Sábado, 16.01.10

A culpa

O silêncio é a culpa

 

A convicção secreta e quase eterna de que a uma deusa não se contempla a possibilidade do erro. Todas as suas atitudes estarão acima do bem e do mal. Aliás, o mal somente estará encarnado num desacerto de perspectiva, do tempo congelado na memória inibida. A aproximação será concedida apenas ao cativo arbítrio da deusa. Pela deusa onisciente e a juíza sem equívocos do pensamento alheio. Estar apartado não é uma convicção, antes seria sempre a punição humilhante e inevitável. Contudo, e se não for assim o real? Se um dia, em mais de um dia, a deusa mentira? Se, naqueles noutros dias, olhou por espelhos alheios e as palavras refletidas estavam cirílicas? Se no palco do firmamento, as sombras estiveram retidas num caixa de chumbo repleta do material das nuvens? E se o silêncio, mal interpretado, fosse apenas a culpa? A culpa pelo erro do dia, a culpa no equívoco do julgamento, a culpa pelo sofrimento lapidado em mármore, a culpa pela morte?

 

 

 
 
Filme Spellbound - Alfred Hitchcock, 1945
 
“”Se queres falar de portas, falta-te aqui uma coisa: as quatro portas a abrir em linha quando Gregory Peck e Ingrid Bergman se aproximam num dos beijos mais extraodinários do cinema”. Quando eles ainda não estão juntos no mesmo plano e se olham, um pouco antes, em campo e contra-campo, a câmara já muito perto. É então que Hitchcock abre porta atrás de porta, naquele movimento contínuo de certos filmes que aceleram a vida das plantas para as vermos nascer e abrir, e abrir mais, mas não morrer (se bem que já só pensemos na morte), tudo em escassos segundos. Abro aqui outra vez essas quatro portas, como nos filmes que precipitam as coisas vivas. Folhas nascem e abrem) e abrem) e abrem) – porta atrás de porta, uma, duas, três, as quatro pétalas dessa flor acelerada. Eles aproximam-se, estão agora muito perto, dentro do mesmo plano, e vão beijar-se (enquanto que a morte continua fora de cena).”
 
 
(A Porta de Duchamp, de Rosa Maria Martelo, Averno, 2009) -
Publicado por José Mário Silva - blog Bibliotecário de Babel 
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publicado por ardotempo às 17:16 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 15.01.10

Pense no Haiti, reze pelo Haiti, o Haiti é aqui...

Haiti
 
Caetano Veloso (veja o vídeo)
 
Quando você for convidado pra subir no adro
da Fundação Casa de Jorge Amado
pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(Que são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos, quase pretos de tão pobres
são tratados.
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados
para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados
de escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula.
Não importa nada: nem o traço do sobrado
Nem a lente do Fantástico, nem o disco de Paul Simon.
Ninguém, ninguém é cidadão.
 
Se você for ver a festa do Pelô,
e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti.
 
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.
 
E na TV se você vir um deputado
em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo,
qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça da democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender
a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê
tanto espírito no feto
e nenhum no marginal.
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um
saco de lixo brilhante do Leblon
E ao ouvir o silencio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos
são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos,
quase pretos de tão pobres.
 
E pobres são como podres
e todos sabem como se tratam os pretos
 
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
 
Pense no Haiti, reze pelo Haiti.
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.
 
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publicado por ardotempo às 12:14 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 07.10.09

"O que sonha por aqueles que já não sonham..."

Entrevista de Mariana Ianelli - TV Cultura São Paulo

 

 

 

Veja o vídeo:

 

 http://www.tvcultura.com.br/nossalingua/player.php?id=4446

 

Veja o site da TV Cultura - Programa Nossa Língua

publicado por ardotempo às 17:02 | Comentar | Adicionar
Segunda-feira, 05.10.09

Conto Visual

Rougelarsenrose desde Paris - Alva Noto

 

 

 

Veja o vídeo:     Unitxt - Alva Noto

 

Som: Alva Noto

Texto e voz: Anne-James Chaton

Ator: Kyusaku Shimada 

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publicado por ardotempo às 17:37 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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