Quinta-feira, 20.03.08

"O romance está morto", avisa Tom Wolfe


O inventor do Neo-Jornalismo, um estilo surgido a partir de um bloco de anotações de repórter publicado exatamente como fora escrito, segundo conta a lenda, reconheceu que seus livros de não-ficção são mais importantes do que os seus romances. Com sua estampa de dândi, o agora rico e famoso escritor, falou o pior contra Norman Mailer,
seu arquinimigo e disse que este “não sabia escutar”.
O autor de A Fogueira das Vaidades diz que somente os livros que misturam ficção e realidade têm futuro.


Entrevista concedida a Andrés Hax
(El Clarin  - Buenos Aires, março 2008)


Mailer está morto!  John Updike não escreveu nada que valha a pena ler desde que Ronald Reagan foi presidente dos Estados Unidos! Roth? Bem, sim, é prolífico como sempre… mas já não estará algo cansado de Zuckerman, seu alterego pusilânime, e confortado por sua vida cômoda que chega ao final? Salinger? Está mais escondido que Bin Laden. Pynchon? OK, este sim. Segue atuando na linha de frente mas seria mais fácil conseguir uma entrevista com Elvis (Presley) do que com o autor paranóico de Arco íris da Gravidade.” – diz Tom Wolfe.
Dos grandes escritores norte-americanos vivos que traçam sua linhagem desde Melville e Twain, desde London e Dos Passos, desde Hemingway e Faulkner, e até Truman Capote e Hunter S. Thompson, quem ainda está presente no centro do ringue, lutando bravamente na busca do Grande Prêmio – mais elusivo do que Moby Dick, a Grande Baleia Branca que arrastou para o abismo a Ahab e toda a sua tripulação -: O Grande Romace Norte Americano? Quem, perguntará você? Há uma resposta: Tom Wolfe.

Leia a íntegra da  entrevista de Tom Wolfe a Andrés Hax, de El Clarín. Em espanhol.

É divertida, provocativa, hedonista, exagerada e traz a curiosa finalidade de promover o novo romance de Tom Wolfe, com a dramática afirmativa pelo autor de que “o romance está morto”. Já mataram o romance antes, noutra  ocasião e em outro lugar, aparentemente ele ressuscitou sem ruídos e sem avisar a ninguém, pelas idéias e palavras de muitos que continuam a escrever com qualidade… O mesmo obituário, proferido de maneira definitiva, ocorre com freqüência para a Arte, para a Pintura, a Escultura, a Poesia,  o Cinema, o Teatro… mas os autores e artistas, que não morreram e não prestaram a devida continência a esses alertas, continuam produzindo e conseguindo a atenção de uns tantos outros, milhares de leitores e interessados em arte, igualmente distraídos que não se deram conta desse cemitério movediço, abrangente, dinâmico e em expansão. 
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Fernand Léger - Escultor



Fernand Léger
- Escultura em cerâmica policromada com tintas industriais, queimada em forno de alta temperatura.
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Quarta-feira, 19.03.08

Aforismo Borgesiano - 07

Espelhos




















“ Quando era pequeno, tinha medo dos espelhos. O meu temor era que a imagem refletida se movesse sozinha, ou por exemplo, que meu corpo fizesse coisas que eu não lhe estivesse ordenando.”

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal - Emecê Editores Buenos Aires – Argentina
Pintura de René Magritte, Ligações Perigosas, 1926
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Pintura de SEAN SCULLY



















Sean Scully
é um pintor contemporâneo de talento, reconhecimento e maior sucesso. Irlandês, teve que se exilar de seu país de origem por motivos religiosos, assunto em que se tratando de Irlanda, significa igualmente motivação política. Inicialmente esteve durante um período morando e trabalhando em Paris e atualmente vive nos Estados Unidos, tendo se naturalizado norte-americano.

Sean Scully - "Red Durango", pintura / óleo sobre tela, 1991
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Terça-feira, 18.03.08

O gato do Gullar

Ferreira Gullar tem um gato...



A fala do gato

O gato siamês
tem uns vinte miados:
alguns são suaves,
outros exaltados;
há os miados graves
e há os engasgados.

É quase um idioma
que ainda não entendo
mas o gato bem sabe
o que está dizendo.

E até falou comigo
em linguagem de gente.
Disse: "meu amigo",
assim de repente.

Então eu acordei
feliz e contente!
Era sonho, claro.
Mas, como se sabe,
é no sonho que ocorre
o que se deseja
e no mundo não cabe.








  UM GATO CHAMADO GATINHO
  Autor : Ferreira Gullar
  Ilustrações: Ângela Lago
  Poemas / Literatura infanto-juvenil
  Editora:  Salamandra / Editora Moderna
  ISBN Nº 85-281-0381-1
publicado por ardotempo às 20:31 | Comentar | Adicionar

Lição de pintura


Giorgio Morandi
é o pintor para pintores. Ele resume, em sua obra soberba, as lições mais valiosas sobre o ofício de pintar. Ele pintava em pequenos formatos e sua obra resultou monumental.
Utilizava-se de uma paleta cromática bastante reduzida, diversas totalidades e intensidades de grises, alguns terras, uns amarelos, algum azul, branco. Poucas cores mas assim mesmo revelou-se um colorista extraordinário. Na sua temática, uma síntese ainda maior: uns casarios de sua cidade, alguma paisagem rural e as inconfundíveis naturezas mortas com garrafas, potes e algumas porcelanas, que o celebrizaram e lhe deram admiradores e seguidores. Sua obra encontra-se hoje nos acervos dos melhores museus do mundo, modernos e contemporâneos.

Se Picasso considerava que Cézanne era o "pai de todos" os pintores do século XX, Morandi pode ser considerado o mestre da pintura contemporânea, o que sabia como fazer e que deixou uma lição inesquecível a cada um de nós.





















Giorgio Morandi - Natureza morta, óleo sobre tela, 1949
publicado por ardotempo às 18:22 | Comentar | Adicionar

Andorinhas de Portugal serão as mesmas do Brasil?

"O Tejo passeia cinzento, o mar redescobre-se na esquina da barra em tons pardos e contam-me amigos do ribatejo, entre gado bravo e a espera das andorinhas que, por estes dias hão-de arribar das praias do norte de África, de uma lezíria encafuada em três palmos de água lodosa.
As andorinhas virão certamente e com elas o tempo ameno da primavera. Mas aguardam, todavia pela última travessia: a do estreito de Gibraltar, com mar alteroso e pouco convidativo.
Todos os anos é assim entre 12...19 de março. Chegam compactas, em bandos enormes. Entram invariavelmente pelo Algarve, por sobre a Ria Formosa onde descansam exaustas antes de se fazerem aos telhados e beirais das cidades.
Voltam sempre e, ao mesmo local onde nasceram. Vêm de longe, para lá da linha do equador onde passam o inverno, atravessam todo o deserto do Saara e agora aguardam...nas praias marroquinas que o mar mediterraneo lhes permita colorir Lisboa de branco e negro...andorinhas que se tornam fado e, primavera..."

Filipa Jardim


ANDORINHA-DO-CAMPO

Andorinha
Andarilha
Dos ares
Vem pro sul
Na primavera
Povoa de encanto
Nossa terra
Nosso campo
Itinerante
Parte o instante
De espanto
É outono
Outra vez!


                                      Poema de Cleonice Bourscheid



Texto de Filipa Jardim / © AVE PÁSSARO - Editora Nova Prova - Porto Alegre RS
Poema de Cleonice Bourscheid e aquarela de Isolde Bosak, 2007
publicado por ardotempo às 12:47 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Antony Gormley - escultor





















Antony Gormley - Escultura em cubos de aço, encaixados e fixados, 2007
publicado por ardotempo às 11:45 | Comentar | Adicionar

Homem Descartado



Antony Gormley
é um artista escultor britânico que utiliza basicamente a figura humana, a  silhueta humana moldada (apresentada ou sugerida em perfis de aço córten oxidado, em pequenos segmentos de aço inox soldados, em linhas de cabos de aço enrolados como se fossem desenhos tridimensionais e, em sua série mais recente, fragmentos de aço em cubos encaixados e unidos) e o entorno, a paisagem (interna e externa) na qual ele incrustra suas esculturas e compõe as suas instalações, integradas aos ambientes, nas cidades, nos campos, dentro de florestas, nas praias e até mesmo parcialmente mergulhadas na água ou semi-enterradas.

Waste Man foi uma instalação construída na Inglaterra, ao longo de seis semanas em 2006, utilizando 30 toneladas de materiais rejeitados e descartados ao lixo (em Margate, UK).



















No monturo estavam formas de gesso para a fundição de bronzes e uma quantidade enorme de objetos abandonados como camas, mesas, assentos de vasos sanitários, estantes, cadeiras, armários, portas, até mesmo pianos inutilizados e que foram transformados numa grande escultura com 20 metros de altura, sob orientação e planejamento do artista.

Numa noite de verão, finalmente, a instalação pronta foi incinerada e ardeu por 32 minutos, numa impressionante fogueira, sob as vistas de uma pequena multidão, convidada a participar do evento.





















Waste Man,
Antony Gormley, escultura / instalação - 20 metros altura, 2006
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Segunda-feira, 17.03.08

Bez Batti – Escultor em pedras



O artista começou trabalhando com madeira, passou pelo bronze, pelo arenito e, desde 1989, dedica-se quase exclusivamente ao basalto, uma das mais resistentes rochas vulcânicas. Segundo Bez Batti, a mais bonita.


Diz o artista, comparando: 
”Os egípcios (que usavam o basalto) foram mais inteligentes que os gregos (que preferiam o mármore). O mármore é excessivamente frágil. Nem considero que ele seja uma pedra, na verdade.

 O basalto requer violência. 
- O escultor é um destruidor – sublinha Bez Batti - Tem que destruir uma pedra para se construir uma escultura.”



Texto de Eduardo Veras – Zero Hora RS, 17.03.2008
Escultura de Bez Batti, em basalto negro.
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Saint-Exupéry foi abatido por um de seus leitores


Depois de um longo tempo de busca, ele foi finalmente encontrado. Foi ele quem matou Saint-Exupéry.  Ele não se escondia mas não tinha nenhum orgulho do que fizera. Tanto que o fizera propositadamente. É ele mesmo quem hoje diz: “Se eu soubesse quem era, não teria atirado. Jamais contra ele”.

A confissão é de Horst Rippert, 24 anos em 1944, piloto da Luftwaffe, grupo de caça Jgr.200. No dia 31 de julho, os radares do aérodromo de Milles localizaram um avião inimigo sobrevoando Annecy e ele recebeu a ordem de decolar. Alcançou o Lightning logo depois de Marselha. Sessenta e quatro anos mais tarde, interrogado por Luc Vanrell, Horst Rippert confessa:

Mergulhei na sua direção e disparei, não sobre a fuselagem e sim sobre as asas. Eu o atingi. O caça  ficou danificado e caiu. Direto para a água. Ele se espatifou no mar. Ninguém saltou. O piloto… jamais o vi. Fiquei sabendo alguns dias depois que era Saint-Exupéry. Eu esperava e desejei sempre que não tivesse sido ele. Em nossa juventude, todos nós o tínhamos lido e adorávamos os seus textos. Ele sabia admiravelmente descrever o céu, os pensamentos e os sentimentos dos pilotos de aviação. Sua obra despertou a vocação para muitos de nós. Eu amava o escritor.












  Saint-Exupéry
  Pierre Assouline – La Republique des Livres
  Foto de J.P. Ziolo – Bibliotheque Nationale, Paris
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Essa não é para rir


Canção de Hervé Cordovil e Adoniran Barbosa.
A recomendação de que essa “não é para rir” é de Adoniran Barbosa.


 Prova de carinho

 “Com a corda mi
 do meu cavaquinho,
 fiz uma aliança pra ela,
 prova de carinho.

 Com a corda mi
 do meu cavaquinho,
 fiz uma aliança pra ela,
 prova de carinho.


                                                               Quanta serenata
                                                               eu tenho que perder
                                                               pois meu cavaquinho
                                                               já não pode mais gemer.

                                                               Quanto sacrificio
                                                               eu tive que fazer,
                                                               para dar a prova pra ela
                                                               do meu bem querer."


(Agradecimento a José Cascão, pelo fornecimento das informações)
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Domingo, 16.03.08

Trem de Adoniran Barbosa


















Gal Costa cantando Trem das Onze, do grandioso Adoniran Barbosa. Veja aqui.
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Trem de Tom Waits



Tom Waits cantando Downtown Train. Veja aqui.

"Chegando à cidade" - Edward Hopper - Pintura, óleo sobre tela - 1946
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Satíricon

Retrato da Decadência Moral

Resenha de Mariana Ianelli, para o livro Satíricon, de Petrônio (Cosac&Naify)


















 O banquete - Afresco em Pompéia, Itália


Foi a partir de um dos livros prediletos de sua juventude que Frederico
Fellini veio a realizar, em 1969, a fantástica arqueologia visual da antiga
Roma em seu filme Fellini Satyricon. Escrito no 1º século da era cristã, já
com a marca de nascença da modernidade, o romance Satíricon, de Petrônio,
que tanto fascinava o grande cineasta por seus fragmentos propícios à
imaginação, aparece agora em novíssima edição brasileira, pela Cosac&Naify,
na tradução de Cláudio Aquati.

Com prefácio de Raymond Queneau e excelentes dicas de leitura, além de um
elucidativo posfácio assinado por Aquati acerca do contexto histórico e literário
no qual a obra se insere e se codifica, o livro traz ainda um breve mas significativo
relato do historiador Tácito sobre o autor, este aristocrata da corte de Nero que,
por inveja alheia, foi acusado de conspiração contra o imperador e, antecipando-se
à pena, suicidou-se.

Uma atmosfera enigmática encobre a extensão e a seqüência originais de
Satíricon, já que apenas três de seus prováveis vinte e quatro livros,
supondo um conjunto similar ao da Odisséia, sobreviveram ao longo dos
séculos, não sem terem sido também eles mutilados em várias de suas partes.
O título da obra igualmente contempla mais de um significado, podendo
remeter tanto a uma sátira dos costumes da época, como a uma mistura de
gêneros alinhavados à narrativa principal na sua forma prosimétrica.

Valendo-se de expressões e motivos da épica e da tragédia clássicas,
passando por temas da lírica mitológica e amorosa, Petrônio os incorpora ao
registro do latim vulgar e constrói um romance legitimamente polifônico,
cuja inspiração encontra na sátira paródica um de seus constantes recursos
para tingir com cores realistas a decadência das instituições no tempo de
Nero. Não apenas o sistema educativo, o funcionamento da justiça e o culto
religioso são alvos da crítica do autor aos valores de uma sociedade
degradada por uma retórica vazia, pela falta de autoridade moral e pela
crendice popular, mas também a presença de Homero, Virgílio, Eurípides,
entre outros, no romance, por meio da paródia, costura a trama com o fio da
ironia, conferindo aos episódios e personagens da história uma feição
hilariante.

Narrado em primeira pessoa, o romance conta as aventuras de Encólpio,
anti-herói comparável a uma versão tragicômica de Ulisses, que, para vencer
o castigo da impotência imposto pelo deus Priapo, move-se em um cenário de
tipos bajuladores, embusteiros e libertinos, com os quais contracena sempre
enroscado em pequenas trapaças e crises de ciúme envolvendo seu companheiro
Gitão e seu rival, Ascilto. Amor, verdade e cultura têm, cada qual, o seu
preço no comércio de interesses individuais que caracteriza um mundo de
assustadora atualidade, onde esses três personagens se imiscuem, salvos da
morte como que por engano. Deuses, aliás, também têm o seu preço e por eles
rezam os fora-da-lei para lograrem em sua farsa.

O banquete de Trimalquião, "o mais bem estudado [trecho] de todo o
 Satíricon", conforme observa o tradutor no posfácio do livro, não sem razão
se destaca, a exemplo da memorável adaptação de Fellini para o festim, ao
retratar a megalomania do novo-rico Trimalquião, cujo próprio nome, "três
vezes rei", segundo o pesquisador René Martin, confirma as pistas de uma
personalidade tirânica que, contrariamente ao banquete de Platão, impede os
convivas de qualquer verdadeira meditação sobre o prazer. A encenação do
funeral de Trimalquião é outro interessante episódio no qual uma sutil
referência a Sêneca apontaria uma crítica de Petrônio à disparidade entre o
modo de vida suntuoso do filósofo e o conteúdo de seus escritos morais.

Vale destacar ainda um dos poemas maiores de Satíricon, na voz de Eumolpo,
personagem que, embora seja recebido a pedradas toda vez que se dirige a uma
platéia, ao recitar seus versos sobre a guerra civil romana, inaugura
oportunamente a chegada de seus companheiros à pútrida cidade de Crotona.
São também de Eumolpo os relatos do Menino de Pérgamo e da Matrona de Éfeso,
ambos exemplares de um povo corrompido pela volubilidade moral.

Questionado por Encólpio sobre qual seria "a causa da decadência de nossos
dias", o poeta diz: "- Foi a cobiça do dinheiro que provocou essas mudanças.
Nos tempos antigos, quando a virtude pela virtude ainda agradava, vigoravam
as artes liberais, e a maior emulação entre os homens era desvendar o que
seria proveitoso para a posteridade. (...) Mergulhados em vinho e mulheres,
porém, nós nem sequer ousamos conhecer as artes já estabelecidas, mas,
detratores das coisas dos antigos, apenas aprendemos e ensinamos vícios".

Em pleno séc. 21, a leitura de Satíricon parece atrair uma atenção renovada,
que suplanta o círculo de estudiosos da obra para ganhar um público mais
amplo. Tendo influenciado inúmeros escritores modernos, entre eles, T.S.
Eliot, que escolheu como epígrafe de Terra Devastada uma fala de
Trimalquião, Petrônio fez que se unissem o riso e a angústia em um elo de
forças que hoje, e indefinidamente, incita o leitor a refletir sobre seu
tempo e sua consciência humana.

Mariana Ianelli

(Publicado pelo jornal O GLOBO, Rio deJaneiro - 15.03.2008)

  SATÍRICON
  Autor: Petrônio  Tradução: Cláudio Aquati
  Editora: Cosac&Naify
  267 páginas / 2008
  ISBN Nº 978-85-7503-681-5
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Sábado, 15.03.08

Aforismo Borgesiano - 06

Cidades


“A melhor relação que se pode ter com uma cidade é a da nostalgia.”

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal - Emecê Editores Buenos Aires – Argentina
   Desenho de Geri Garcia - Padul, 1953
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Recomendado: Contos de Verdades


Contos de Verdades
é um notável livro de contos, de narrativa imantada, emocional, com histórias que percorrem o imaginário labiríntico e luminoso da memória de cada leitor, estimulado pelas ações e nos detalhes descritos em cada um dos contos, estes finamente estruturados numa original e cativante forma de construção da linguagem, característica na poética profundamente pessoal do autor, Aldyr Garcia Schlee.

“Dizem que ali, para lá daquela volta do Jaguarão, lá adiante, nas barrancas, viviam as grandes onças brabas – metade tigre, metade peixe – que deram nome ao rio. Eram como sereias, com seios, o jeito, o encanto de mulher. Talvez ocultassem sob a água o mistério de suas escamas de prata e de suas caudas ondulantes, mas não tardavam em revelar, na agudeza das garras, a voracidade de suas entranhas de fera. Conta-se que elas atraíam e seduziam a gente com tal fascínio e encantamento que jamais qualquer um de nós pôde perceber
que fora arrastado até ali a ponto de perder o coração.” 














Contos de Verdades

Autor: Aldyr Garcia Schlee
Contos, 176 páginas, 2000
Editora: Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS
ISBN Nº  85-280-0516-X

publicado por ardotempo às 18:49 | Comentar | Adicionar

Para Todos

Neste momento em que a Espanha barra a entrada de brasileiros, deportando-os com vileza, lastreada em estatística e discriminação - turistas, estudantes, doutorandos dirigindo-se a congressos científicos, clérigos de passagem e, inclusive, alguns que para lá vão tentando alcançar alguma dignidade na existência, fugindo da pobreza ou da perseguição política - é sempre interessante recordar que o Brasil desde 1824, recebeu de braços abertos a todos e, na medida do possível, deu guarida a portugueses, alemães, italianos, franceses, espanhóis, ciganos, poloneses, ingleses, húngaros, romenos, iugoslavos, argentinos, chilenos, uruguaios, bolivianos, paraguaios, libaneses, israelenses, palestinos, armênios, turcos, japoneses, coreanos e chineses (isso sem falar de todas as nações e etnias africanas mas essa é uma outra história diferente, bem mais radical, que merece abordagem diversa noutro artigo - nesta história da herança afro existe culpa e débitos ainda a acertar).

Levas de imigrantes, sem posses ou que tinham perdido tudo, vieram para cá (e continuam vindo) refazer suas vidas por variados motivos (pobreza, sobrevivência, carência de oportunidades, guerras, genocídios, perseguições políticas, injustica social, desejo de crescimento cultural), que são, curiosamente, quase idênticos aos que estimulam legitimamente alguns brasileiros a tentar alguma chance de vida, algumas oportunidades para sobreviver, as mesmas  que outros imigrantes encontraram aqui, generosamente, em anteriores momentos profundamente ásperos.

Para refletir sobre isso e não esquecer, veja Chico Buarque cantando Paratodos
publicado por ardotempo às 12:16 | Comentar | Adicionar

SIRON FRANCO, pintor do Brasil

Duas pinturas recentes e inéditas  de Siron Franco, o magistral e prolífico artista brasileiro - pintor, escultor, gravador, desenhista, cineasta, criador de instalações
e de monumentos públicos, instigantes  e por vezes polêmicos. que geram intensas discussões, reflexões e tomadas de consciência:
o artista que inventa sempre e acerta bastante.






















Duas pinturas para ©CARASSOTAQUE

Pinturas de Siron Franco, óleo sobre tela, 2008
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Sexta-feira, 14.03.08

Um artista no Padul, Espanha – Desenhos Inéditos

GERI GARCIA

Um artista hispano-brasileiro de primeira grandeza, realizou durante um ano inteiro. entre 1953 e 1954 – o período em que permaneceu no Padul, então um pequeno vilarejo de camponeses nas cercanias de Granada, na Espanha - uma série extraordinária de desenhos e pinturas, que permanece ainda inédita.

                                                                  






















Geri Garcia, com seus blocos de papéis e de esboços, recém-chegado da École de Beaux-Arts de Paris, permaneceu por ali, na aldeia que também era a idêntica paisagem e a temática de um outro parente seu, antigo morador daquele mesmo lugar, andaluz, um outro Garcia, um Frederico, Lorca. Ficou ali, desenhando a sua Sierra Nevada, as cabras e as pessoas. Desenhando a memória e os vestígios de algo terrível que acontecera alguns anos antes. Com seu traço severo e preciso de artista espanhol, o de melhor chama e síntese goyesca, Geri palmilhou a aldeia e desenhou tudo o que testemunhou.

                                                             
Viu por ali as mulheres sofridas que trabalhavam arduamente, as crianças zombeteiras e alguns poucos homems que quebravam pedras na montanha e cuidavam dos rebanhos. Figuras remanescentes e tristes, que contavam as histórias aterradoras dos estampidos e gritos nas madrugadas geladas, dos fuzilamentos sumários, dos homens que emigraram para longe na luta pela própria sobrevivência, na fuga do facismo, da política negra de perseguição da ditadura franquista, na tentativa de superar a própria pobreza em terras de outros continentes.

Desenhou e pintou o que ouviu. Documentou uma melancolia espectral de dores presentes, feridas ainda não cicatrizadas na época, um conjunto de obras em desenho (e pintura), impressionante e comovedor.






















Desenhos de Geri Garcia, 1953/ 1954
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Loyola Brandão fala sobre blogs


“O que importa é que os blogs aos poucos vão encontrando seu caminho, sua identidade, são meios de resistência, de informação.”
Ignácio de Loyola Brandão, março 2008




















O escritor Ignácio de Loyola Brandão e a poeta Mariana Ianelli.


publicado por ardotempo às 18:30 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 13.03.08

Rosas de Exportação

Dois terços de uma flor, como de um ser humano, são água. Assim, o montante de água que um exportador típico de flores embarca para a Europa a cada ano é igual às necessidades anuais de uma cidade de 20 mil habitantes. Durante as secas, os produtores de flores, que precisam cumprir cotas, instalam bombas-sifões no lago Naivasha, um santuário de água fresca, cercado de papiros, para pássaros e hipopótamos, exatamente abaixo das correntes que descem pelo Parque Nacional Aberdares, no Quênia central. Juntamente com a água, são sugadas gerações inteiras de ovos de peixes. O que respinga de volta é certo mau cheiro resultante da barganha química que mantém o frescor perfeito das rosas em sua viagem para Paris.

O tecido apodrecido de carcaças de hipopótamos revela o segredo das fragrâncias perfeitas: DDT e Dieldrin, quarenta vezes mais forte, pesticidas banidos dos países cujos mercados fizeram do Quênia o maior exportador de rosas do mundo. Muito depois que os humanos e até os animais e as rosas desapareçam, o Dieldrin, uma molécula artificial engenhosamente estável, ainda estará por aqui.

                                                                       
 
(Extraído de O mundo sem nós, de Alan Weisman / Planeta – 2007)
Pelo amor de Deus / Damien Hirst - Objeto escultórico, crânio de platina cravejado com diamantes, 2007 
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Da Paisagem e do Tempo



Pintura de Maria Leontina, um dos grandes nomes do abstracionismo brasileiro.

"Da paisagem e do tempo" - Maria Leontina / Pintura - Óleo sobre tela, 1956
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Valéry

Paul Valéry: ator das idéias

Em sua vida de professor e ensaísta, João Alexandre Barbosa foi o assíduo leitor de Paul Valéry, que se transformou num caso de perseguição a "exigir um ajuste de contas". O resultado não foi tanto o aparecimento de um livro original que o crítico brasileiro poderia ter concebido, mas sim a reunião de nove ensaios, redigidos e publicados entre 1970 e 2005, que percorrem a obra do poeta francês: A comédia intelectual de Paul Valéry (Iluminuras, 159 páginas, R$ 35). Coletânea que bem demonstra a "permanência e continuidade" de uma obra surpreendente por sua dimensão filosófica e por seu exame exigente da linguagem, a conduzir a literatura a uma via do fracasso da expressão; obra que também se impõe por seu gigantismo: somente a edição fac-similada dos Cahiers ocupa 35 cadernos de mil páginas cada um, resultado das anotações diárias de um pensador que não se ocupava dos fatos cotidianos, mas da investigação que busca o auge radical de lucidez e consciência sobre as "linguagens, sejam as verbais, sejam as das matemáticas e da filosofia".

Devotado à busca metódica do processo, desvinculando-se da "idéia de acabar" (T. S. Eliot criticou Paul Valéry por estar "profundamente preocupado com o problema do processo, de como é feito o poema, mas não com a questão de como é relacionado ao resto da vida"), o poeta francês encontrou em Stéphane Mallarmé, quase 30 anos mais velho, o modelo extremado de experimentação com o texto poético. E decretou: "Mallarmé compreendeu a linguagem como se ele a tivesse inventado". No ensaio "Mallarmé segundo Valéry" - reproduzido de A metáfora crítica (1974) - João Alexandre Barbosa faz a análise da relação fascinante entre mestre e discípulo, aparentemente invertida: pois o mestre teria produzido a obra inovadora (a exemplo de "Um lance de dados", que rompeu com a tradição do verso), enquanto o discípulo permaneceu atrelado à forma clássica, racionalizando somente no ensaio o vigor e as implicações que haviam sido demonstradas naquela poesia.

Na obra poética, portanto, Paul Valéry é o discípulo ultrapassado - provavelmente porque, como artista, não ousava comprometer-se com o processo de recusas e a imposição de limites entre o silêncio e a autodestruição. Permaneceu lúcido, inteligente e clássico. Mas não para todos: é conhecida a opinião de Edmund Wilson, em
O castelo de Axel
(1931), de que os ensaios de Paul Valéry não trazem "uma grande riqueza de idéias", apenas "a representação de uma situação intelectual, e não o desenvolvimento de uma linha de pensamento". Nessa percepção, o rigor artístico proclamado pelo poeta e filósofo surge "graças a alguns procedimentos estilísticos,
e não a uma qualidade da sua lógica
". Superdiletante e esnobe,
Paul Valéry não teria contribuído para avançar os estudos de filosofia da linguagem, mas favorecido "uma espécie de misticismo estético" capaz de ser aplicada somente a Stéphane Mallarmé e a alguns simbolistas, incluindo-se o próprio Paul Valéry.

No caso de A comédia intelectual de Paul Valéry, porém, a safra é excepcional: o livro deve ser mesmo a melhor introdução às obras e às idéias do poeta ao alcance do leitor brasileiro. Nele se demonstra, por exemplo, que Paul Valéry, durante décadas, sonhou em conceber uma "comédia intelectual", com Leonardo da Vinci no papel principal, consagrando-a "às aventuras e às paixões da inteligência" e aproximando-a em importância da Divina comédia e d'A comédia humana. Segundo o poeta, "seria uma comédia do intelecto, o drama das existências dedicadas a compreender e a criar".

Projeto jamais realizado e de caráter soberbamente elitista, pois nele estaria exposta a humanidade em "tudo o que a eleva um pouco acima das condições animais monótonas", graças à "existência de um número restrito de indivíduos, aos quais devemos o que pensar, como devemos aos operários o que viver". Consensualmente, um dos personagens imaginários dessa comédia intelectual seria monsieur Teste, marcante por seu rigor intelectual e por seu distanciamento social, que João Cabral de Melo Neto assim preferiu registrar num poema: "Uma lucidez que tudo via, / como se à luz ou se de dia; / (...) porém luz de uma tal lucidez / que mente que tudo podeis".

(Publicado no Jornal do Brasil, fevereiro 2008)














A COMÉDIA INTELECTUAL DE PAUL VALÉRY

Crítica e Teoria Literária, 160 páginas 2007
Autor: João Alexandre Barbosa
Editora: Iluminuras – São Paulo SP
ISBN: 978-85-7321-253-2
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Quarta-feira, 12.03.08

Brasília

                                       
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  
É título da premiada mostra de Leopoldo Plentz,
o artesão brilhante e minucioso das fotos p&b. Trata-se de um conjunto de excelentes fotografias da capital brasileira, em que a opção pelo p&b representa uma eleição da sensibilidade, resultando numa fina interpretação pelo artista, que nos revela corajosamente uma Brasília ainda mais sideral, de estética impecável e assombrosa, na qual praticamente nunca aparecem as pessoas.

O fotógrafo nos propõe assim, não sem ironia,
a visão de um universo majestoso, impoluto e perfeito, como se fosse um convite para uma entrada no terceiro milênio, uma chance para
o recomeço.
                                                                                                                                                   
A mostra é imperdível, foi premiada em Portugal e apresentada na Ilha da Madeira. O fotógrafo, ao optar por fazê-la dessa maneira –iconoclasta e imperturbável - não seguiu o primeiro dos mandamentos tombados por Lucio Costa para se  fotografar a cidade… “fotografar Brasília + gente.”                                                                                                                                                                                                                                                         
Acertou em cheio no seu objetivo.                                              

São 30 ampliações p&b assinadas e autenticadas, tiragem vintage em papel especial, realizadas
pelo próprio fotógrafo. A exposição será apresentada em Porto Alegre RS em 2008 e
seguirá itinerância em circuito internacional
em 2009.


Brasília © Fotos de Leopoldo Plentz,
Porto Alegre RS
publicado por ardotempo às 23:38 | Comentar | Adicionar

Palavras para Maquinaria da Arte

(Fonte: ArteWebBrasil)                                                                                         

AWB: O teu trabalho é bastante técnico, não é?


Leopoldo Plentz: É, eu gosto disso. Gosto muito do artesanal.
Isso na verdade me dá um prazer muito grande, adoro ferramentas, às vezes vou passear na loja Ferramentas Gerais (NE: um gigantesco magazine de ferramentas e utensílios mecânicos, Porto Alegre RS)
– é o meu shopping center.
Creio que é importante o domínio técnico em qualquer área. Hoje em dia, como tudo está em efervescência, até parece que voltou a década de 70... Tenho a impressão de que em arte, o artesanato é mal visto, acham que você deve ser meio cerebral, suspirar e fazer uma obra, desde que tenha um discurso teórico.



 
AWB: Você está falando com relação à arte contemporânea?


Leopoldo Plentz: Sim. Eu sinto que há discriminação com relação ao objeto artístico. É tudo muito virtual, cerebral. Gosto desta coisa de colocar a mão na massa mesmo, me dá muito prazer o fazer. E para mim a produção artística tem de ter o lado prazeroso do fazer. Caso contrário, não tem graça.

AWB: Quem discrimina o objeto artístico?


Leopoldo Plentz: Alguns críticos e curadores.

Entrevista concedida pelo fotógrafo Leopoldo Plentz para a
Revista Virtual ArteWebBrasil – leia a entrevista integral aqui
publicado por ardotempo às 23:36 | Comentar | Adicionar

Andarilho










Em 1917, Marcel Duchamp deslocou um urinol público masculino de uma parede, colocou-o num espaço expositivo de um museu (e pela polêmica feroz que desencadeou na ocasião, aparentemente o objeto nem chegou a ser exposto, permanecendo escondido atrás de um tapume), chamou-o pelo título de A fonte, inventou a novidade do ready-made e os múltiplos caminhos para a revitalização do pensamento artístico. Abriu a caixa de Pandora e dela libertou muitos demônios e alguns anjos. Ele soube ver, sugeriu-nos modificar o ponto de vista e a olhar o mundo de um outro ângulo, a ver mais significados nas coisas - da natureza e da cultura.























Um fotógrafo caminha por uma métrópole com seu instrumento de trabalho e vê o que os outros não vêem. Ele fotografa uma abstração e nos revela a arte. Então, nesse exercício de sensibilidade, poderemos também ver, na seqüência de ampliações, o que o artista viu, atribuindo-lhe o sentido do fenômeno artístico.























Mário Castello
apresenta-nos a fotografia da abstração numa textura manchada de umidade de uma parede arruinada. Nas ampliações, vemos com nitidez o que ele viu - O olho - e depois já não percebemos nada mais; de fato, voltamos a ver apenas a mancha úmida, o disforme, o real, o retorno à abstração.
























Fotografias de Mário Castello – São Paulo, 2006
publicado por ardotempo às 03:30 | Comentar | Adicionar

Aforismo Borgesiano – 05

Dúvida


"Dúvida é um dos nomes da inteligência."

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal - Emecê Editores Buenos Aires – Argentina
   Fotografia de Marcos Magaldi
publicado por ardotempo às 00:07 | Comentar | Adicionar
Terça-feira, 11.03.08

DARIO FO - dramaturgo e pintor


“É preciso rir de si mesmo e compreender que nos manipulam.”

Dario Fo – Prêmio Nobel 1997, arquiteto, pintor, doutor na Universidade de Sorbonne (Paris), historiador de Arte e autor de teatro traduzido em vários idiomas.
Entrevista concedida a Rosana Torres, El País, Milão – março 2008

RT: A democracia formal presente em muitos países ocidentais, com sistemas de dois grandes partidos muito semelhantes entre si,  confundindo-se com suas políticas efetivas, é um avanço ou seria uma mera estabilização do poder?

Dario Fo: Representa a estabilização do poder e do sistema capitalista. O poder se faz assim para dele não mais sair. Nos Estados Unidos há uma variante importante: ambos os partidos têm instrumentos de questionamento que podem colocar em cheque, inclusive, o próprio Presidente; aqui, ao contrário, procura se esconder tudo, termina-se por arranjar um pacto conveniente.

RT: O sr. continua pensando que as revoluções começam bem e terminam esclerosadas?

Dario Fo: Nada mais a fazer do que simplesmente olhar para a História. Penso no cristianismo, nos seus significados, em seus fins… e observo o Papa.
O que tem a ver este senhor com o pensamento de Cristo? Se nada faz para alcançar aqueles objetivos! Nem ele, nem seus cardeais...o clero é uma grande massa de poder e Jesus pregava apenas o poder do Amor. Basta ver os bispos espanhóis pedindo que se vote na direita. Ainda por cima são politicamente reacionários. Justamente o contrário de Cristo.

RT: Porque o sr. acredita que isso acontece?

Dario Fo: Está na raiz de um fato que resultou completamente esquecido.
No século 3, Constantino percebeu que o cristianismo adquiria importância. Como a religião pagã não resolvia os problemas, ofereceu ao cristianismo a possibilidade de se tornar a religião do Império e os bispos se viram com o direito de não pagar taxas nem impostos de sucessão, tampouco os tributos, obrigações que já existiam na jurisdição romana.
Eles detinham o poder do espírito e a partir de então tomaram o poder material, sem esquecer que se tornaram grandes proprietários por toda a Europa graças a um documento, supostamente escrito por Constantino em seu leito de morte, que se demonstrou posteriormente que era falso.
 
RT: O sr. está imerso mais do que nunca na pintura, com seus livros dos grandes gênios?

Dario Fo: Meus pensamentos sempre passam pela pintura…quando enfrento dificuldades pinto para resolvê-las e todas as minhas pinturas são projetos para espetáculos de teatro…

RT: O sr. é um pintor emprestado ao palco ou um dramaturgo emprestado ao mundo das artes plásticas?

Dario Fo: A verdade é que não sei. Desde pequeno comecei ao mesmo tempo a rabiscar e a contar histórias porque era um inventor de fábulas nato.
A pintura serve-me para analisar a realidade através do grotesco, se alguém conta uma história depois de estudá-la e analisá-la a fundo, transmite melhor o valor dos fatos, a sua importância ou a sua falsidade.

RT: Sendo o sr. um ateu convicto e confesso, não deixa de ser curiosa essa sua paixão, transformada em autêntica e minuciosa investigação sobre Jesus Cristo, os Evangelhos, São Francisco e sobre a Igreja...
 
Dario Fo: Jesus era um grande homem de teatro, com o domínio da palavra e um grande sentido de organização das histórias que contava; projetava espacialmente os seus discursos utilizando-se da topografia dos terrenos, de maneira que falava sem forçar muito a própria voz a cinco ou dez mil pessoas. Que percepção de palco!

RT: Como as técnicas utilizadas pelos gregos em seus teatros?

Dario Fo: Exatamente. E se confrontava com a necessidade de ter que improvisar porque nem todos estavam de acordo, sempre havia provocadores no meio e ele jamais os ignorava, tratava de integrá-los. Procurava fazer isso através de manobras envolventes em que não faltavam elementos cômicos e situações grotescas, tinha essa grande habilidade como São Francisco, ambos faziam discursos muito “limados” e bem trabalhados.

RT: Isso se percebe na leitura dos Evangelhos?

Dario Fo: Nos Apócrifos vê-se claramente que ele procurava os diálogos, criava atmosferas, gerava as réplicas com os seus discípulos… intuem-se muitas coisas quando se lê com atenção e descobre-se que aquilo tudo somente podia funcionar se fosse teatralizado, com atores em cena, com situações coletivas e falas em coral. Isso é o teatro!

RT: Não havia improvisação?

Dario Fo: Nada era deixado ao acaso. A mesma anedota era contada em locais diferentes, como demostram os vários testemunhos, era um espetáculo itinerante, que esteve três anos em tourné num espaço geográfico muito grande. Em teatro não se improvisa, é necessário respeitar algumas regras e ele o fazia.

RT: Vê-se que o sr. se mostra muito preocupado com o meio ambiente e que fala de um “Apocalipse Inconsciente”.

Dario Fo: Sim! O poder, através da desinformação, de seus próprios espetáculos, de seus jornais, revistas e de suas manifestações atordoa as pessoas para que não pensem e não se preocupem com o que está sucedendo. Age como se estivéssemos numa nau à deriva na qual o capitão aparece de vez em quando e diz, sorridente: “Nada acontece, tudo está bem, estamos no melhor dos mundos”, como o Cândido de Voltaire… enquanto se olharmos para o lado, encontraremos mulheres maltratadas, crianças mortas, trabalhadores que despencam na fornalha e a natureza do planeta agonizando.

RT: Existe solução?

Dario Fo: Tudo passa por uma retomada de consciência e de se lutar para que todos percebam o que está acontecendo. Eu sempre acreditei que a melhor forma de informar as pessoas é envolvendo-as com humor, com o riso, é preciso rir de si mesmo, compreender que se está agindo como um tolo que se deixa manipular por quem dirige e manda.

RT: O poder saberia rir de si mesmo?

Dario Fo: Não, o poder não é capaz de rir de si próprio. Noutro dia me disseram: “O homem sério é aquele que não sabe rir”, ou seja, é aquele que não possui senso de humor, que não compreende as ironias, as brincadeiras, o sentido do que é grotesco…

Pintura de Dario Fo

(El País –  Entrevista concedida a Rosana Torres, Milão – março 2008)

publicado por ardotempo às 21:21 | Comentar | Adicionar

Sempre à frente, no seu tempo



Já escutamos tudo em vinil centenas de vezes, depois refizemos a coleção em CD, agora a banda de rock mais querida terá a sua obra disponibilizada em I-Tunes, para ser baixada por internet. Quando estiver escutando de novo, agradeça em pensamentos ao McCartney, ao Starr e aos fantasmas de Harrison e de Lennon.

Para relembrar o concerto do terraço, veja aqui.
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publicado por ardotempo às 14:43 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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