Domingo, 02.03.08

Aforismo Borgesiano - 02



Picasso

"Estou em desacordo ao cubismo e a todos os ismos, mas qualquer linha traçada por Picasso é uma linha que tem vida. Parece que está a ponto de mover-se."

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal - Emecê Editores Buenos Aires – Argentina
publicado por ardotempo às 20:27 | Comentar | Adicionar

Futuro do livro (2)...?


Há cerca de 570 anos atrás surgiu a forma de impressão com tipos móveis e forneceu o conceito e, de certa maneira, o padrão do livro industrializado como o reconhecemos e utilizamos ainda hoje, cotidianamente.
Isso formou o extenso conjunto das bibliotecas públicas, privadas e individuais e organizou o universo do conhecimento e da civilização ocidental, democratizando de maneira crescente o saber e a cultura, como todos nós bem sabemos.
São esses mesmos livros como os conhecemos, como os transportamos para todos os lados, como os lemos nos locais mais improváveis. Assim têm sido e um aluvião deles é lançado no mundo todos os dias, de literatura, de arte, técnicos, didáticos, de poesia, de instruções, de leis, de auto-ajuda e do que se puder imaginar.

E multidões de todas as línguas continuam comprando-os, nas livrarias, nos mercados, nos sebos, nas feiras, nos boquinistas das calçadas e das praças...

Há quem diga que ler livros é chato, outros consideram isso uma maravilha exponencial, a sensação da existência do Paraíso.
O livro está ao alcance de todos, é comumente leve, portátil e em boa parte dos casos, barato.

Afirma-se por vezes, aqui e ali, que um novo formato digital vai substituir o livro de papel. Que a tecnologia do futuro dará um novo design aerodinâmico ao livro, digitalizado. Confortável, leve, high-tech

Permanecem as dúvidas…
O que custará um artefato desses, apenas o invólucro, a casca tecnológica, mesmo sem o custo do conteúdo literário, do direito autoral e do direito comercial das editoras?
Como se manterá e onde permanecerá o conteúdo literário, agora virtual? 
Como se perpetuará para a consulta futura dos leitores?
Quanto tempo durará um equipamento desses?
Quem o consertará, se pifar, quando sabemos que ninguém conserta mais nada em tempos de tecnologia descartável?
Como utilizá-lo e conseguir ler sem a alimentação da bateria ou da fonte de energia elétrica ao aparelho?
Esse "aparelho de portar textos virtuais" não sofrerá a mesma avalanche frenética de substituição tecnológica de linguagens eletrônicas nos gadgets, como ocorre hoje com os computadores e telefones celulares?
Quem não lembra daqueles maravilhosos CD Roms sobre Petra ou de visita virtual ao Louvre (CD Roms tão caros e vistos apenas uma vez), que já não rodam mais nos atuais computadores de última geração?
Quem não perdeu todos os arquivos, verdadeiramente importantes, em disquetes ou noutras “avançadas” formas de armazenagem de dez anos atrás, objetos que são inutilidades obsoletas hoje em dia?
Quem recorda o formato e o peso de seu primeiro celular, aquele carissimo, que perdeu-se espontaneamente em alguma gaveta sombria para não produzir mais nenhum vexame complementar…? 
publicado por ardotempo às 17:44 | Comentar | Adicionar

A cabeça



A dor na cabeça aumentara.
Começara na noite anterior depois do jantar, um sanduíche industrial, insosso e gorduroso, um erro imprudente, ao qual B. deixara-se levar sem resistência. 
Tornara-se agonia crescente durante o abismo noturno. Fora uma platitude vertical em claro, na escuridão e no calor do verão tropical.
De tempo paralisado como uma fermata.
Intervalo desagradável, perpétuo, estivera apenas metrizado por gemidos imaginários ritmados com a respiração espaçada. Foi começando aos poucos e logo já se fazia dor, sem início e sem fim. Sem sentido. Não houvera a vertigem, apenas a dor. Estava exausto na manhã seguinte, após a vigília indesejada.
A dor o atacara com intensidade. Como um alfinete longo, fio de prata sem volume, macabra criação de tortura científica. Enfiado. De dentro para além dos limites do crânio e transformara o mundo ao redor em algo inchado, esponjoso, disforme  e desesperador.
Uma enxaqueca, talvez. Prolongada como suplício. Intensa, não saberia quantificá-la de outra maneira porque nada sentira parecido antes.
Tudo estava ocupado. Nervos, células, fluídos e pensamentos. Tudo se fizera dor.
A cabeça, os olhos embaçados sem foco, os gestos reumáticos. O fígado, obsoleto pelo arsênico de Napoleão, interpretava-se como um protagonista trespassado e friamente dividido. Congestionado. Abismado e incapaz. Sem função vital.
Lâmina transversal, polida, resplandecente e áspera no corte excessivo.
A dor não era uma palavra, um conceito.
Era objeto substantivo, físico, metal em fusão perdendo calor, que transbordava desconfortável num espaço um tanto maior que a caixa craniana e expulsava as abstrações, os pensamentos e as possibilidades das ações refletidas.
Punha os demônios na sala e no quarto.

Era apenas dor. Imperativa, sem matizes.

Ele não era mais um indivíduo, um sujeito de pensamentos e de ações, de humor moderado e silencioso. Não mais. Agora ele passara a ser a dor. Simplesmente a dor, que tomava conta e espaço de tudo em torno e na sua atenção, desfiada.
A dor era agora o tempo, intumescido e imóvel.
Gesso nauseabundo. Um rumor – infinito – de pele de surdo, sem a usina das pancadas, somente o ruído profundo, da gruta infernal, monótono.

Aquilo se estendera pela manhã e pelo princípio da tarde.
Mas passara lentamente. Em câmera bem lenta. Diminuíra e como chegara, partira.
B., que era a dor, passou a ser o nada. Um trapo, um miolo de pão dormido.


© Alfredo Aquino – Conto A cabeça, Revista Aplauso nº 86 - Porto Alegre RS  2007
    Pintura de Siron Franco
publicado por ardotempo às 02:34 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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