que cruzou uma grande parte do planeta nos anos 60, representando um dos seus mais importantes momentos. Mas sublinha principalmente a sua dimensão simbólica como instante no decorrer do qual passaram para primeiro plano práticas e propostas que questionaram a ordem política e moral da burguesia, ao mesmo tempo que revelavam a inadequação das ortodoxias da esquerda a um universo social emergente.

Nesta direcção, pode aproximar-se parcialmente a posição de DC-B da expressa logo em 1970 por António José Saraiva, para quem, em Maio e a Crise da Civilização Burguesa, os acontecimentos de 68 teriam sido "obra de uma mudança espiritual". Mas, tal como o fez recentemente a americana Kristin Ross em May’68 And Its Afterlives, recusa também a leitura inócua de um Maio puramente festivo, reconhecendo-o sem equívocos como momento de aproximação das esperanças e da contestação dos intelectuais à luta dos trabalhadores e dos sectores anticolonialistas e anti-imperialistas que se incorporaram no movimento.


Diversamente de Ross, porém, DC-B considera-o também como momento dotado de um significado simbólico que o tempo ampliou, acabando por ganhar vida própria ao materializar uma espécie de vitória a longo prazo, e de desforra, da geração derrotada pela polícia e pelos gaullistas nas ruas de Paris.

Propõe esquecer 68, mas apenas na medida em que a excessiva e recorrente lembrança tem servido para que os seus inimigos "em diferido"  lhe atribuam um sentido perverso. E para que os seus partidários passadistas se não continuem a servir da sua memória oficial como obstáculo ao lançamento desse esforço de "recomposição do pensamento", associado "a uma exigência de liberdade e de autonomia tanto colectivas quanto individuais" , que se revela hoje indispensável, como um desafio, na procura de soluções para os ventos de mudança que varrem um mundo radicalmente outro.

Não se encontrará nada de substancialmente novo nem de particularmente original neste pequeno livro. Mas o discurso enérgico que percorre Forget 68 ajudará a pensar o Maio francês, o seu tempo e a sua posteridade sob perspectivas que não sejam a da rejeição liminar sugerida pelas palavras de Sarkozy, ou a da nostalgia de um mundo carregado como um fardo por todos esses soixante-huitiards que num dado momento das suas vidas deixaram de dar corda aos relógios. Esquecer para, talvez, melhor lembrar.


Publicado no Blog Os Livros Ardem Mal - 20.04.2008

publicado por ardotempo às 19:12 | Comentar | Adicionar

Yves Klein


                                     
                                 

Yves Klein - Pintura, óleo sobre tela colada em madeira, texturas,
pigmento azul yves klein e pedras, s/data

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Recomendado: Paris não tem fim

Enrique Vila-Matas

O autor de outros notáveis romances (Bartlebly e companhia, A viagem vertical
e O mal de Montano) escreve e estrutura um saboroso texto sobre a memória da construção de um anterior romance, no contexto do cenário parisiense dos anos setenta, de suas ruas, em locais e com personagens conhecidos, percorrendo citações de outros autores, realinhando suas influências e suas escolhas, num livro que vale a pena ser lido.















  PARIS NÃO TEM FIM

  © Enrique Vila-Matas
  Romance, 242 páginas, 2007
  Editora: Cosac Naify
  Nº ISBN 978-85-7503-682-2
publicado por ardotempo às 12:46 | Comentar | Adicionar

As poetas


As poetas no Brasil por algum motivo insondável e misterioso recusam,
com estardalhaço e algum destempero, serem chamadas de poetisas -
exigem a condição definitiva de tratadas simplesmente de poetas... e pronto!

Eu creio que é porque devem existir também os que seriam classificados como
poetisos, não é mesmo...?

Acho que até conheço um poetiso, um que publica periodicamente em jornais...

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publicado por ardotempo às 12:31 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 24.04.08

Aforismo Borgesiano – 15

Pátria

                              


A pátria é um ato de fé.
De outra maneira não sei como se pode definir.
Nas sociedades mais evoluídas “pátria” vem do conceito de pai,
embora eu acredite que a mãe é mais importante que o pai.
A maternidade é evidente, a paternidade não.

Talvez se devesse dizer “mátria”.


©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires  Argentina
publicado por ardotempo às 21:54 | Comentar | Adicionar

a fenda










Extraido do conto © A caverna - Alfredo Aquino, A Fenda - Iluminuras, 2007
publicado por ardotempo às 15:08 | Comentar | Adicionar

Lucio Fontana


                                     


Lucio Fontana - Conceito Espacial - Pintura, óleo sobre tela com corte vertical, 1986
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publicado por ardotempo às 03:51 | Comentar | Adicionar

Conto Carta de Ignácio de Loyola Brandão


Treze bilhetes fundamentais





1

Adriano, meu amor
Por quê...?
Beijos
Lu

2

Adriano, meu querido,
Você não me ama mais.
Beijos
Lu

3

Querido,
Você não me deseja mais.
Beijos
Lu

4

Querido,
Você não me quer mais.
Beijos
Lu

5

Querido,
Você não me suporta mais.
Beijos
Lu

6

Querido,
Você não pensa mais em mim.
Beijos
Lu

7

Querido,
Você não me trai mais.
O que houve?
Beijos
Lu

8

Querido,
Você não tem saudades
do meu suor salgado?
Beijos
Lu

9

Querido,
Você não tem mais vontade de me algemar
ao pé da mesa de cozinha?
Beijos
Lu

10

Querido,
Quer que eu me mate?
Beijos
Lu

11
Querido
Sabe que contratei um assassino?
Beijos
Lu

12

Querido
Não tenho coragem de te matar.
Prefiro me embriagar, cheirar pó,
sair dando tiros como uma serial killer,
sair dando para todo mundo menos para você,
mas que saiba que estou dando.
Beijos
Lu

13

Querida Lu,
Viu?
Você não vai mais dar para ninguém.
Beijos
Adriano





© Ignácio de Loyola Brandão - Cartas, Iluminuras - 2005
publicado por ardotempo às 03:24 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Lucian Freud


                             

Lucian Freud - Naked Man, Pintura - Óleo sobre tela, 1992
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publicado por ardotempo às 00:45 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Quarta-feira, 23.04.08

Ver mais

                          
                   

Sobre Borges, ao contrário, nós dois cada dia sabíamos mais, eu, sobretudo, que tardara muito em descobri-lo mas agora não parava de lê-lo e de achar idéias em seus textos.
 
O assombroso e criativo parasitismo de Pierre Menard, por exemplo, com sua réplica exata porém distinta do Quixote, que se podia resumir assim: se eu escrevo uma coisa que você já escreveu, é o mesmo, mas já não é o mesmo.

O memorioso Funes, as hábeis falsificações de obras de arte, o ser em outros
(que Pessoa diria), a crença de que “talvez todos saibamos profundamente que somos imortais”, o aleph e a suspeita de que a poesia possa ser o nome esquivo do mundo.

Se até então eu vira fotografias de pessoas ou de lugares que em algumas ocasiões acabava vendo DE VERDADE, esse conto de Borges sobre um aleph significou um avanço em minha visão de mundo, pois vi que não somente se podiam ver DE VERDADE certas pessoas ou lugares como, além do mais, existia a possibilidade – chamemo-la de assombro – de ver mais.


Extraído de Paris não tem fimEnrique Vila-Matas, CosacNaify, 2007
publicado por ardotempo às 19:13 | Comentar | Adicionar

Paris, Ashbery

Depois de viver em Paris, uma pessoa fica incapacitada para viver em qualquer lugar,
inclusive em Paris” – John Ashbery

                                   



Extraído de
Paris não tem fimEnrique Vila-Matas, CosacNaify, 2007
publicado por ardotempo às 18:54 | Comentar | Adicionar

O poder da fé

Uma aventura de fantasia, com final trágico.

Um padre do Paraná, de nome Adelir de Carli, protagonizou uma maluquice de imprudências continuadas e de altíssimo risco, acompanhado por centenas de pessoas que o incentivaram irresponsavelmente no solo e não impediram sua loucura de final prevísivel.

Deixar-se alçar por mil balões de festa cheios de gás hélio, sem nenhum controle de navegação, sem absolutamente nenhuma tecnologia moderna e alheio a quaisquer orientações meteorológicas e conhecimentos dos ventos. Isso em pleno século XXI, repetindo aventuras rocambolescas e imprudentes de fantasiosas imaginações de contos infantis do século XIX.

Nos quadrinhos e nas histórias infantis essas coisas podem até dar certo.

A intenção do padre maluco era de decolar à deriva, no seu artefato improvisado e amador  desde o litoral, superando o alto obstáculo da grande serra litorânea que cria fortes correntes de vento em direção ao oceano, alcançando o cimo das nuvens, já no espaço aéreo das rotas dos grandes aviões e dali, provavelmente à força de sua fé poderosa e das orações de seus admiradores em terra, seguir direta e precisamente na direção de uma distante cidade a 200 km no oeste do Brasil.

Sem nenhum equipamento de orientação, sem controles tecnológicos, sem máscara e  suprimento de oxigênio, sem roupas térmicas adequadas, sem proteção de paraquedas, vestindo um patético macacão prateado de fantasia de astronauta e um capacete vermelho de motoqueiro, com uma pequena bolsa a tiracolo contendo barrinhas de cereais, uma garrafinha de água e…com um apito pendurado ao pescoço!

Isso num dia de mau tempo, sob chuva, com densas e perigosas nuvens de tempestades, carregadas de água e eletricidade e ventanias de tufão.

O padre partiu em missão aérea com sua poderosa e irremovível fé religiosa, num dia em que os vôos de pequenas aeronaves estavam cancelados. Tudo para apoiar uma improvável Pastoral Rodoviária, em benefício dos caminhoneiros das estradas brasileiras, lastreado numa sua experiência anterior de aventureiro como alpinista nas montanhas!

O padre maluco decolou ao sabor dos intensos ventos que sopravam em direção ao oceano, cruzou a barreira das nuvens, alcançou rapidamente 5.800 metros de altitude, invadiu o espaço aéreo dos jatos, flutuou desembestado em direção ao alto mar, a leste, no Oceano Atlântico e como um ícaro felliniano, precipitou-se tragicamente sobre as águas.

A  natureza, com sua força descomunal, mostrou-se profundamente insensível ao volume impressionante de orações que os fiéis fervorosos e concentrados em terra, dedicaram ao intrépido padre voador.

publicado por ardotempo às 15:17 | Comentar | Adicionar
Segunda-feira, 21.04.08

Mãos da terra - 04

Sapo

               

Peça de artesanato popular, em madeira maciça esculpida, de grande formato
 - Anônimo,  Minas Gerais.

© Mãos da Terra - Mostra de artesanato popular brasileiro
publicado por ardotempo às 23:22 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Relevo de JAN VOSS

                                   
                                                                

Jan Voss – Relevo escultórico de parede policromado, em técnica mista
e materiais diversos: madeiras, chapas laminadas e plásticos, 2000

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publicado por ardotempo às 17:17 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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