Quinta-feira, 12.05.11

Ignácio de Loyola Brandão em Portugal

Não verás país nenhum

 

 

 

 

 

 

Hoje, na Sábado, escrevo sobre Não Verás País Nenhum, do brasileiro Ignácio de Loyola Brandão (n. 1936), ed. Ulisseia; e Correntes do Índico, de Joaquim de Oliveira Ribeiro (n. 1956), ed. Guerra & Paz. Publicado em 1981, traduzido em vários países mas só agora editado em Portugal, Não Verás País Nenhum antecipa o apocalipse ambiental: sobreaquecimento provocado pela destruição da camada de ozono, escassez de água e outros recursos naturais, Amazónia transformada em deserto, necessidade de reciclar a urina (isso ou a sede), Nordeste devastado, pandemias virais, caos urbano, violência, corrupção, seca, desemprego, fome... Notável.

O de Oliveira Ribeiro é uma espécie de Lourenço Marques revisited...

 

Eduardo Pitta - Publicado no blog Da Literatura       

publicado por ardotempo às 14:57 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 01.10.09

Ruffato de Lisboa, Ruffato em Porto Alegre

Livro Recomendado

 

 

Lançamento do livro de Luiz Ruffato -  Estive em Lisboa e lembrei de você / Companhia das Letras - Dia 15 de outubro / 19 horas - Livraria Cultura (Shopping Bourbon Country - Porto Alegre), Porto Alegre RS Brasil

publicado por ardotempo às 14:50 | Comentar | Adicionar

O Hipnotizador de Taquara

Lançamento de livro de Sergius Gonzaga - Dia 01º de outubro - 18h30 

 

 

 

 

O Hipnotizador de Taquara

Sergius Gonzaga

Contos / Crônicas

Editora Leitura XXI

Livraria Nobel - Shopping Total

Porto Alegre RS Brasil

publicado por ardotempo às 14:20 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 25.09.09

O romance e a crítica

O recomendado: 10/10
 
José Mário Silva
 
2666
Autor: Roberto Bolaño
Título original: 2666
Tradutores: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
Editora: Quetzal - Portugal
N.º de páginas: 1030
ISBN: 978-972-564-816-2
Ano de publicação: 2009
 
Há romances que se preocupam em fixar uma parte da realidade: um certo tempo histórico, uma certa geografia, o equilíbrio ou a tragédia de certas vidas. E depois há romances – muito poucos – que ambicionam abarcar o mundo inteiro. Não lhes interessa reflectir a realidade, mas antes criá-la de novo, reinventá-la, explorar-lhe os limites. São livros totais, que se deixam inebriar pela própria desmesura, sem medo do falhanço ou dos abismos para onde a sua ambição os pode arrastar. Em 2666, um professor de filosofia chamado Amalfitano faz o elogio destas grandes obras literárias «imperfeitas», as que «abrem caminho no desconhecido», enfrentando «aquilo que nos atemoriza a todos, esse aquilo que nos acobarda e verga». Obras como Moby Dick, O Processo, Bouvard e Pécuchet. Ou, acrescento eu, como este gigantesco, terrível e belíssimo romance de Roberto Bolaño, um prodígio narrativo que acompanha, para além da crise existencial de Amalfitano, as deambulações de várias dezenas de outras personagens, igualmente perdidas e desarmantes.
 
Em 2666, Bolaño quis testar a infinita elasticidade do género romanesco. Até onde se pode chegar com uma ficção? Resposta: até onde se quiser. Ou melhor, até onde se for capaz de ir. A fronteira, se existe, é a própria escrita e Bolaño consegue empurrá-la sempre mais para diante. As histórias multiplicam-se, nascem umas das outras, proliferam como caixas chinesas: do submundo criminal mexicano às batalhas na frente Leste da II Grande Guerra, de Bornéu a Veneza, da crucificação de um general romeno (num castelo da Transilvânia) aos sacrifícios humanos dos astecas, de um combate de boxe demasiado rápido aos intermináveis espancamentos entre reclusos de uma prisão de alta segurança, das discussões eruditas em congressos sobre literatura alemã contemporânea à melancolia das profundezas oceânicas. Eis um labirinto com muitas entradas e nenhuma saída. Um buraco negro que devora qualquer matéria ficcionável. Um lugar onde cabe, literalmente, «tudo dentro de tudo».
 
 
 
 
Embora esteja dividido em cinco partes, que funcionam como cinco livros autónomos, pode dizer-se que o centro gravítico de 2666 é a imaginária cidade de Santa Teresa, no deserto de Sonora (norte do México, perto da fronteira com o Arizona), onde vão aparecendo, entre 1993 e 1997, centenas de cadáveres de mulheres pobres – prostitutas, empregadas de mesa, operárias fabris –, assassinadas quase sempre após tortura e violação sexual, sem que as autoridades policiais, incompetentes e misóginas, consigam deslindar os crimes.
 
É a Santa Teresa que chegam, na primeira parte, três críticos literários: Jean-Claude Pelletier, Manuel Espinoza e Liz Norton, académicos unidos a um quarto crítico (Piero Morini) pela geometria instável de um quadrado amoroso e pela dedicação devota à obra de Benno von Archimboldi – escritor «prussiano» de culto, cioso da sua invisibilidade, que viajou para aquela cidade violenta não se sabe porquê. E é em Santa Teresa que alguns dos múltiplos fios narrativos deste livro se atam, sem nunca oferecerem ao leitor – hipnotizado desde as primeiras páginas pela riqueza estilística da prosa de Bolaño, pela energia pura da sua linguagem – o alívio de uma explicação para o Mal que emerge de todo o lado, como que saído de um «poço negro».
 
Enquanto o conduzem às cegas pelo bas-fond de Santa Teresa, Oscar Fate, o repórter afro-americano que é protagonista da terceira parte, pondera apanhar o primeiro avião para Nova Iorque, «onde tudo voltaria a ter a consistência da realidade». Isto é, da realidade real. Faz sentido. Porque a realidade de 2666 é a outra, a que perde os seus contornos, «como se a passagem do tempo exercesse um efeito de porosidade nas coisas», a realidade da estranheza e do «pesadelo flutuante», a realidade incerta, sempre a oscilar entre a vigília e o sonho, a verdade e o simulacro, a lucidez e a loucura.
 
Avaliação: 10/10

© José Mário Silva - Publicado no blog Bibliotecário de Babel 

Fotografia de Mário Castello - Cartagena de Indias, 2008

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Segunda-feira, 24.08.09

Recomendação de Blog

Blog

 

 

Obrigado, José Simões. Conforme reza a regra, a passagem do bastão deve acontecer na área assinalada e no tempo certo. Viver não é preciso...

 

Blog recomendado: Der Terrorist

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Quinta-feira, 16.07.09

Antes de nascer o mundo - Mia Couto

Mia Couto - Recomendado

 

Antes de nascer o mundo (ou... Jesusalém)

 

O novo livro de Mia Couto: veja o vídeo sobre o livro

publicado por ardotempo às 17:14 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 03.07.09

Aranhas

 

E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundos dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

 

Faço arte.

 

Arte?

 

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera a memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

 

 

© Mia Couto - A infinita fiadeira - Do livro de contos O fio das missangas, Companhia das Letras, 2009

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Domingo, 18.01.09

Grande Sertão: Veredas

Estrutura, voz e narração
 
Gonçalo Mira
 
Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, pode definir-se, de um modo muito sucinto e, consequentemente, injusto, como o relato da vida de jagunçagem de Riobaldo.
 
Esta personagem central e narrador, faz o seu relato a uma outra personagem cujas intervenções não são apresentadas. Logo nas primeiras linhas do texto, percebe-se que há uma personagem que se dirige a outra:
 
"Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja."
 
Trata-se, portanto, de um diálogo oculto, uma vez que representa uma conversa entre duas personagens (ainda que uma assuma mais o papel de ouvinte) mas o leitor só tem acesso ao discurso de uma delas.
 
Assim, o narrador é Riobaldo e todo o romance é a sua longa fala, dirigida a um viajante que ali passou e que com ele meteu conversa. Este destinatário – cuja única designação que se lhe conhece é “o senhor” – intervém na conversa, embora os seus comentários e questões não sejam apresentados, apenas subentendidos no discurso de Riobaldo.
 
A estrutura da obra é um espelho do seu conteúdo. Isto é, se o conteúdo é uma conversa ou o relato de uma personagem a outra, isso reflecte-se na estrutura, que adquire características do discurso oral. Assim, o discurso de Riobaldo começa sendo muito irregular e, em certa medida, confuso. Os acontecimentos que narra não obedecem a uma estrutura cronológica e certas histórias são deixadas em suspenso enquanto outras são introduzidas sem grande preparação. Isto é visível, por exemplo (entre muitos outros exemplos que se poderiam encontrar), quando Riobaldo diz: "Mas o primeiro encontro meu com ela, desde já conto, ainda que esteja contando antes da ocasião. Agora não é que tudo está me subindo mais forte na lembrança?" Esta forma de narrar é típica de um discurso oral em que, pela vontade ou ansiedade de contar muitas coisas, se atropelam acontecimentos e se saltam elementos importantes para a compreensão do conjunto. Durante sensivelmente cem páginas (depende, obviamente, da edição) é assim que se caracteriza o discurso de Riobaldo. São introduzidas muitas personagens, muitos locais, muitos acontecimentos que só mais tarde serão devidamente tratados. Isto porque, dali em diante e até ao fim do romance – como, aliás, seria expectável num discurso oral, passado o ímpeto inicial – o discurso de Riobaldo passa a seguir uma ordem cronológica.
 
 
Além do modo como é contada a história, há ainda outro elemento que pode ser associado a um discurso oral, que é a introdução de narrativas encaixadas dentro da narrativa principal. Estas histórias paralelas, mesmo que não tenham uma grande importância para complementar a narrativa central, têm, normalmente, uma mensagem que interessa a Riobaldo referir. São exemplos disso o caso de Maria Mutema, contado a Riobaldo por Jõe Bexiguento, que serve para abordar o tema da ambiguidade entre o bem e o mal, e o caso do dr. Hilário, contado pelo seo Ornelas, que culmina com a constatação: "Um outro pode ser a gente; mas a gente não pode ser um outro, nem convém..."
 
Se a estrutura reflecte as características de um discurso oral, o mesmo se pode dizer da linguagem utilizada no discurso de Riobaldo, ou seja, em todo o romance. Toda a narrativa, e não apenas os momentos de discurso directo de personagens, é feita num estilo coloquial. Isto porque, como já foi referido, o discurso do narrador Riobaldo é, por si só, discurso directo, com destinatário no viajante que o ouve e a cujas intervenções não temos acesso. Este tom coloquial pretende reproduzir a forma de falar sertaneja e traduz-se num discurso quase agramatical, assim como na introdução de diversos neologismos e supressão de fonemas em algumas palavras.
 
Destinação
 
O destinatário evidente desta narração é, como já foi referido, o viajante que abordou Riobaldo. Ao longo de todo o romance, são incontáveis as vezes que Riobaldo se dirige ao seu interlocutor, chamando a sua atenção, tratando-o por “o senhor”, pedindo-lhe que “mire veja”, etc. O papel deste destinatário, contudo, não se esgota no simples ouvir. Mais do que um destinatário – embora seja evidente que é Riobaldo quem assume o protagonismo da conversa – o viajante é também um interlocutor. E as suas intervenções na conversa são apreciadas por Riobaldo, como se pode verificar quando este diz: "Mas o senhor é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção." Por aqui se percebe que o papel do interlocutor é importante mesmo para a organização do discurso de Riobaldo.
 
O interlocutor, ao colocar questões, fazer comentários e pedir esclarecimentos, está a permitir que Riobaldo melhor se expresse e melhor se faça entender, o que ajuda também o leitor. Todavia, já perto do final da obra, percebe-se que este interlocutor não se limita a ouvir, mas também regista por escrito aquilo que ouve. Esta ideia é sustentada por duas afirmações de Riobaldo: "A vida é um vago variado. O senhor escreva no caderno: sete páginas..." e "Campos do Tamanduá-tão – o senhor aí escreva: vinte páginas..." Estas indicações de Riobaldo pretendem advertir o seu interlocutor de quantas páginas vai precisar para escrever certos acontecimentos que ele, Riobaldo, vai então narrar. Esta informação vem perturbar um pouco a ideia de autoria. Será este viajante o responsável pelo registo escrito daquele relato e, por ser ele próprio o autor, suprimiu as suas intervenções?
 
 
O leitor é também, como é óbvio, destinatário. Salvo raras excepções, todos os livros são feitos para os leitores. Grande Sertão: Veredas não é excepção a esta regra. Neste sentido, o leitor pode funcionar como actor dentro da obra: isto é, o leitor assume o papel do interlocutor e o discurso de Riobaldo passa a ser-lhe dirigido. E isto vem complicar ainda mais a ligação de papéis. O leitor assume-se como interlocutor, que por sua vez se assume como autor. É um jogo tipicamente roseano, que seria matéria-prima só por si para demorado estudo.
 
Para além destes dois destinatários bastante óbvios – aquele que está dentro do texto (o interlocutor) e aquele que está fora (o leitor) – há um outro, não tão evidente como estes dois, que é o próprio Riobaldo.
 
O facto de Riobaldo ser destinatário da sua própria narração é perceptível em algumas ocasiões do texto, como quando diz: "Esta vida é de cabeça-para-baixo, ninguém pode medir suas perdas e colheitas. Mas conto. Conto para mim, conto para o senhor. Ao quando bem não me entender, me espere." Aqui Riobaldo diz claramente que conta para si e, só depois, conta para o senhor, isto é, para o seu interlocutor. Mais adiante, uma outra passagem permite perceber melhor o que quer Riobaldo dizer com aquilo: "Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba. Agora, o senhor exigindo querendo, está aqui que eu sirvo forte narração – dou o tampante, e o que forde trinta combates." Portanto, Riobaldo tem dúvidas sobre o que conta e espera que o seu interlocutor o ajuda a esclarecê-las. Nesse sentido, é destinatário do que ele próprio conta, uma vez que procura também perceber o seu próprio discurso. Mais adiante ainda, voltará a referir que há coisas da sua vida que não entende, o que sustenta a ideia de ser também destinatário: "Falo por palavras tortas. Conto minha vida, que não entendi. O senhor é homem muito ladino, de instruída sensatez." Por não entender a sua vida é que necessita deste interlocutor que o ajuda a perceber o seu próprio discurso.
 
Leitura
 
A leitura de Grande Sertão: Veredas caracteriza-se por, como já foi dito, uma identificação com a figura do interlocutor. Tendo apenas acesso ao discurso de Riobaldo, é um movimento natural o do leitor se assumir como único e verdadeiro interlocutor daquela narração. Todavia, não se esgota aqui a caracterização do leitor. Além do interlocutor, há também uma identificação com a personagem de Riobaldo. Isto porque podemos separar Riobaldo em duas figuras: uma é aquela que sabe toda a história e a conta ao viajante, a outra é aquela que vive os acontecimentos e não sabe o que vai suceder depois. Isto é, simplificando, um Riobaldo narrador e um Riobaldo personagem. É com este último, o que não sabe o desenlace da sua história, que o leitor se identifica. Tal acontece sobretudo no fim do romance, aquando da descoberta do segredo de Diadorim. O facto de ficar a saber do segredo tarde de mais, ao mesmo tempo que o Riobaldo personagem, faz com que o leitor se identifique com este.
 
 
O outro movimento típico do leitor desta obra é o desejo de releitura. Este desejo deve-se à revelação tardia e, também, ao facto de até certo ponto a narrativa não seguir uma ordem cronológica. Com isso, pode o leitor não só perceber muito melhor o romance (e não é caso único na obra de Guimarães Rosa este desejo, ou mesmo necessidade, de releitura, assim que se chega ao fim de um texto), como também dar-se conta de certas pistas e comentários do Riobaldo narrador referentes ao segredo que só no final se descobre.
 
Gonçalo Mira - Publicado no Blog Orgia Literária 

Fotos de Mauro Holanda 

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Sábado, 20.12.08

Os três livros do ano

Cronópios
 
Fui convidado pelo editor e escritor Edson Cruz, de Cronópios a indicar os meus três livros, do ano de 2008. Aí estão eles:
 
Machado e Borges - Luís Augusto Fischer - Arquipélago Editorial
 
 
Um notável ensaio sobre Machado de Assis e Jorge Luis Borges, escrito com lucidez e profundidade e que aponta com frescor, leveza e contemporaneidade, luzes e identidade sobre os dois grandes autores latino-americanos.
Escolhido como o Prêmio Livro do Ano Açorianos 2008.
 
Paris não tem fim - Enrique Vila Matas - Cosac Naify
 
 
Um romance magnético sobre Paris, que é a comprovação pelo autor que Paris é sempre singular e individual, a cidade que é a de seu habitante ou visitante, peculiar e intransferível, seja ela a de Hemingway, a do próprio Vila Matas, a de Kafka ou a do leitor. Vale no final a imaginação de quem a interpreta, de quem a decodifica e essa será a verdadeira e definitiva Paris. Um grande livro.
 
O meu nome é Legião - António Lobo Antunes - Dom Quixote (Lisboa)
 
 

Potente e denso romance de Lobo Antunes, uma espécie de sinfonia literária, tonitroante, intensa, entremeada de fermatas e resultando bastante original, que nos surpreende com intensidade, comprovando aquilo que o autor afirma: "que somente ele escreve dessa maneira". O fato é genuíno e esse romance é um bom jeito de se descobrir e de se empolgar com essa forma contemporânea, muito particularizada pelo autor, de criar uma escrita algo sublime e um ritmo literário de estilo único. 

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Domingo, 21.09.08

Mia Couto - Recomendado 2

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

 

Emanuel Amorim

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo é o mais recente romance de Mia Couto, escritor moçambicano nascido em 1955. Neste livro, tomamos contacto com Sidónio Rosa, médico português que decide fazer trabalho cooperativo em Moçambique para tentar encontrar a sua amada Deolinda, uma mulata que conheceu num congresso em Lisboa.

 

Chegado a Via Cacimba só encontra os pais de Deolinda – Bartolomeu Sozinho e Dona Munda – que justificam a ausência da mulata por suposto estágio. No decorrer da narrativa Sidónio é confrontando com histórias antagónicas sobre o que terá acontecido a Deolinda e sobre o passado da família Sozinho. Adensa-se o mistério e Sidónio mergulha, também ele, na cacimba que parece cobrir a Vila Cacimba.

 

Mia Couto sabe contar uma história, doseia a informação com mestria, revela os factos no momento certo, fá-lo quando já estamos desconfiados da sua existência e sem chamar a atenção para si. O leitor só sabe aquilo que a personagem principal sabe, embora haja algumas excepções, e toma conhecimento dos factos ao mesmo tempo que Sidónio. Isto permite que cada revelação seja, no contexto da narrativa, verosímil e permite também uma maior envolvência da parte do leitor.

 

Em Venenos de Deus, Remédios do Diabo é fácil gostarmos das personagens pelo carisma e pela quase total ausência de maldade. Não são heróis, são pessoas que, como todos nós, cometem erros, mentem, falam verdade, têm medos, fantasmas e acreditam em algo que não se vê e que não é terreno.

 

Nessa galeria de personagens destaca-se Bartolomeu Sozinho, um velho reformado que andou toda a vida, quando Moçambique era uma colónia portuguesa, embarcado no transatlântico Infante D. Henrique. Passa os dias fechado no seu quarto, apenas com a companhia da televisão que, como é dito, sonha por ele. Mal visto em Cacimba, por causa da sua ligação ao regime colonial que é empolada por uma daquelas lendas heróicas que alguns contam – neste caso o administrador Suacelência – para se vangloriar e conseguir um lugar de destaque junto da comunidade.

 

A sua esposa, Dona Munda, é uma mulata acusada pelo seu marido de ser feiticeira. Guarda segredos que nunca chegamos a conhecer na sua totalidade. Tão depressa deseja, aparentemente, matar o seu marido como deseja que ele não morra e que recupere do mal que o consome.

 

Com um papel de menor destaque desfilam na prosa de Mia Couto outras personagens com traços particulares e que prevalecem na nossa memória finda a leitura deste romance. Disso exemplo é Suacelência, o administrador da cidade que deseja um medicamento que acabe com o suor.

 

A própria Vila Cacimba assume um destaque simbólico, porque tudo nela – locais (cemitério) e personagens – parece, como o nome indica, estar envolto num nevoeiro que não deixa ver a realidade. Na vila, o tempo (passado, presente e futuro) parece não existir e as histórias têm tantas versões quantos os habitantes que as contam.

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo apresenta o trabalho sobre a linguagem típico de Mia Couto, onde as palavras são alteradas pela oralidade e pelo uso efectivo do dia-a-dia. Ainda assim, Mia Couto exagera nos adágios que coloca na boca das personagens e na voz do narrador. Parece haver uma necessidade de colocar em filosofia popular todo e qualquer acontecimento. Mesmo a personagem mais humilde tem a capacidade de soltar uma máxima em relação à coisa mais ínfima. Em alguns casos esse exagero de máximas é justificado e até recebido com um sorriso de aprovação, noutros parece um puro exercício de estilo feito a pensar em antologias de pensamentos de bolso. Cito alguns exemplos: “O amor acontece para a gente desacontecer” e “Viver é um verbo sem passado”.

 

Com o desenrolar da acção, deixamos de reparar nesse pequeno pecado e passamos a devorar com ganância cada página, na esperança de ver atadas todas as pontas da história. É esse o grande mérito de Mia Couto: sabe contar uma história e isso é um bom motivo para pegar num livro.

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

Mia Couto

Romance - 188 páginas 

Editorial Caminho (Portugal)

ISBN nº 978-972-21-1987-0

Companhia das Letras (Brasil)

ISBN nº 85359125 68

 

 

Emanuel Amorim - Publicado no blog Orgia Literária

 

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Sexta-feira, 22.08.08

Mia Couto - Recomendado

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

 

Texto crítico de Mariana Ianelli

 

Tons mais sóbrios marcam a paisagem de Venenos de Deus, Remédios do Diabo, o romance recém-lançado de Mia Couto. Sob uma névoa que agora batiza e cobre uma vila africana, as intimidades dos habitantes silenciam, debaixo de pequenas mentiras, saberes que não mentem. Cada sonho é um modo de esquivar-se de um presente de poucas distrações. São breves os arredores de Vila Cacimba, porém, dentro da casa de D. Munda e Bartolomeu Sozinho, uma geografia se desdobra em distâncias. Além dos devaneios da memória, que adoecem de melancolia esse universo entre quatro paredes onde se concentra a narrativa, uma epidemia contamina as redondezas da vila, convertendo os soldados em "tresandarilhos".

 

Encarregado de conter a doença, que os moradores do lugarejo atribuem a um "mau-olhado", o médico português Sidônio Rosa esconde outro motivo para estar ali, uma saudade chamada Deolinda. O nome dessa mulata atravessa o livro como uma segunda neblina, uma sombra que acompanha seus personagens, miscigenando lembranças de um passado cujo verdadeiro nome é o de uma terra perdida. Sidônio não esquece o caso de amor que teve com a mulata durante um congresso em Lisboa, e viaja à sua procura, no fundo, para resgatar a si mesmo. Os velhos Bartolomeu e D. Munda tampouco esquecem Deolinda, que partiu "para fora" deixando na casa a ausência de uma filha. Aqui tem início a travessia do romance, nas visitas diárias que Sidônio faz a Bartolomeu, para tratá-lo de tristezas tão venenosas quanto a epidemia da vila.

 

Na casa dos Sozinhos, as janelas estão sempre fechadas. Bartolomeu e D. Munda também se fecham, repetindo a escuridão do ambiente, doentes de "saudade da Vida". Bartolomeu, trancado no quarto, vive de remoer nostalgias da época do colonialismo, quando trabalhava a bordo do transatlântico Infante D. Henrique. A queda do regime colonial inaugurava o fim das viagens, um novo tempo sem "partida nem chegada", por isso os cravos vermelhos de 1974, para ele, nunca foram símbolo de festa, mas sinal de despedida. D. Munda, fechada em si mesma, chora ritualmente todos os dias, e "arruma no vazio das prateleiras o vazio que está dentro dela", na tarefa de enterrar as alegrias. Sidônio Rosa, apesar de médico, não tem a cura para essa doença de "solitária lonjura" dos velhos; ele próprio, aliás, sofre de uma saudade parecida, uma espécie de inexistência para a qual o único remédio é voltar a sonhar. 

 

Em Venenos de Deus, Remédios do Diabo, diferentes identidades se embaralham, dissolvem pressupostos históricos e preconceitos de raça, familiarizam-se na solidão. O estrangeiro não se traduz mais como aquele que vem de fora, senão como quem perdeu seu convívio com a terra – o reconhecimento, em si mesmo, de uma pátria. "Afinal, os homens também são lentos países. E onde se pensa haver carne e sangue há raiz e pedra." Sidônio Rosa se esquiva do abraço de D. Munda para evitar "um trânsito de alma", Bartolomeu Sozinho simplesmente desiste, porque o "amor envelheceu". Amigos de infância, Bartolomeu e Alfredo Suacelência, administrador da Vila Cacimba, agora rivalizam, por razões políticas já cansadas de guerra.

 

Com a mentira a serviço da fábula, a mestiçagem de corpos e de almas, viagens e cartas inventadas, Mia Couto recupera, neste e em seus outros livros, o poder do sonho e a necessidade do mito, questionando noções de pertença e ilusões de pureza de raça. Como disse em sua intervenção na cerimônia do Prêmio Internacional dos 12 melhores Romances de África, para o qual foi selecionado com seu romance Terra Sonâmbula, em 2002: "Os escritores moçambicanos cumprem hoje um compromisso ético: pensar este Moçambique e sonhar um outro Moçambique. (...) Estamos aguardando pelo renovar de um estado de paixão que já experimentamos, esperamos pelo reacender do amor entre a escrita e a nação enquanto casa feita para sonhar. O que queremos e sonhamos é uma pátria e um continente que já não precisem de heróis".

 

 

 

Venenos de Deus, Remédios do Diabo

Mia Couto

Romance - 188 páginas 

Editorial Caminho (Portugal)

ISBN nº 978-972-21-1987-0

Companhia das Letras (Brasil)

ISBN nº 85359125 68

 

 

© Mariana Ianelli - Publicado no Rascunho

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Quarta-feira, 13.08.08

Efeito Borboleta - Recomendado

 Excelente

 

O livro de contos de José Mário Silva é excelente. 50 contos curtos, agregado a um conjunto de 38 aforismos (ou micro-contos), este com o título de 38 Miniaturas.

 

Regido pela sugestão da parábola de Chuang-Tzu – "Um dia, o mestre taoísta  sonhou que era uma borboleta e, ao despertar, já não sabia se era um homem que sonhava ser uma borboleta ou uma borboleta que sonhava ser homem" – o autor constrói uma pequena catedral de originalidade e síntese, em textos refinados e de uma imaginação rica, na melhor tradição da inventividade borgesiana, surpreendendo o leitor e conduzindo-o a reflexões aprofundadas e memorizadas de si próprio, acerca do tempo, do universo paralelo das coincidências, o dos pequenos gestos e o da contundência de certas decisões aparentemente inofensivas que se revelam desvastadoras e incontornáveis.

 

O livro prende e hipnotiza por trazer funda identificação psicológica e uma simplicidade atordoante de mensagens em textos elaborados em sofisticada filigrana literária.

 

Tudo está ao alcance de todos pois a vida é para ser vivida com intensidade instintiva e cerebral, e trata-se um jogo arriscado pois a aposta habitual, minuto a minuto, é o da própria vida, o cenário não exige menos dos protagonistas. As sutilezas, as ironias, a alegria e a diversão são as constatações que magnetizam o leitor e essa leitura certamente confortará a muitos leitores, entre eles, possivelmente até Alberto Manguel e outros borgesianos assumidos. É um prazer ler este Efeito Borboleta e outras histórias.

 

Roleta Russa

"Já perdera tudo na vida. Não queria perder aquela bala."

 

O livro, Efeito Borboleta, de José Mário Silva (Editora Oficina do Livro) por enquanto, se consegue apenas em Portugal ou importando-o através das melhores livrarias no Brasil, mas vale muito a pena e seria bastante interessante que logo estivesse também editado no Brasil.

 

 

  Efeito Borboleta e outras histórias, 2008

  Autor: José Mário Silva

  Editora: Oficina dos Livros (Portugal) –  

  http://www.oficinadolivro.pt

  Número de páginas: 140 páginas

  ISBN nº 978-989-555-374-7

 

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Quarta-feira, 14.05.08

Recomendado: Os Enganos da Alma

João Paulo Sousa

O livro de João Paulo Sousa nos traz uma experiência narrativa original, o texto desenvolvido em ritmo hipnótico, simulando o encadeamento do pensamento em seu tempo de construção do raciocínio - comparativo por escolha e eliminação, faiscante, ziguezagueante, no qual as idéias vão se sobrepondo em afirmativas, dúvidas, conclusões e nas mudanças erráticas de opinião.

 

O tempo se faz presente como uma personagem fantasmagórica, indefinida, absorvente  e abrumadora, o labiríntico conspirador dos equívocos, em primeira pessoa, dos protagonistas das histórias que ali o autor nos propõe.

“Não me mexi enquanto pensei tudo isto ou algo parecido com tudo isto ou talvez até mais do que isto, fora anoitecendo sem que eu me mexesse, sem que eu me conseguisse mexer, a noite apanhou-me sentado no sofá da biblioteca, na verdade eu é que me deixei apanhar, a biblioteca tem janelas suficientes para se perceber a luz exterior, para se perceber que anoitece ou amanhece, mesmo quando a luz eléctrica está acesa na biblioteca, o que era o caso, julgo que era o caso. Acabei por levantar-me e pus-me a andar para frente e para trás dentro da biblioteca, para frente e para trás não é exacto, ainda que seja costume dizer-se, pelo menos eu ando sempre para a frente  e nunca ando para trás, ando para a frente quando vou e quando venho e não é por as direcções dos movimentos serem contrárias que devo dizer que ando para trás, afinal volto ao ponto de partida  quando traço uma circunferência e não me lembraria de dizer que ando para frente e para trás quando traço uma circunferência. Isso significa que percorri várias vezes a biblioteca parando junto às estantes e junto às janelas, ora pegando num livro, ora pousando-o um pouco adiante, ora tentando espreitar pelos vidros e deparando com o meu rosto aí reflectido e com os livros e as estantes atrás e com a ramagem das árvores próximas a atravessar as estantes e os livros e o meu rosto.” 

 

Os Enganos da Alma de João Paulo Sousa é um livro de excelência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Os Enganos da Alma
  Autor: João Paulo Sousa
  Editora: Quasi Edições, Portugal
  184 páginas,  Coleção Em Nome da Terra
  ISBN 972-8632-78-9


 

publicado por ardotempo às 17:21 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Sexta-feira, 25.04.08

Recomendado: Paris não tem fim

Enrique Vila-Matas

O autor de outros notáveis romances (Bartlebly e companhia, A viagem vertical
e O mal de Montano) escreve e estrutura um saboroso texto sobre a memória da construção de um anterior romance, no contexto do cenário parisiense dos anos setenta, de suas ruas, em locais e com personagens conhecidos, percorrendo citações de outros autores, realinhando suas influências e suas escolhas, num livro que vale a pena ser lido.















  PARIS NÃO TEM FIM

  © Enrique Vila-Matas
  Romance, 242 páginas, 2007
  Editora: Cosac Naify
  Nº ISBN 978-85-7503-682-2
publicado por ardotempo às 12:46 | Comentar | Adicionar
Sábado, 15.03.08

Recomendado: Contos de Verdades


Contos de Verdades
é um notável livro de contos, de narrativa imantada, emocional, com histórias que percorrem o imaginário labiríntico e luminoso da memória de cada leitor, estimulado pelas ações e nos detalhes descritos em cada um dos contos, estes finamente estruturados numa original e cativante forma de construção da linguagem, característica na poética profundamente pessoal do autor, Aldyr Garcia Schlee.

“Dizem que ali, para lá daquela volta do Jaguarão, lá adiante, nas barrancas, viviam as grandes onças brabas – metade tigre, metade peixe – que deram nome ao rio. Eram como sereias, com seios, o jeito, o encanto de mulher. Talvez ocultassem sob a água o mistério de suas escamas de prata e de suas caudas ondulantes, mas não tardavam em revelar, na agudeza das garras, a voracidade de suas entranhas de fera. Conta-se que elas atraíam e seduziam a gente com tal fascínio e encantamento que jamais qualquer um de nós pôde perceber
que fora arrastado até ali a ponto de perder o coração.” 














Contos de Verdades

Autor: Aldyr Garcia Schlee
Contos, 176 páginas, 2000
Editora: Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS
ISBN Nº  85-280-0516-X

publicado por ardotempo às 18:49 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 07.03.08

É momento de ler ou reler Não Verás País Nenhum



Nessa hora grave em que tudo aparenta estar em precário equilíbrio,
em que Estados formais negociam secretamente com organizações terroristas,
num tempo em que uma floresta primordial e insubstituível está sendo devastada sob a omissão e o acobertamento do governo que devia protegê-la constitucionalmente, em que sacolas plásticas, sub-produto do consumo irrefreado, sufocam os depósitos de lixo do dia-a-dia urbano de qualquer cidade, em que os oceanos se tornam sujos e hostis à vida marinha, em que os condomínios se encarceram em cerrada vigilância de milícias particulares de segurança, que proliferam os uniformes sombrios das seguranças e escoltas armadas privadas, que as quadrilhas operam e administram tecnologicamente fortunas depositadas em bancos (mesmo de dentro das celas das prisões), em que o petróleo e a água tornam-se escassos, é o momento de se reler com vagar e reflexão o livro de Ignácio de Loyola Brandão… 

NÃO VERÁS PAÍS NENHUM
© Ignácio de Loyola Brandão
Romance, 25ª Reedição 2007 / 416 páginas
Editora: Global Editora
ISBN 978-85-260-1176-2
 
Fotografia do autor por Lisette Guerra
publicado por ardotempo às 17:43 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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