Segunda-feira, 31.03.08

Entrevista: IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO





Ignácio de Loyola Brandão - Escritor

ARdoTEmpo
: – Ignácio, você é um escritor reconhecido no Brasil e no Exterior, que vive do que escreve - o que você comentaria sobre a recente entrevista de Tom Wolfe ao Clarin, de Buenos Aires, na qual, para divulgar o lançamento de seu novo romance, ele declara que
o romance morreu”?


Ignácio de Loyola Brandão : Aquino, de tempos em tempos, o romance morre. Surge um babaca qualquer que nem é um ensaista nem um historiador e declara que o romance morreu. Só se for o dele.
 
AT: Seu romance, Não Verás País Nenhum, sombrio e premonitório, há 25 anos lançou uma advertência grave ao futuro, sobre questões ambientais e humanas. Como você vê o cenário ao seu redor, hoje?

ILB: Nunca pensei que o Não Verás começasse a acontecer tão rapidamente. Nem se passaram 30 anos e aquele livro parece um documentário dos dias de hoje.
Claro que não me alegro por estarem as coisas como estão.
Claro que me alegro pelo fato da arte andar na frente da vida.
Também, com essas elites mundiais e nacionais de hoje...
 
AT: O que você está escrevendo no momento? Quais são os seus planos?

ILB: Acabei de escrever dois livros infantis. Seriam infantis?
Um é Os Escorpiões no Circulo de Fogo e o outro Os Olhos dos Cavalos Loucos. Este é mais longo. Ambos memórias de infância.
Mas o que posso fazer se a minha infância foi vivida como ficção?
Veja o caso de O menino que vendia palavras, que não passa de uma lembrança a qual dei um trato. Editado pela Objetiva no ano passado, ganhou o Prêmio Melhor Infantil de 2007 pela Fundação Biblioteca Nacional.
 
AT: Existe um evento no sul do Brasil, a Jornada Literária de Passo Fundo, que talvez seja o mais importante evento literário no País – pelos seus desdobramentos, a reunião de escritores, os debates e seminários sobre literatura, as palestras de autores nacionais e internacionais, e principalmente, pela maciça presença e o intercâmbio com os leitores – sistematizado e apoiado por uma Universidade.
Como você vê a Jornada?


ILB: É a coisa mais importante do setor no Brasil.
Mais importante que a badalada Flip. Diferente e mais abrangente que as feiras e bienais de livros que ocorrem pelo Brasil. Pena que o próprio Rio Grande do Sul não tenha entendido o alcance da Jornada, a sua extensão e profundidade. Tanto que não deu verba para o evento devido ao relatório de uma pessoa invejosa e frustrada. Isso mesmo, frustrada, um sub-escritor com um pequeno poder na mão.
 
AT: O que você propõe como autor, para o futuro da Jornada, que tem sido uma pioneira na criação de novas metodologias e na formação de leitores?

ILB: Proponho que ela se sustente, seja como for, que se mantenha, que prossiga, que procure financiamento fora. Porque hoje ela é brasileira, não mais apenas gaúcha, regional, limitada.
 
AT: O que você teria a dizer a um jovem (de qualquer parte do mundo) que estivesse descobrindo o prazer da leitura e, olhando as coisas que acontecem ao seu redor, pensasse por uns instantes na idéia de se tornar um escritor?

ILB:  Ora, que sente e escreva. Escreva. Escreva. Não pensando em glórias, fama, prêmios. Simplesmente escrevendo, escrevendo.


Entrevista concedida por Ignácio de Loyola Brandão a ARdoTEmpo – março 2008
Foto de Lisette Guerra
publicado por ardotempo às 17:56 | Comentar | Adicionar

Aforismo Borgesiano – 10

GUERRA

A guerra é uma guarangada (grosseria). Todas as discórdias o são.



















©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires Argentina
publicado por ardotempo às 12:56 | Comentar | Adicionar

Direto do Museu de Bagdá

"DEVOLVAM O QUE NOS ROUBARAM!"

A rara beleza do que ainda resta faz-me imaginar o que foi roubado.
Mais de quinze mil peças de arte e outros tesouros desapareceram depois da entrada das tropas americanas, em 2003. O caos abriu as portas aos ladrões e as fronteiras sem controlo permitiram que uma parte da História do Iraque se perdesse. É a memória da Civilização Assíria que está em risco. A Directora confessa ter chorado quando dias depois da queda do regime voltou ao Museu. “Não queria acreditar que nos tinham roubado parte da nossa História!”, diz-me Mona Abas. Agora, a UNESCO e a Interpol estão a cooperar com o governo iraquiano na tentativa de recuperar parte do património perdido.



















Loma, guia-me pelo meio de estátuas e outras peças embrulhadas em plásticos até uma sala deslumbrante. Peço-lhe que me explique o que significam todos aqueles painéis esculpidos em pedra. “Este é um touro com asas, do período Assírio. Data do ano setecentos e cinquenta antes de Cristo e estava no palácio do rei Sargon, da capital Khorsabad”. Este outro é do mesmo período e mostra uma caçada do rei Sargon II.” A beleza e simpatia de Loma completam o meu espanto. Meu Deus, quantas pessoas dariam fortunas para poderem estar aqui, neste momento. Sou um privilegiado.
 
O que ficou no Museu de Bagdade, só não foi roubado porque era pesado demais. Mesmo assim, algumas peças já foram recuperadas e outras estão referenciadas como tendo ido para os Estados Unidos, para a Europa e para os países vizinhos. As autoridades internacionais tentam impedir a sua entrada no mercado negro e o ministro iraquiano da Cultura aproveita a nossa presença para me pedir que transmita ao Mundo uma mensagem: “É a nossa História. Devolvam o que nos roubaram!

Do blog Cheiro a Polvóra, de Luis Castro, direto de Bagdá - 30.03.2008
tags:
publicado por ardotempo às 00:53 | Comentar | Adicionar
Domingo, 30.03.08

Quatro solos de um virtuose

ARCANGELO IANELLI

Aqui estão quatro exemplos da pintura de um artista maior, Arcangelo Ianelli, em diferentes momentos de sua trajetória.


















  1.
 
(1)Figurativo notável na década de 50, fazendo em seguida sua passagem para o abstracionismo, (2) ainda com elementos de uma figuração bastante sintetizada em 1960; (3) um exemplo de suas magistrais séries de quadrados superpostos em transparências, das décadas de 70/80 e (4) o seu apogeu criativo com a série mais recente das Vibrações Cromáticas da década de 90 .

Em todas as suas fases o grande artista atingiu um grau de originalidade e de qualidade pictórica exemplar, tornando-se um paradigmático, ou seja, assumindo a condição rara de ser o artista que funciona como referência para outros artistas e para um momento crucial da produção artística de seu tempo. E Ianelli conquistou essa condição singular em vários momentos de sua longa carreira. Já expressei claramente em vários textos a minha opinião sobre o papel de protagonista da arte contemporânea brasileira, que é ocupado pelo pintor paulista.

















  2.

Amigo de lealdade pétrea, irremovivelmente ético, ele é admirado por artistas como Rufino Tamayo, Pierre Soulages, Arthur Luis Piza, Tomie Ohtake e críticos de arte como Juan Acha, Giulio Carlo Argan, Alfred Pacquement e Ferreira Gullar.

Ianelli sempre transitou no espaço mais difícil e áspero, aquele que exige o saber fazer com a maior qualidade possível, com o mais exigente grau de invenção: o da beleza, sem cair nunca na redundância ou no previsível. Sim, porque este é um espaço também invadido pelo artesanato oportunista da decoração com seus temas vulgares e repetitivos: os grandes campos floridos de girassóis, os bravos cavalos em movimento, as paisagens ou as manchas tachistas, texturizadas e, atualmente, incrustradas com folhas de ouro, a sinalizar a pretensão de um valor que não possuem.

















  3.


No reverso dessa atitude, a eleição preferida por uma multidão prudente de artistas mais perspicazes será outra.

Uma opção mais barulhenta, porque sabemos como é um tantinho mais fácil alcançar a ilusão da densidade ou da profundidade apelando para o sensacionalismo, para o choque, para a expressão, para o bizarro, para alguma demagogia, em suma, para a feiúra, na  razão da imediata associação desse valor estético com os nossos tempos de escancarada ruína ética e comportamental.

É muitissimo mais dificil e raro ser um grande artista no espaço da beleza do que nos bem equacionados, compreensíveis, teorizados, aceitos e rotulados espaços da escatologia, do expressionismo, do escândalo, da denúncia e da arte brutal. Fazer assim alcanca um reconhecimento sólido e rentável pela espetacularização mediática que é praticamente instantânea.

O que conta é ser ágil, instalar o choque mais impetuoso e promover a notícia, Essa é a parte importante, o compromisso em despertar o interesse da mídia. Aí vale tudo.
Vale acumular lixo e rejeitos, vale amarrar um cão até a morte por inanição, vale espatifar-se sobre uma tela como obra póstuma abstrata, vale pintar com sangue (desde que imprensa seja previamente avisada do fato), vale usar como matéria-prima, terra misturada com massa fecal importada de países pobres distantes, vale fazer cubos de concreto utilizando-se de água de cadáveres. Pouco importa o resultado das “obras” o que vale é disseminação judiciosa da notíciadaousadiadaqueleindivíduo. Essa passa ser a “obra” e não o resultado obtido. Nesse sentido, a feiúra é uma das muletas mais eficazes porque reduz o trabalho e o tempo da compreensão do que se está pretendendo alcançar. Algo pode até resultar bem, ter seriedade e alcançar a condição da obra artística, mas com certeza não será tudo o que nos é apresentado e chancelado como tal.


















  4.

Isso jamais se aplica no caso de Arcangelo Ianelli, que optou pelo caminho e pelo espaço realmente mais difícil. O tempo fará a decantação e a real quantificação dos valores artísticos e estéticos que permanecerão.

   
 
publicado por ardotempo às 18:17 | Comentar | Adicionar

Desenho de ARLINDO DAIBERT




















Desenho em técnica mista, da Série O primeiro caderno de desenho - 1979

Do artista mineiro Arlindo Daibert.
tags: ,
publicado por ardotempo às 00:29 | Comentar | Adicionar
Sábado, 29.03.08

Olhando para o lado

Com fôlego para derrubar o muro de Tordesilhas?

















Vanguarda latino-americana se prepara para atravessar a fronteira

Há algum tempo, César Aira era apontado na Argentina, de forma irônica, como o "segredo mais bem guardado" da literatura daquele país. Pilhérias à parte, o argentino está longe de ser um enigma em sua terra natal, onde é reconhecido como um dos maiores expoentes da atualidade. Já no Brasil, sua obra continua a ser uma espécie de segredo: de seus mais de 30 livros, entre ensaio e ficção, apenas quatro estão traduzidos entre nós.

O caso de Aira, no entanto, revela somente uma fatia microscópica do quanto a literatura latina de língua espanhola nos chega em migalhas. Mesmo com o aumento considerável de autores publicados por aqui, nos últimos três anos, ainda são escassas as edições de jovens escritores. E mesmo clássicos do século passado permanecem obscuros no Brasil.

"Preservamos a tradição de direcionar o olhar para a Europa e para os EUA. Com isso, perdemos o diálogo com países que têm muito mais a ver conosco" ,  afirma Idelber Avelar, professor de literatura na Universidade de Tulane, em Nova Orleans.

"Além do diálogo, perdemos, também, a leitura de romances essenciais na história recente de nossos hermanos. É o caso de Museu do romance da eterna, de Macedonio Fernández, obra fundadora para as vanguardas atuais" , ilustra Avelar.

No esforço por recuperar tal déficit literário, tem se destacado o trabalho da Amauta Editorial, de São Paulo. Editora de tamanho micro, criada há quatro anos com o objetivo de romper com o "muro de Tordesilhas que separa as línguas portuguesa e espanhola apesar da proximidade cultural e geográfica", a empresa possui o mérito de lançar entre nós nomes como Sergio Chefjec (leia um trecho de seu romance abaixo) e Martín Kohan, dois representantes exemplares da literatura argentina contemporânea. Kohan, inclusive, ganhou recentemente o prêmio Herralde.

"As editoras pequenas são menos burocráticas e, mesmo que de forma artesanal, conseguem lançar autores novos, que não tenham necessariamente apelo comercial ", justifica Marcelo Barbão, um dos sócios da editora.

Pena que as tiragens da Amauta sejam pequenas – 500 livros por edição – e as traduções, poucas – duas ou três por ano. Enquanto outras pequenas raramente se aventuram na publicação de hermanos, resta nos contentarmos com o tal boom de publicações das grandes editoras, focalizado em nomes que já caíram nas graças do público brasileiro, como Ricardo Piglia ou Manuel Puig.  Afinal, uma coisa é certa: " Não tenho dúvidas de que as grandes editoras estão extremamente atentas à literatura hispano-americana " afirma Avelar." Talvez a quantidade de traduções não seja maior porque elas esperam, ainda, a criação de um público, isso a que chamam estouro".

Avelar acrescenta que autores como César Aira possuem um estilo pouco palatável ao leitor médio brasileiro. Seu texto apresentaria tons de nonsense que dependem da criação de um público específico, habituado à originalidade de sua obra, justifica o especialista.

Júlio Pimentel Pinto, professor no departamento de história da USP, é otimista quanto ao desenvolvimento desse público leitor: "Apesar de um período de moda nos anos 1960, o leitor brasileiro nunca olhou com atenção para a produção literária vizinha. Mas há uma tendência de crescimento nos catálogos que, mais cedo ou mais tarde, fará com que os leitores percebam que a literatura hispano-americana não se restringe aos autores já reconhecidos, como Cortázar ou Vargas Llosa."

A questão é que a lista de escritores hispano-americanos imperdíveis, porém inéditos (ou quase) no Brasil, continua infinita. Talvez pudéssemos começá-la assim: Gustavo Ferreyra, Juan José Becerra, Tununa Mercado, Rodolfo Walsh, Eloy Urroz, Mariano Azuela, Severo Sarduy, Fábian Casas. Esses foram apenas alguns dos nomes que ouvimos durante esta apuração.

Tantas ausências, no entanto, contrastam com o sucesso de certas traduções recentes. Basta lembrar O passado, de Alan Pauls, que teve sua primeira edição, de 3 mil exemplares, esgotada em um mês – e isso antes de estrear entre nós o filme homônimo, de Hector Babenco. Fenômeno parecido ocorre com o chileno Roberto Bolaño, que passou de cult a pop num piscar de olhos. Sinal de que está se formando de fato um público mais atento ao estilo de nossos vizinhos escribas? Talvez. A questão aqui é: será que há fôlego para enfim romper com o muro de Tordesilhas?

" Temos, de um lado, um problema, que é: o sucesso diluiu e banalizou o realismo mágico, criando um público leitor que se viciou em narrativas cheias de eventos fabulosos, espíritos brotando das sombras e gente explodindo ", ataca Pimentel. "Além disso, as editoras se arriscam pouco, com notáveis exceções, e preferem se concentrar em autores já consagrados."

O que é uma pena. Pois autores como Kohan e Chejfec teriam muito a acrescentar aos seus contemporâneos tupiniquins. Avelar ressalta que Kohan é um dos poucos autores latino-americanos a falar de futebol – este tema tão brasileiro – de uma forma inteligente. E o livro de Chejfec também reúne méritos: "Boca de lobo (o romance publicado pela Amauta) faz, de forma não consciente, um contraponto ao imaginário urbano que a literatura brasileira contemporânea tem criado. Porque no Brasil estamos muito atrelados a uma estética da neo-violência, a um hiper-realismo agressivo no retrato da cidade. Já Chejfec faz um registro sutil, oblíquo, que tem um efeito mais poderoso a longo prazo."

O curioso é que, para escrever o romance, o autor não se inspirou em seus compatriotas: "A hora da estrela, de Clarice Lispector, foi meu ponto de partida para criar Boca de lobo" , conta. "Mas não aconteceu de forma instantânea. Apenas muitos anos depois de conhecer o livro pude resgatar dele a moral literária de construção do herói, este que se esconde também em meu texto. A hora da estrela é um milagre. E não existem muitos na literatura."

O Brasil não alimenta apenas de livros a criatividade de Chejfec. Sua nova novela, na qual trabalha no momento, passa-se em Porto Alegre. Mais uma prova de quanto o muro de Tordesilhas, em determinados casos, é inócuo.

Juliana Krapp, publicado por JB Online, em 29.03.2008

publicado por ardotempo às 21:11 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

L'Arc-en-Ciel-de-France








































Publicado pelo blog f-world   - 28.03.2008
tags:
publicado por ardotempo às 18:43 | Comentar | Adicionar

Tintin, agente do Dalai Lama

Tendo Tintin feito tanto pela causa do Tibet é
normal que o Tibet faça o mesmo pela causa de Tintin. Dessa forma justifica-se que o Dalai Lama tenha entregue em 2006 à Fundação Hergé o prêmio Light of Truth da ITC (International Campaign for Tibet), que é uma das parceiras da Fundação Hergé para o centenário do autor.

Georges Remi (inverta as suas iniciais e você formará o seu pseudônimo de autoria para seus álbuns de quadrinhos) estaria sentindo-se muito feliz, certamente. Eu procuro evitar falar pelos mortos,
mas não devemos nos esquecer que o budista belga considerava Tintin no Tibet como sendo o seu álbum  predileto e, deliberadamente colocado como um desafio político. Dessa maneira o chefe espiritual do budismo tibetano jamais teve dúvidas: Tintin é o
seu melhor agente de propaganda
.

A prova: há cinco anos atrás, quando de seu lançamento em mandarin, o álbum foi abusivamente intitulado como Tintin no Tibet Chinês. A Fundação Hergé desde então apresenta queixas e move ações com o objetivo de retirar a última palavra indevidamente anexada ao título; não se poderia esperar menos por parte de seus dirigentes, Fanny, a viúva de Hergé e de seu atual marido Nick Rodwell, ambos convertidos ao budismo.  

Aos olhos do Dalai Lama, que aceitou o convite para inaugurar uma grande exposição Tintin no Tibet tendo ao lado os dois dirigentes da Fundação Hergé, o álbum de Hergé não apenas “revela ao mundo a beleza do Tibet” mas igualmente “promove uma tomada de consciência internacional mais aguçada sobre o Tibet”. Quem poderia imaginar que histórias em quadrinhos poderiam chegar a tanto? O destino reservou a elas algo surpreendente que não poderia ter sido premeditado.

Pierre Assouline  - La Republique des Livres, Le Monde – 28.03.2008 
publicado por ardotempo às 18:00 | Comentar | Adicionar

O último bandoneón

Um comovente filme argentino (agora disponível em DVD) sobre a formação de uma "típica" de tangos, constituída por jovens músicos, organizada e conduzida pelo maestro e músico Rodolfo Mederos. Vale a pena ver e guardar para rever.

Veja aqui
                                           

Epoca

Si desapareció

En mi aparecerá

Creyeron que murió

Pero renacerá

Llovió, paró, llovió

Y un chico adivinó

Oímos una voz, y desde un tango

Rumor de pañuelo blanco

No eran buenas esas épocas

Malos eran esos aires

Fue hace veinticinco años

Y vos existías, sin existir todavía

No eran buenas esas épocas

Malos eran esos aires

Fue hace veinticinco años

Y vos existías, sin existir todavía

Si desapareció

En mi aparecerá

Creyeron que murió

Y aquí se nace

Aquí la vida renace

No eran buenas esas épocas

Malos eran esos aires

Fue hace veintinco años

Y vos existías

No eran buenas esas épocas

Malos eran esos aires

Fue hace veinticinco años

Y vos existías, sin existir todavía
tags:
publicado por ardotempo às 13:27 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 28.03.08

Aforismo Borgesiano – 09

Desgraça

Não é necessário que procuremos pela desgraça.
Ela, de qualquer modo, sempre acaba nos encontrando.





















©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecê Editores – Buenos Aires Argentina
Sem título – Pintura de Carla Osório, óleo sobre tela, 2007
publicado por ardotempo às 18:13 | Comentar | Adicionar

Plásticos nos rios, plásticos nos oceanos

Plástico é sempre plástico. O material é um polímero. O polietileno não é biodegradável em uma escala de tempo praticável. Não há mecanismos no ambiente marinho para degradar uma molécula tão longa. (…) Exceto por uma pequena quantidade que tem sido incinerada, toda a partícula de plástico fabricada no mundo nos últimos 50 anos ainda existe. Está em algum lugar no ambiente.” – Dr. Anthony Andrady, Cientista Pesquisador Sênior do Depto. de Pesquisas da Universidade da Carolina do Norte, EUA.

A produção total desse meio século agora ultrapassa 1 bilhão de toneladas. Isso inclui centenas de plásticos diferentes, com permutações desconhecidas, envolvendo plastificantes aditivados, opacificadores, pigmentos, produtos para enchimentos e para aumento da resistência e estabilizadores leves. A longevidade de cada um pode variar enormemente.

Extraído de O mundo sem nós – Alan Weisman, Editora Planeta, 2007
Instalação de arte nas margens do Rio Tietê, São Paulo SP – Brasil
Obra de Eduardo Srur, Quase líquido – 2008

 


Agora pense naquelas “inocentes e confortáveis” sacolinhas plásticas oferecidas gentilmente e aos milhares, nos supermercados para o transporte das mercadorias compradas, pense nas garrafas pets dos refrigerantes… Para onde irão…?

publicado por ardotempo às 17:25 | Comentar | Adicionar

A menina que roubava livros

Da Literatura:  

Em 2002, quando publicou The Messenger, o
australiano Markus Zusak (n. 1975) tornou-se um dos mais aclamados autores da sua geração. O livro recebeu quatro prémios, e o reconhecimento de Zusak, que aos 27 anos publicava o seu terceiro romance, rompeu a barreira da língua inglesa. The Messenger continua inédito em Portugal, mas uma obra posterior,
A Rapariga que Roubava Livros
, chegou agora às nossas livrarias . (NE: A menina de roubava livros, no Brasil)

Zusak, filho de mãe alemã e pai austríaco, nasceu em Sydney, na Austrália. Os pais guardaram recordações da Alemanha nazi, e ele habituou-se a conviver com essas memórias. Nada lhe é estranho: nem os paradoxos da juventude hitleriana, nem a ignomínia da Solução Final, nem as cidades devastadas pelos aliados no fim da guerra.
 
Não admira que a acção do romance esteja localizada em
Molching, subúrbio pobre de Munique, durante a II Grande Guerra. (Na realidade, Zusak está a falar da cidade de Olching, a meio caminho de Munique e do campo de Dachau.) É lá que vive Liesel Meminger, a rapariga que roubava livros. Em Janeiro de 1939, ela e o irmão Werner iam ser entregues a uma família de acolhimento. Os pais, comunistas perseguidos pelo III Reich, não os podiam ter com eles. Mas Werner morre na viagem, ao colo da mãe, e Liesel foi entregue sozinha aos Hubermann. De um momento para o outro, ficara sem o irmão: "um intenso estertor de tosse" e, ZÁS, nada. Em casa dos Hubermann, na rua Himmel, aprenderá a inventar maneiras de provar a si própria que continua viva. A mãe adoptiva, Rosa Hubermann, não esconde o desprezo que sente por ela, a quem trata por saukerl (este e outros vocábulos alemães não foram traduzidos; saukerl equivalerá a porcalhona), mas o marido, Hans, pintor e acordeonista, é um homem bom. Ele vai ajudar Liesel a sobreviver no ambiente hostil de Molching.

Liesel roubava livros para, entre outros motivos, evitar que os alemães os queimassem: "Os alemães adoravam queimar coisas. Lojas, sinagogas, Reichtags, casas, artigos pessoais, gente assassinada e, é claro, livros. Eles apreciavam realmente uma boa queima de livros — o que proporcionava às pessoas parciais em relação a estes a oportunidade de deitar mão a certas publicações que não obteriam de outra maneira". Roubou o primeiro no dia 13 de Janeiro de 1939, no dia em que o irmão foi a enterrar. Caído na neve, O Manual do Coveiro foi esse livro inaugural. Tinha nove anos, quase dez, mas não sabia ler. Pegou nele sem saber do que tratava, o primeiro de muitos. Deixou passar 463 dias e, a 20 de Abril de 1940, roubou o segundo, O Encolher de Ombros, um livro azul com letras vermelhas que foi parar às suas mãos "no fim de uma tarde recheada de muita excitação, muita maldade bela, um tornozelo ensopado em sangue, e uma bofetada de uma mão em que ela confiava".

A história está pontuada de episódios que, na sua aparente fortuitidade, registam com extrema subtileza o quotidiano da retaguarda alemã. Sirva de exemplo a admiração que Rudy Steiner, um amiguinho de Liesel, nutria pelo americano Jesse Owens, o negro que venceu as provas de atletismo nas Olimpíadas de Berlim, em 1936. Um dia, Rudy mascarra-se com carvão, correndo pelas ruas de Molching para escândalo de quem assim o viu. Outro apontamento curioso é o que relaciona a extrema solidão de Max Vandenburg, o judeu que a família Hubermann escondeu na cave, com a de Liesel. Quando a rapariga faz doze anos, Max oferece-lhe um caderno de treze páginas, feito por si, a partir das folhas arrancadas a um exemplar de Mein Kampf: pintou-as de branco antes de as ilustrar e legendar. Esse caderno está inserido no texto, sendo visíveis, sob a tinta raspada, fragmentos do livro que Hitler começou a escrever na prisão (nos anos 1920), e veio a tornar-se o guia ideológico do III Reich.

A Rapariga que Roubava Livros
tem prólogo, dez partes distintas, e um epílogo que nos dá a conhecer o destino de Liesel e Max. Do conjunto faz parte uma pequena colecção de pensamentos de Liesel, A Sacudidora de Palavras. A obra está construída a partir dos livros que Liesel leu entre 1939 e 1943. Os que roubou e os que recebeu de presente. Sabemos exactamente em que circunstâncias leu cada um deles. A noite do bombardeamento de Munique, por exemplo, deu-lhe oportunidade de ler cinquenta e quatro páginas.

Apesar de tudo, Liesel foi uma rapariga com sorte. Três vezes a morte a procurou, três vezes escapou dela. Não admira que a história seja contada (sim, narrada) pela Morte herself. Naturalmente, o grau de sofisticação de Zusak impede a menor derrapagem.

Publicado em Da Literatura – por Eduardo Pitta    

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS
Autor: Markus Zusak
Romance, 500 páginas, 2007
Editora: Editora Intrínseca
ISBN Nº 85 980 78174
publicado por ardotempo às 13:04 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

As fazendas de salmão do Chile estão doentes

Vírus nos salmões do Chile


















Quem olha para as montanhas verdes e baixas que serpenteiam por quilômetros de cursos d'água plácidos no sul do Chile, mal pode imaginar que algo possa estar errado. Mas abaixo das redes cuidadosamente instaladas em torno das fazendas de piscicultura próximas à costa os salmões estão morrendo.

Uma doença virótica conhecida como anemia infecciosa do salmão, ou ISA, na sigla em inglês, está dizimando milhões de salmões destinados à exportação para o Japão, a Europa e os Estados Unidos. A doença também fez com que as companhias de exportação ficassem expostas a novas acusações de biólogos e ambientalistas que afirmam que a criação de salmões em cercados subaquáticos superlotados está contaminando estas águas, outrora puras e produzindo peixes potencialmente doentes.

Alguns acusam a indústria de criar peixes de uma maneira que convida ao desastre, e os produtores estão sofrendo cada vez mais pressões para modificarem os seus métodos a fim de preservar as águas azul-cobalto do sul do Chile para os turistas e as espécies nativas da vida marinha.

"Todos estes problemas estão relacionados a uma ausência básica de controles sanitários", denuncia Felipe C. Cabello, professor do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Universidade de Medicina de Nova York, em Valhalla, no Estado de Nova York, que estuda a indústria de exportação de peixes do Chile. "Infecções parasitárias, virais e fúngicas disseminam-se quando os peixes ficam estressados e os centros de criação são construídos demasiadamente próximos uns dos outros".

As companhias admitem que essas doenças fizeram com que utilizassem doses elevadas de antibióticos. Os pesquisadores afirmam que esta prática é comum na indústria de peixes chilena, e que se consiste de uma mistura de produtos farmacológicos internacionais e chilenos. Segundo os cientistas, alguns desses antibióticos são proibidos para uso em animais nos Estados Unidos. O novo vírus está se espalhando, mas tem afetado principalmente os peixes da Marine Harvest, uma companhia norueguesa que é a maior produtora do mundo de salmões criados em fazendas, e que é responsável por cerca de 20% do salmão exportado pelo Chile.

Arne Hjeltnes, o porta-voz principal da Marine Harvest em Oslo, na Noruega, diz que a sua companhia reconhece que o uso de antibiótico é excessivo no Chile, e que os cercados de peixes muito próximos contribuíram para os problemas. "Algumas pessoas alegam que esta indústria é boa demais para ser verdade", diz Hjeltnes. "Mas enquanto todo mundo estava ganhando muito dinheiro e tudo ia bem, não havia motivo para adotar medidas duras". Ele diz que a crise atual é um alerta para que se preste atenção nas várias medidas que se fazem necessárias.

Os ambientalistas dizem que o salmão está sendo criado para exportação às custas de quase tudo mais. Biólogos e ambientalistas dizem que fezes de salmão e grãos de ração estão reduzindo o oxigênio da água, matando outras espécies da vida marinha e disseminando doenças. Os pesquisadores afirmam que os salmões que fogem estão comendo outras espécies de peixe e começaram a invadir os rios e os lagos.

"Simplesmente não é possível produzir peixe em uma escala industrial de forma sustentável", argumenta Wolfram Heise, diretor do programa de conservação marinha do Projeto Pumalin, uma iniciativa conservacionista privada no Chile. "Nunca se conseguirá atingir um equilíbrio ecológico".

Quando as companhias começaram a criar aqui salmões do Oceano Atlântico, que não são nativos desta região, duas décadas atrás, a criação de salmão era tida como uma bênção para uma área pouco habitada que só tinha algumas aldeias sonolentas de pescadores e campings. A indústria cresceu oito vezes de tamanho desde 1990. Atualmente ela emprega 53 mil pessoas, direta ou indiretamente. Quando a indústria começa agora a abandonar a região dos Lagos em busca de águas não contaminadas em outros locais, a população local fica furiosa, além de preocupada com o futuro.

"As companhias de salmão estão roubando as nossas riquezas", acusa Victor Guttierrez, um pescador de Cochamo, uma vila no Golfo de Reloncavi, que é pontilhado de fazendas de salmão. "Elas trazem as doenças e depois vão embora, deixando-nos com os problemas".

Guttierrez, 33 anos, diz que há apenas seis anos ele e o seu companheiro de pesca pescavam 500 kg de robalo em um dia normal de trabalho. Recentemente ele mostrou o resultado de uma pescaria, apontando para os 40 kg de peixe que estavam em uma caixa térmica na carroceria da sua caminhonete. Ele lamenta as mudanças que observa nos peixes: eles estão mais rosados do que antes, e têm a pele mais flácida. Guttierrez diz suspeitar que os peixes selvagens estão comendo a mesma ração da qual os salmões se alimentam. Segundo ele, a ração está se depositando no fundo do mar. "Se a água continuar sendo contaminada, simplesmente teremos que nos mudar para outra área para encontrar o nosso peixe", diz ele. "A situação está ficando cada vez mais difícil".

Alexei Barrionuevo, Puerto Montt, Chile – publicado no UOL - 27.03.2008
tags:
publicado por ardotempo às 12:06 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 27.03.08

Vocação Literária

Enrique Vila-Matas cita Bukowsky:

A essa obstinação constante na busca da qualidade literária, cabem com perfeição algumas belas palavras de Bukowsky, que às vezes me parecem mais ser de Roberto Bolaño e que lembram o dom supremo que se esconde em toda autêntica vocação literária:

Se vai tentar, que o faça integralmente. Se não, será melhor que nem comece. Pode ser que perca a família, a mulher, as amizades, os trabalhos e até mesmo, a cabeça. Pode ser que não tenha o que comer em alguns dias, pode ser que se sinta congelando num banco de praça. Não importa. São provas de resistência para saber se é capaz. E você seguirá. Apesar das recusas e das incertezas, será melhor do que qualquer coisa que tenha imaginado. Você se sentirá na companhia dos deuses e as noites arderão em chamas. Vai cavalgar a vida inteira até encontrar a gargalhada perfeita. É a única batalha que vale a pena.

Enrique Vila-Matas, El País – 27.03.2008 
publicado por ardotempo às 23:03 | Comentar | Adicionar

A blogueira comenta direto de Cuba


Votos de longa e intermitente atividade à destemida Yoani Sanchez e ao seu blog Generacion Y.

http://desdecuba.com/generaciony/

A questão é simples. Liberdade e liberdade de expressão, apenas isso.
A blogueira é inteligente e possui um refinado senso de humor, seus artigos são bons.
Pouco importa se as pessoas pensarão parecido ou não, se discordarão do que é informado ou se virão a discordar de suas opiniões a qualquer tempo. E se os comentários postados aos seus artigos (e são centenas a cada publicação) têm outra mão, menos sutil, mais pesada, panfletária, carrancuda ou até bastante menos humorada. Isso, definitivamente, não importa.

O que importa é o seu direito de expressão e a liberdade de fazê-lo.
Sem pressões, sem censura, sem ameaças, sem riscos.
É só lembrar Kafka e Camus.

Tudo é dificil para Yoani, vamos torcer (e acompanhar) para que o blog continue a sua resistência. Não importa se ela fala para Cuba ou para o mundo, importa que ela possa expressar seu pensamento, a sua opinião com liberdade.

"El jueves pasado una amiga me alertó de que no se           
podía entrar a algunos blogs y sitios hechos desde la
Isla (...)

Puede parecer increíble que con tan limitado acceso
a
la Internet los cubanos hayamos notado tan rápidamente el presillado de estas páginas, pero así fue. Después de varios avisos de lectores nerviosos,
me fui a un
ciberlocal público y comprobé – por mí misma – la censura.

El lunes parece que se le abrió un hueco al filtro o
el encargado de mantenerlo se quedó dormido, pues
durante la tarde fue posible navegar por tan
peligrosas” páginas. Al parecer, el martes volvieron
a estar bajo el signo de lo inaccesible, aunque
algunos con conexiones más potentes decían poder
entrar después de esperar más de veinte minutos.
Con
este jueguito, que siembra la confusión, nos han
mantenido hasta hoy.

Por lo que veo, han puesto en práctica algún filtro
que hace demorar la entrada al sitio, lo que evita su
lectura por internautas cubanos."

Do blog Generacion Y, de Yoani Sanchez
Pintura de Vladimir Velickovic, óleo sobre tela
tags:
publicado por ardotempo às 18:45 | Comentar | Adicionar

Está escrito




















Francis Cabrel canta que “no final, todos têm a mesma história…e contam os dias.” C’est écrit é uma história comum, mas uma história comum bem extrarordinária e densa… Veja aqui.
tags:
publicado por ardotempo às 18:33 | Comentar | Adicionar

Brasil japonês

Viva Japão-Brasil

 

Saudações a todos os integrantes dessa epopéia de participação vital
e de contribuições culturais notáveis que tornaram esse lugar um tanto melhor
para se viver e para se habitar; saudações a todos que elegeram
esse palco para si e nele fizeram-se protagonistas. 



publicado por ardotempo às 12:58 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 26.03.08

Poema inédito - Monique Revillion




ECOS




 
Olho muito tempo o corpo de um poema

palavras são curvas de uma mansa anatomia

que palmilho, vagarosa, como as tardes de Minas

Adélia, Carlos, Manoel, Ana

tessitura firme, ecos de espuma.

 

O corpo é assombro, vibra, chama

nudez assertiva, palidez de lua

princípio, vindima

ou gaveta fria do morgue?

 

Ao final, apenas os olhos espreitam

e um caldo primevo de palavras duras

regurgita no meu oco de deuses e fagulhas.



©Monique Revillion


TERESA, QUE ESPERAVA AS UVAS
Monique Revillion é a autora do excelente livro de contos lançado em 2006
e ganhadora do Prêmio Açorianos (Porto Alegre RS) daquele ano
(uma escolha qualificada e isenta) com esta obra, apresentando 36 contos,
construídos em literatura de alta qualidade.












    Teresa, que esperava as uvas
    Autora: Monique Revillion
    Contos, 158 páginas, 2006
    Editora: Geração Editorial, São Paulo SP
    Nº ISBN 85-7509-137-9
publicado por ardotempo às 23:43 | Comentar | Adicionar
Terça-feira, 25.03.08

Entrevista: MARCOS MAGALDI





Marcos Magaldi – Fotógrafo                             

ARdoTEmpo: Marcos Magaldi, você que é um erudito, um pensador e um fotógrafo sofisticado, de uma época pré-digitalização, com grande experiência de laboratório
e agora um fotógrafo já adaptado às novas tecnologias,

como vê o seu trabalho atual, algo se modificou ou é a mesma coisa?

Marcos Magaldi:  Com a mudança do padrão no registro da luz, a fotografia, que antes dependia de uma certa expertise para ser bem executada, passou por um
processo de democratização bastante amplo, com o deslocamento do fotógrafo profissional para nichos muito reduzidos de mercado. A automação, aliada à digitalização dos processos fotográficos, incorporou à profissão mão de
obra com reduzida capacitação técnica e intelectual, causando com isto um relativo abastardamento da atividade profissional.

AT: Nesse cenário, em que aparentemente toda a atenção mediática está
voltada para a imagem – os jornais e revistas valorizam a imagem, a TV
e o cinema são imagem, a internet também se apoia intensamente na
imagem, o fotógrafo (que produz as imagens) está vivendo o seu
paraíso, o seu momento de glória?

MM: Infelizmente isto não é verdade. Como parte considerável da produção
fotográfica é feita sob encomenda, as relações de mercado entre as grandes corporações, tanto jornalísticas quanto publicitárias, com o profissional de fotografia se dão normalmente sob a égide da exploração pura e simples, com preços muitas vezes aviltados e contratos leoninos impostos pelos prepostos destas organizações.

AT: No campo da Arte Contemporânea, o curador de um dos mais importantes museus de São Paulo escreveu que a pintura, a  gravura e a escultura são expressões artísticas vinculadas ao século passado, que este é o momento da fotografia, na abertura do terceiro milênio… o que você acha dessa afirmativa?

MM: Uma bobagem sem fim....
Quem é bom e tem alguma coisa para dizer será notado, não importando o
suporte que use para a sua comunicação.

AT: Como você vê o papel do fotógrafo nos dias atuais e qual será o seu futuro?

MM:  Como disse no catálogo da minha última exposição, devemos a alguns fotógrafos uma enorme ampliação do nosso universo cognitivo, já que não temos o dom de podermos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. O que seria da nossa vida sem as imagens que nos informam o que acontece no mundo??? O fotógrafo é, portanto, uma espécie de "olho" da sociedade. Um responsável pelo registro de acontecimentos e da memória de um grupo de pessoas.

AT: Você é um usuário da biblioteca borgeana, um leitor de livros, um colecionador de livros de fotografia, um artista premiado da fotografia de autor, como vê este triângulo no cenário contemporâneo: os livros, a fotografia e a internet?

MM: O livro, a fotografia e a internet são algumas das formas que encontramos para ampliarmos de maneira considerável nosso conhecimento do mundo. São ferramentas que tornam nosso cotidiano muito mais rico e variado, já que nossas vivências imediatas são naturalmente limitadas pelo nosso espaço físico e pelo tempo de vida de cada um.

Entrevista concedida por Marcos Magaldi a ArdoTEmpo – março 2008
publicado por ardotempo às 19:33 | Comentar | Adicionar
Segunda-feira, 24.03.08

PICASSO

Leonardo da Vinci se hallaba a medio camino de la verdad cuando escribió que la Arte es una cosa mental. Cézanne se atreve a afirmar que en Arte se cria con los cojones. Personalmente, creo que la verdad reside en las dos cosas, en Leonardo da Vinci MÁS Cézanne.“ – Pablo Picasso













  Pablo Picasso
  Foto de Edward Quinn
publicado por ardotempo às 12:27 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Contemporâneos no Acervo do MASP



Obras presentes no contexto expositivo de museus contemporâneos brasileiros – Pintura contemporânea no acervo tombado do MASPMuseu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand São Paulo – Grávida (óleo sobre tela, de A. Aquino) e Vibrações (óleo sobre tela, de Arcangelo Ianelli).
publicado por ardotempo às 02:40 | Comentar | Adicionar
Domingo, 23.03.08

Aforismo Borgesiano – 08

Críticos (literários /de arte)



A função do crítico é a de equivocar-se, a de especializar-se no erro cuidadoso.

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal - Emecê Editores  Buenos Aires - Argentina
Desenho de Saul Steinberg
publicado por ardotempo às 22:33 | Comentar | Adicionar

O notável simples

Alfredo VOLPI    

O pintor Alfredo Volpi foi um artista notável, com a sua simplicidade silenciosa. Um colorista de qualidade, que trabalhou com habilidade no universo complexo da pintura à têmpera. Superfícies cromáticas frágeis, coloridos delicados e igualmente fugidios (pelas intempéries e pela luz), sobre o suporte volúvel da tela, equilíbrios precarissimos para uma
obra tão singular.

Artistas tornam-se maiores (maduros, únicos e influentes) quando, por um lance magistral, de seu pensamento de
criação ou de uma iluminação da inteligência sensível,
inventam algo que os especializam no intricado e sutil espaço da Arte. Tornam-se então paradigmáticos, com aquela obra ou obras, que inventaram ou que criaram como outros, talvez, o prefiram.

Apesar dos esforços generalizados, são poucos os que alcançam tal condição. Que resultará quase sempre no reconhecimento, sem palavras, por outros artistas. Sim, porque a conquista normalmente significará que os paradigmáticos inventaram algo que é somente seu, um certificado visual de origem que os identifica imediatamente. Eles não se parecem a ninguém, os outros é que se parecerão a eles, no decorrer do tempo. Ou não terá ocorrido assim em diversos casos?

Picasso se fez paradigmático várias vezes e porisso resultou
tão grandioso e tão influente. Com as lascas especulares facetadas em ocres de seu cubismo, com suas sensuais figuras “italianas” ou com sua impressionante Guernica, construída
em desenhos marcados, com matizes de cinzas e negros, que influenciaram centenas de artistas pelo mundo.

Giorgio Morandi com suas naturezas mortas, de garrafas e potes, e o universo infinito das cores “morandianas“ em tons terras, rosas, ocres, grises e amarelos de sua curta e riquíssima paleta, que o fizeram o pintor preferido de tantos outros pintores.

E o Francis Bacon dos corpos que se derretem e se desfazem, apodrecidos e descarnados, em suas telas: outros o repetiram, como num jogral, com incontido entusiasmo. A "feiúra" expressionista de Soutine, de adeptos apaixonados
(e resultados nem tanto). Os volumes acumulados de tintas, espessos e bárbaros, as pastosas tridimenssionais dos movimentos petrificados dos gestos de Karel Appel. Outros artistas também os refizeram, em outras latitudes e noutros tempos, um pouco depois ou bem mais tarde.

Outros artistas serão ainda as influências seminais para
milhares de artistas  que lhes seguem os passos e os gestos, religiosamente: Paul Klee, Marcel Duchamp, Anselm Kiefer, Henry Moore, Jacometti e Dubuffet.

Há um paradigmático maior no Brasil que se reinventou, pelo menos, três vezes e o fez com originalidade e consistência: Arcangelo Ianelli - quando, ainda figurativo, criou uma gama estupenda de grises coloridos - os matizes sussurrados - e fez de sua cor tão original uma marca pessoal, inconfundível. Posteriormente, inventou os quadrados superpostos em extraordinárias texturas de transparências e celebrizou-se. Recentemente aprofundou radicalmente as pesquisas e revelou-nos as suas séries de Vibrações, sinfonias cromáticas que o singularizam e que nos deixam extasiados frente à qualidade alcançada e à profundidade de seu pensamento pictórico.

Arcangelo Ianelli foi amigo de Alfredo Volpi. Encontravam-se com freqüência, no ateliê de um e do outro, e trocavam idéias sobre a pintura e sobre as técnicas de que se utilizavam. Mostravam um ao outro as suas telas e conversavam, sempre com humor e espírito. Gostavam-se e respeitavam-se, como amigos e como pintores.   

Volpi também conquistou a sua própria condição de singularidade. Não se parece a ninguém, também soube se fazer único. Para isso utilizou o módulo sintetizado em formato gráfico de uma bandeira ou de mastro, e as fachadas planas, sem profundidade ou perspectiva, espaços preciosos para os jogos sensíveis da cor. Isso foi bem percebido, estudado e descrito pelo talento de seu principal curador, Olívio Tavares de Araújo, um pensador diligente e preciso no aprofundado conhecimento sobre a obra do pintor italiano-brasileiro.


















Pinturas em têmpera sobre tela de
Alfredo Volpi.
Fotos de Pierre Yves Refalo
tags: ,
publicado por ardotempo às 17:39 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Ficção ELVIS, segundo LIMONGI


Não foi minha paixão pela música ou o cinema de Elvis
que me levou ao interesse por ele, simplesmente porque eu não conhecia quase nada de suas canções ou de seus filmes.
Ele representava, aos meus olhos, o perfil de um ícone hiper-kitsch, superexposto, encarnando a transposição de um mundo antigo a um mundo novo. Elvis simboliza
o nascimento do rock’n’roll e a invenção de uma nova etapa da idade entre a infância e a idade adulta: a adolescência. O reconhecimento da pulsão e do desejo, pouco a pouco aceitos pela sociedade. Ele faz o
percurso pelas mutações essenciais, a guerra, a criação da bomba atômica… até morrer com a chegada  do punk
Eu desejava redesenhar os contornos desta silhueta tão bem identificada e remontada em novos detalhes. A escrita, a princípio seca, quase sufocada, pouco a pouco encontra um ritmo através das repetições que funcionam como uma forma de refrão, uma litania que remete ou à história ou ao mito e que recria um movimento de órbita dentro do texto.”

Laure Limogi autora de Fonction Elvis, Laureli / Editions Léo Scheer, França

   Leia aqui
publicado por ardotempo às 13:38 | Comentar | Adicionar
Sábado, 22.03.08

Dezoito aforismos de um polonês genial

Stanislaw Jerzy Lec – um escritor judeu-polonês, nascido
em 1909, mestre em aforismos, que escapou de um campo
de concentração nazista vestindo um uniforme de soldado alemão para logo integrar-se à resistência polonesa contra a opressão nazista e que foi capaz de dizer a um amigo
polonês, seu tradutor para o inglês, às vésperas de sua
morte em 1967, já fragilizado pelo câncer que tomava impiedosamente grande parte de seu corpo :
Veja, já não sou um judeu, sou apenas meio judeu…

Ele escreveu aforismos desse nível:

• Muitos bumerangues não retornam: preferem a liberdade.

• Conselho a escritores: às vezes é necessário parar de escrever.
Inclusive, antes mesmo de começar.

• Até a sua ignorância é uma enciclopédia.

• O dedo de Deus nem sempre deixa as mesmas impressões digitais.

• Os ideais não são para idealistas.

• Pense antes de pensar!

• É uma pena que a viagem para o Paraíso seja dentro de um ataúde.

• “Eu só o ameacei com um dedo”, disse, apertando o gatilho.

•  Afaste-se um pouco do caminho da Justiça. Ela é cega.

•  Entre dentro de si mesmo, sem bater.

•  O mundo é belo. Isso é justamente o mais triste.

•  A força da Arte: podem existir heróis covardes.

•  A Revolução Francesa demonstrou com o exemplo que aqueles que perdem são os que perdem a cabeça.

• No princípio era o Verbo; no final, a verborragia.

• O que acontece ao diabo quando deixa de acreditar em Deus?

• Na guerra das idéias normalmente são as pessoas que morrem.

• Insônia: enfermidade comum nos tempos em se obriga homens e mulheres a fechar seus olhos frente a muitos acontecimentos.

• O carrasco geralmente se esconde sob uma máscara: a da justiça.
publicado por ardotempo às 22:56 | Comentar | Adicionar

Cartas contam - LUIZ RUFFATO


CARTAS CONTAM TUDO
, devagar, aos poucos como quem nada conta, palavra
após palavra, data a data, a emoção crescente da revelação de que tudo se parece mas é individual, a nada se parece. Uma grande idéia, comovente, implacável... uma grandiosa homenagem. SIMPLES.
O singelo que vai se tornando denso porque toda vida é densa e insubstituível.

A história em testemunho escrito de um brasileiro, um homem comum, lutador em desvantagem como quase todos, a maioria esmagadora e esmagada no país das chances mínimas. Comovente, forte, uma história que não se fez, FEITA, intensa, contada nas zelosas e desarmadas cartas à mãe.







 DE MIM JÁ NEM SE LEMBRA
 Autor: Luiz Ruffato
 Editora: Editora Moderna - 104 páginas / 2007
 Literatura brasileira
 ISBN Nº  978-85-16-05410-6
publicado por ardotempo às 00:05 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 21.03.08

Peixe-ouro da Polinésia



Peixe-ouro da Polinésia (Australiae Aurum Salmonis)
Comercial e biologicamente extinto desde o ínicio da década 90 do século XX.

“…dos peixes do Golfo dos Franceses, os formidáveis peixes-ouro da Polinésia, que só existiram naquela ilha-continente e que sumiram depois de terem sido pescados à exaustão pelas redes das traineiras japonesas, neo-zelandesas e até fenecianas durante os anos inox.
 
Pesca predatória em dimensão gigantesca comparável somente à omissão complacente das autoridades truculentas, que fôra tão abusiva que o peixe, secularmente abundante nas águas do continente, sendo o símbolo da fartura naquela região e até desenhado no brasão da república de Austral-Fênix, simplesmente desaparecera daqueles mares, extingüira-se por completo no Golfo dos Franceses, para onde vinha reproduzir-se desde tempos imemoriais, anteriores à descoberta pelos navegadores portugueses. O peixe-ouro da Polinésia sumira para sempre das costas da ilha-continente.”

©CARASSOTAQUE
publicado por ardotempo às 17:40 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Saudade ou nostalgia?

Qual palavra você usa, qual prefere?

Nunca entendi a popularidade da categoria sub-ontológica da saudade na cultura portuguesa. Deu poesia, fados e Madredeus, filosofias? E até ensaios de gente respeitável e que muito admiro, como Eduardo Lourenço? Ainda assim, nada disso justifica a hipertrofia dessa não-coisa, que aliás não consigo deixar de associar a um estado muito historicamente situado da nossa cultura e hoje apenas produtivo em versões suas de exportação - ou em ensaios editados pela Imprensa Nacional, que, vá lá saber-se porquê, decidiu há já uns anos acolher tudo isso (saudade, saudosistas, especialistas em saudade, em saudosistas e saudosismos), como se aí reconhecesse uma alta missão civilizacional.

Prefiro a versão de Fernando Assis Pacheco, que à sua maneira desobrigada é mais profunda e produtiva do que a de toda essa tralha do tardo-Oitocentos que não acaba de morrer.

Transcrevo de uma entrevista do autor a Rogério Rodrigues e Torcato Sepúlveda, no Público (24/02/1991), hoje recolhida em Retratos Falados (Porto, Asa, 2001, p. 44):

" Uso pouco a palavra saudade, em [favor] da palavra nostalgia.
O conceito de nostalgia é muito mais dorido do que o de saudade. A saudade é bonita, dá para o Carlos do Carmo e a Amália cantarem. A nostalgia pressupõe amigos que morrem; mulheres amadas que desaparecem; filhas que crescem e já não são como eram em pequeninas; eu que já não tenho a destreza dos vinte anos, já não jogo à bola, já tenho digestões difíceis. A nostalgia não está devidamente contemplada na poesia portuguesa. À força de tentarmos fazê-la passar por uma categoria filosófica menor chamada saudade, esquecemo-nos de que o tempo foge e ninguém o agarra.


(…) Quando uma geração nasce, a outra morre. É preciso que surja uma geração capaz de sentir a felicidade, quando nós envelhecemos. A nostalgia é isso, algo que nos mantém vivos quando já sabemos que vamos morrer."

Fiquemos com a diferença que Assis Pacheco propõe com "nostalgia": não uma versão auto-caritativa dos estragos da temporalidade, como a saudade sempre foi produzindo – para não referir a versão kitsch inscrita nas tão populares "saudades do futuro" - mas qualquer coisa da ordem do irrevogável. Não saudade, mas antes, e para propor uma tradução e tradição respeitável, ser para a morte.

A nostalgia, se leio bem a sua diferença em Assis Pacheco, não é a saturação memorial e memorável do passado, como na tradição da saudade, mas antes a experiência imprescritível da perda. Nostalgia é saber o que se perdeu e, sobretudo, que se perdeu.

Como no futebol se aprende, e como Assis Pacheco sabia, a pior ilusão é a de supor que alguma vez se levanta a taça.

É a essa ilusão que chamamos saudade.

Osvaldo Manuel Silvestre
----------------------------------------------------------------------------
Publicado no blog Os livros ardem mal  em 13.03.2008
publicado por ardotempo às 13:31 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Lina Bo Bardi - Arquiteto de gênio, criadora do MASP



Lina Bo Bardi, a grande "arquiteto" do MASP (ela gostava de ser chamada assim), criadora de uma arquitetura inovadora no espaço de seu museu - o de coleção mais significativa na América Latina - na forma espacial da arquitetura e na maneira original de expor as obras de arte, com os visualmente leves cavaletes de vidro - o acervo transparente.
Criou também notáveis exposições como A Mão do Povo Brasileiro sobre o artesanato nativo de alta qualidade artística, cenografias ousadas, figurinos e objetos para o teatro de vanguarda brasileiro.

Aqui está o Polochon, o porco-travesseiro, ou o porco com dois traseiros ou “com duas cabeças“, objeto escultórico cor de rosa, deslizante sobre rodízios e personagem integrante (e remanescente) da cenografia criada por ela para a peça Ubu-Rei, de Alfred Jarry, vulcânico sucesso do Grupo Ornitorrinco nos anos oitenta em São Paulo e vetor da fantasia nonsense, provocadora e revolucionária de Lina Bo.

Lina Bo Bardi - Polochon / objeto escultórico em resina, circa 1980
Foto de Pierre Yves Refalo
publicado por ardotempo às 01:31 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 20.03.08

Para refletir e discutir em Maquinaria da Arte

Marcel Duchamp estava com a razão.

Uma exposição na Tate Modern, em Londres, demonstra como o artista definiu a arte de nossos dias. O seu célebre urinol público, A fonte, foi escolhido como a obra mais influente do século XX.
















 A fonte - readymade, 1917
 Marcel Duchamp

Pode-se fazer obras de arte que não sejam obras de arte?

Mais do que uma pergunta é a expressão de uma vocação subversiva e provocadora que acompanha a reprodução em grande formato da Mona Lisa (La Gioconda - de Leonardo Da Vinci), retocada com bigodes e cavanhaque, logo à entrada da Tate Modern, em Londres. A irreverência é invenção de Marcel Duchamp e funciona como um convite para se explorar ao máximo uma exposição que o museu londrino dedica a um dos artistas que mais influenciou o cenário da arte contemporânea.

A idéia para a obra de arte, o seu processo criativo supera o mérito de sua realização final.

Esse é o grande pilar da arte conceitual. O mesmo que se transforma nas cotações milionárias de Damien Hirst ou de Tracy Emin e, em que pese as idas-e-vindas das tendências, segue em plena vigência. Isso pode ser demonstrado pela iniciativa do curador (Ivo Zanini) da próxima Bienal de São Paulo, no Brasil, que decidiu apresentar um andar da mostra totalmente vazio, isento de obras, significando “o nada por vir do conceitualismo.”

Muito antes de tornar-se o símbolo dos tempos atuais, a obra de Duchamp propôs, há quase um século, uma radical ruptura com as convenções. Com a cumplicidade de seus dois grandes amigos, Francis Picabia e Man Ray. Para esse trio de provocadores, unidos no seu descontentamento com a arte institucionalizada e, em geral, com tudo aquilo que era considerado “correto”, está dedicada esta mostra atual da Tate Modern que, sob o título, Duchamp, Picabia, Man Ray, questiona as suas relações e influências mútuas  desde o ponto central do Dadaísmo e do movimento surrealista, sem deixar de ressaltar a cada um a sua  singularidade.
 
Não havia nenhuma rivalidade entre eles e sim uma cooperação genuína que lhes permitia passar, em conjunto, o seu compromisso com esses diálogos visuais”, explica Jennifer Mundy, curadora da atual mostra em Londres e, na seqüência em breve, em Barcelona.

Duchamp é, sem dúvida, o gênio do grupo, uma inesgotável máquina de idéias e o primeiro que ousou expor dentro de um museu, os objetos comuns da vida cotidiana sob uma rutilante etiqueta de arte. Como o provocador urinol colocado na questão. Uma peça de porcelana que sacudiu o establisment artístico de Nova York em 1917. O artista francês apresentou-o com o título de A fonte, assinada com o pseudônimo de R. Mutt. elevando-o à condição de obra de arte simplesmente porque o artista o proclamava como tal.

Esse urinol público transformado em escultura moderna, é o paradigma de seus readymade e desfez para sempre o laço entre o trabalho do artista e o valor da obra, uma vez que a partir dali essa obra poderia fazer-se com qualquer coisa e tomar qualquer forma.

O que então parecia um insulto veio a tornar-se um símbolo: recentemente um seminário importante com 500 críticos de arte e experts em arte contemporânea elegeu A fonte como a obra de arte moderna mais influente.
 
A mostra de Londres coloca as obras dos três artistas no contexto da amizade que os inspirou e que, num caso pouco comum no universo da arte, manteve-se. Francis Picabia, nascido no seio de uma opulenta família cubana, era um jovem de vida dissoluta até conhecer Duchamp, em 1911.

Em que pese a diferença dos contextos e do caráter extremamente cerebral de Duchamp, logo ficaram muito amigos. Quatro anos mais tarde, o espírito aventureiro do americano Man Ray somou-se a essa equação artística.
 
Um dos eixos dessa criação era a obsessão pelo sexo, que se refletia com intensa carga de erotismo na obras expostas, começando pelas virgens, noivas e viúvas de Duchamp. O percurso da mostra perde a força em sua etapa final pela ausência de obras de Duchamp no período, em razão de sua precoce retirada do cenário das artes, para dedicar-se a seus textos filosóficos e à sua grande paixão, o jogo de xadrez.

Patricia Tubella - Londres, El País – 19.03. 2008
publicado por ardotempo às 22:29 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

Pesquisar

 

Março 2008

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9

Posts recentes

Arquivos

tags

Links