Luís Augusto Fischer sobre CARASSOTAQUE

Carassotaque, de Alfredo Aquino

Editora Iluminuras

 

Texto de Luís Augusto Fischer

 

Cara, sotaque, identidade. Enxergar a cara, entender o sotaque, encontrar a identidade. Atire a primeira pedra quem, na face da Terra, desconhece um desses três problemas. Quem não tenha vivido, com mais ou menos força, o império destas necessidades: divisar a cara, escutar o sotaque, viver a identidade.

 

Talvez tudo seja fruto do Nacionalismo, essa forte ideologia que a modernidade herdou das antigas tribos e aldeias, dos velhos reinos e clãs, e potencializou como nunca antes, na história humana, desbordando do que era apenas circunstância, agora transformada em fetiche. De fato, faz uns quase trezentos anos que vivemos encantados debaixo desse manto, que encobre diferenças enquanto aglutina semelhanças — o Nacionalismo.

 

É ele que nos fez odiar inimigos que poderiam estar ao nosso lado, como amigos e mesmo irmãos de viagem; mas, paradoxalmente, é também ele que nos faz ser minimamente solidários com os que vestem a mesma camiseta da seleção nacional que nós — mesma cara, sotaque parecido —, transformando-nos em irmãos provisórios. Nacionalismo, identidade, cara, sotaque. Carassotaque.

 

É dessa matéria, dos fantasmas dela, das loucuras que a ela se associam, que Alfredo Aquino faz sua primeira incursão na narrativa longa.

 

Este Carassotaque que o leitor tem nas mãos é uma distopia, prima melancólica das utopias antigas e recentes. Aqui, um fotógrafo atuando no estrangeiro enxerga o que os nativos não vêem; e, sendo fotógrafo, usufrui da grande virtude do metiê, que permite compartilhar o que vê com muita gente.

 

Gente que muitas vezes não aceita enxergar o que o estrangeiro enxerga — o estrangeiro que estranha cara, desentende sotaque, desembarca da fantasia da identidade. O estrangeiro, só por ser o que é, ajuda a ver mais e melhor, e nem sempre os nativos aceitam ver-se naquilo que ele viu.

 

Difícil como discutir as alternativas do mundo globalizado de nossos dias, fácil como percorrer uma exposição de grande arte, o livro de Aquino ajuda na reflexão sobre o que está aí e o que talvez venha adiante. Com sorte, aprenderemos a ver melhor, aceitando o que o estrangeiro viu que nós não víamos.

 

Luís Augusto Fischer, abril de 2008 

 

 

publicado por ardotempo às 13:29 | Adicionar