Domingo, 11.09.11

A bandeira do Brasil

Um 7 de setembro vermelho e preto

 

Taciane Corrêa

 

Enquanto todos relembrarem 11 de setembro, eu vou ficar em 7

Dia em que Pelotas se coloriu e festejou

O verde/amarelo da Independência se confundiu com o vermelho/preto da paixão

Os nossos brasis entrecortaram as ruas como uma tonalidade sinfônica

Brasil, Brasil, Brasil,

As tuas cores são nosso sangue, a nossa raça

Fundado em 7 de setembro de 1911

somos campeões do bem querer

Agora o Grêmio Esportivo Brasil faz parte do time dos centenários

Sou rubro-negro!!!.... Com muito orgulho!!!

A invasão dos xavantes deu nome à torcida mais fiel do interior do Estado

Tua escada vermelha e preta faz vibrar nossa energia

Tua charanga é o coração pulsante da arquibancada

Considerada a mais antiga e tradicional do país, dá o tom e o movimento

Entre tambores, tamboris, saxofones e frigideiras

O ritmo conduz a musicalidade da torcida no Estádio Bento Freitas

Em 17 de agosto ultrapassou os limites do futebol e entrou dançando no museu

Ao som da charanga acompanhada da beleza do Grupo Tholl de vermelho e preto

entra em cena a mostra fotográfica Camisa brasileira no Malg

Pelas palavras, Gilberto Perin faz-se a fotografia

Por sua câmera mágica revelam-se segredos, dramas, fantasmas e esperança

Até o dia 14 é possível flanar pela artística alma popular

do primeiro grupo campeão gaúcho em 1919

O caldeirão do diabo vira arte contemporânea

São chuteiras, havaianas, rolo de fita crepe, camisa rubro-negra e Bíblia que ecoam do vestiário

É altar, velas e santos que materializam o intangível

É Iemanjá, São Jorge e Nossa Senhora

à espera da sua prece

São chuveiros, toalha e sabonete que imprimem aroma a cada clique

São mais de 50 imagens que eternizam nossa paixão de sempre

No reflexo trincado está o entusiasmo da torcida intacto

Na bandeira, o grito de gol e o sentimento arrebatador

que pinta a cidade de vermelho e preto.

 

 

 

 

Taciane Corrêa - Publicado no Diário Popular (Pelotas RS Brasil)

Imagem: Fotografia de Gilberto Perin

 

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Sexta-feira, 25.03.11

Limerique

Sobre o limerique

 

Cleonice Bourscheid

 

Limerick é um poema de cinco versos.

Tem sua origem na Irlanda, mais precisamente na cidade de Limerick, que lhe emprestou o nome.

Sua estrutura é formada por dois versos maiores seguidos de dois menores e um do tamanho dos primeiros.

Geralmente se utilizam 7 sílabas nos versos maiores e 5 nos menores.

Ou as maiores podem ter 10 a 12 sílabas e as menores, 7 a 8.

Os versos maiores rimam entre si, o mesmo acontecendo com os menores.

O tema é amplo, mas o estilo original do Limerick é a crítica, a ironia, a galhofa.

 

O primeiro verso tradicionalmente introduz uma pessoa e um lugar,

o lugar aparecendo no final do primeiro verso estabelecendo uma rima para o segundo e o quinto.

Nos limericks originais, o último verso era essencialmente uma repetição do primeiro,

embora hoje em dia não seja mais usual.

 

A referência mais antiga encontrada é um poema de São Tomás de Aquino (1225-1274),

que se encaixa no padrão métrico.

 

Sit vitiorum meorum evacuatio

Concupiscentae et libidinis exterminatio,

Caritatis et patientiae,

Humilitatis et obedientiae,

Omniumque virtutum augmentatio.

 

Tradução:

 

Que meus vícios sejam esvaziados

O desejo e a luxúria banidos

Caridade e paciência

Humildade e obediência

E todas as virtudes aumentadas.

 

Let my viciousness be emptied,

Desire and lust banished,

Charity and patience,

Humility and obedience,

And all the virtues increased.

 

Esta forma foi popularizada por Edward Lear (1812-1888) no seu Book of Nonsense.

Era muito respeitado como artista e chegou a dar aulas de desenho para a rainha Vitória.

 

There was an Old Man with a nose,

Who said, "If you choose to suppose,

That my nose is too long, 

You are certainly wrong!"

That remarkable Man with a nose.

 

Um certo velhote narigudo

Xingava: Não diga, seu posudo,

Que meu nariz é comprido

Você é doido varrido

E coçava o nariz com dedo e tudo.

 

A avezinha caiu na panela

Vovó cozinhou com canela

Na hora do almoço

Foi aquele alvoroço

Vovô tropeçou na panela.

 

Romilda a velha birrenta

Toma café com pimenta

O velho curioso pergunta:

Isto alimenta?

Que lhe importa? retruca a birrenta. 


 

Cleonice Bourscheid

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Terça-feira, 30.11.10

Dia do JANTAR - o que não se pode perder

 

O Jantar, na Livraria da Vila - Itaim - 18 de dezembro

 


 

 


O delicioso, substancial e provocativo ensaio O JANTAR, de Naira Scavone levanta questões e respostas importantes sobre a alta gastronomia brasileira.

 

Qual a razão primordial para que o espaço da cozinha profissional seja ainda dominado pelos chefs masculinos (apesar da recente moda das chefs mulheres e, especialmente, da tradição secular da cozinha caseira cotidiana ser predominantemente de fatura feminina)? Qual a justificativa para o desenvolvimento de um novo gosto gastronômico a partir da presença de chefs estrangeiros em restaurantes e hotéis internacionais no Brasil (especialmente os franceses e os italianos)? Porque a gastronomia de experimentação e de vanguarda é sempre de fora (Espanha, Japão, Itália e França) e quase nunca a partir de uma cozinha de origem brasileira, resultando esta mais ancorada no conservadorismo para ser respeitada na sua qualidade intrínseca? Qual a razão para a “descoberta” de certos ingredientes brasileiros (pimenta-rosa, carambola e mandioquinha, por exemplo) como sofisticados, exóticos e apreciáveis, estar na palavra de chefs estrangeiros e não como proposta de chefs brasileiros? Qual o papel das revistas especializadas na formação do gosto no atual momento da gastronomia brasileira?

 

 

 

 


Lançamento na Livraria da Vila Itaim - Rua Mário Ferraz, nº 414 (11) 3073-0513 - Itaim-Bibi São Paulo, no dia 18 de dezembro, das 15h até às 19h30, com a presença da autora, Naira Scavone, do chef Aires Scavone e do fotógrafo Mauro Holanda, autor das várias imagens publicadas no livro.

 

Imagem: Mauro Holanda

publicado por ardotempo às 10:37 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 19.11.10

Música no jardim - Museu da Casa Brasileira - Sábado 20 de novembro

Música

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por ardotempo às 10:30 | Comentar | Adicionar
Domingo, 14.11.10

O gênero confrontado com o fogão profissional

Trecho de O JANTAR - de Naira Scavone

 

 

 

 

 

 

No senso comum, cozinha, comida e alimentação automaticamente associam-se ao gênero feminino e aos papéis sociais normatizados, como mãe, esposa, empregada, etc. Porém, quando falamos em gastronomia ou pensamos em restaurantes famosos ou jantares especiais e requintados, a associação que se faz é com a figura clássica do chef de cozinha, com sua doma (jaleco bordado, muitas vezes, cheio de prêmios) e chapéu alto.


O homem vem dominando a gastronomia profissional ou a “gastronomia especial” ao longo de toda a nossa história. Quando falamos numa cozinha aparentemente mais qualificada ou encarada como profissão, imediatamente ela é associada aos homens. Assim, essa hegemonia construiu um senso comum acerca do gênero no exercício da profissão que, consequentemente, também tem exercido poder na definição do bom gosto e na construção da alta gastronomia. Só para exemplificar, uma forma peculiar de demonstração de poder masculino na área consistiu em batizar as receitas ou pratos com nome de homens nobres ou homens da classe alta. Eventualmente, esse ato acabava por dar autoria da receita à pessoa, como o caso do molho maionese, atribuído ao duque de Richelieu, em 1756, ou o molho béchamel, invenção de um dos cozinheiros de Luís XIV que  homenageou o financista Luis Béchamel, marquês de Noitel.


Além disso, a palavra “chefe”, definida originalmente no dicionário como um substantivo masculino, vem desacompanhada de uma palavra no feminino (ou da designação do artigo) para a mesma função, talvez porque por muito tempo não fosse necessária, já que mulheres não eram admitidas nesse contexto. Não é preciso muito esforço para constatar a hegemonia masculina na profissão.


Historicamente e na contemporaneidade, a maioria – para não dizer 90% – dos chefs de cozinha e escritores de alta gastronomia é constituída por homens. Assim como a História Geral foi, com certeza, uma história contada e construída por homens, a história da alta gastronomia também. Além da hegemonia masculina na profissão, sua relação com o gênero feminino teve, na sua origem e por muito tempo, uma conotação inferior. Vale lembrar que, por exemplo, quando as mulheres começaram a exercer a profissão de cozinheiras, recebendo pagamento por essa atividade, só eram empregadas por aqueles que não eram ricos o bastante para pagar um cozinheiro homem (na época, elas eram chamadas cordons-bleues); contudo, essa expressão tornou-se posteriormente sinônimo de comida excelente.


A grande maioria de escritores e chefs reconhece que a alta culinária francesa atingiu seu apogeu na segunda metade do século passado, que também foi o século da cuisine bourgeoise. Ariovaldo Franco (2004) diz que, por muito tempo, a cozinha burguesa foi objeto de desdém de alguns chefs. Contudo, cozi-nheiras talentosas e exigentes foram responsáveis pela construção e pela consolidação de uma “cozinha de base menos aparatosa e mais realista” (FRANCO, 2004). Esse comentário –“mais realista”– supõe mais econômica, o que novamente separa os tipos de cozinha: a glamourosa e a realista (a do chef de cozinha e a da cozinheira burguesa).


Se observarmos a história, perceberemos que sempre foi importante para os membros da nobreza e do novo mundo das finanças possuírem um cozinheiro. Isso era determinante na escala da distinção, representava poder, isto é, significava a possibilidade de oferecer aos convidados pratos que eles nunca tivessem provado, executados por um profissional com status.


Dessa forma, construía-se a ideia de que a cozinheira mulher possuía conhecimentos práticos e de tradição familiar e que os cozinheiros, os chefs, tinham, além da capacidade de invenção e reflexão sobre gastronomia, conhecimentos diferentes e superiores aos das cozinheiras, o que, consequentemente, lhes conferia maior status profissional.


Posteriormente, os cozinheiros homens não só detinham e transmitiam a profissão, como também acabariam se tornando os primeiros proprietários de restaurantes, emergindo aí uma nova classe social, a dos chefs e proprietários de restaurantes, com poder econômico e, essencialmente, com capital cultural de estimado valor. Esse fenômeno é observado principalmente após a Revolução Francesa, pois vários restaurantes contratam os chefs antes empregados pela monarquia, assim como alguns desses chefs abrem seus próprios estabelecimentos. A partir desse momento, o chef de restaurante oficialmente desempenhará o papel de criação gastronômica, e esta permanecerá predominantemente centrada em Paris.


© Naira Scavone - Trecho de O Jantar - Edições ARdoTEmpo, 2010

Sobremesa, criação da chef Ruth (Escola de gastronomia EGAS, Porto Alegre RS Brasil)

Imagem: Fotografia de Mauro Holanda

publicado por ardotempo às 18:53 | Comentar | Adicionar

Encontro de chefs, gourmets e leitores em São Paulo

Lançamento de O JANTAR em São Paulo

 

Para todos os convidados a O JANTAR - as chefs, os chefs, os gourmets, as leitoras e os leitores:

 

 

 

publicado por ardotempo às 17:05 | Comentar | Adicionar
Terça-feira, 09.11.10

Elvis na Praça - Um romance

Convite:

 


A escritora Laure Limongi viaja ao Brasil e participa da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre a convite da Câmara Sul-riograndense do Livro, com o apoio integral e cobertura de viagens e hospedagens por parte da Embaixada da França no Brasil.

publicado por ardotempo às 01:17 | Comentar | Adicionar
Segunda-feira, 08.11.10

Jantar polêmico na 56ª Feira do Livro de Porto Alegre

Convite:

 

 

 

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Sábado, 23.10.10

O romance de Elvis Presley

Função Elvis - Romance de Laure Limongi

 

 

 

 

 

O livro Função Elvis é um romance de Laure Limongi sobre a temática da criação e formação de um mito mediático.

 

Um romance que conta numa linguagem clara, dinâmica, hipnótica, pop, em frases curtas, em capítulos de apenas uma página, de precisão cirúrgica e contemporânea, a trajetória de construção minuciosa da imagem do ídolo universalizado pelo poder de difusão dos meios de comunicação. A criatura imaginária e idealizada, permanente, fora do indivíduo. Uma função. A ascenção e a não queda do mito. Elvis vive. Em milhares de clones multiplicados pelo mundo, em imagens recorrentes, em filmes, em fotografias, em impressões reproduzidas, em canções de rock e baladas, em souvenirs, em imãs de geladeira...Um livro empolgante e magnético, como esses mesmos imãs triviais, como o próprio ídolo, permanente em copyrights, que lhe motiva o tema. Mesmo que sejam peças “únicas” fabricadas na China em quantidades monumentais.

Imagens fotográficas de Gilberto Perin.


 

Função Elvis

Autora: Laure Limongi

Tradução de Jean-Michel Lartigue.

Capa e imagens fotográficas de Gilberto Perin.

Edições ARdoTEmpo, a partir da edição original francesa de Éditions Léo Scheer.

88 páginas.

ISBN nº 978-85-62984-07-5

Edições ARdoTempo, 2010

publicado por ardotempo às 18:39 | Comentar | Adicionar

O encontro possível

Carta para o amigo


Mariana Ianelli

 

 


Não falo em destino, porque destino hoje é palavra mal reputada, mas a verdade é que ter te encontrado uma noite sob um tropel de estrelas não tem nada que ver com o acaso. A fotografia inexistente de nós dois, ali, como velhos amigos desde o começo, é a imagem que me fica depois de tanto tempo.


Quanto pesem os maus bocados, as páginas rasuradas e sem nexo da minha vida, sempre te encontro debaixo de um céu imenso, num sossego que torna ridículo qualquer acesso de impaciência. E que vida cinzenta seria a minha se não estivesse ali contigo, se apesar de tudo não conseguisse estar, se inventasse uma desculpa por medo, medo da noite, medo do sossego, medo dos teus olhos tocando os meus, lá no fundo de um poço, como só aqueles que se amam sabem fazer. Mas até hoje alguma coisa em mim foi maior do que o medo, alguma coisa de bicho desaçamado que fareja a terra e se sente bem.

 

Quem sabe um dia eu me esqueça, quem sabe, depois de tudo, a vida fique cinzenta, já vi isso acontecer a muita gente, esse desencanto, essa focinheira, esse cansaço de quem não tem mais lá no fundo dos olhos além de um poço seco.


Mas digamos que não aconteça, que eu ponha os meus olhos nos teus sempre com o mesmo bulício de água fresca. Digamos que seja assim, que todas as noites eu compareça, como se fosse cada noite uma estrela dentro de uma única noite imensa. Digamos, por enquanto: este encontro é possível.

 

 

 


Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

publicado por ardotempo às 15:42 | Comentar | Adicionar
Sábado, 09.10.10

Não há polêmica

Uma planície acomodada no horizonte


Mariana Ianelli

 

 



Meu sobrinho de quinze anos se diz ateu. Sem dilema, sem afronta, em uma conversa arejada durante um almoço em família, a declaração se dilui na sequência de um por favor, você me passa a salada?. Justificativas são desnecessárias.

Nenhuma palavra sobre campos de sangue, sobre o fato de tê-los havido sempre, nem sequer uma arremetida irônica, como por exemplo, a injustiça no mundo, esta sim, é onipotente. Nenhuma elucubração sobre lance de dados ou comentário maldoso sobre o cilício por baixo das togas. A espada e o machado trabalhando em nome da fé, cidades incendiadas, crianças atiradas contra um rochedo, homens tratados feito erva seca por um deus vingativo e ciumento, nada disso alimenta a polêmica. Não há polêmica.


Meu sobrinho não bate o punho na mesa para defender suas razões. Não faria o que fez meu bisavô comunista, que se recusou a entrar na igreja no dia em que se casaram os meus avós. Sua declaração é uma planície acomodada no horizonte, uma quase natural indiferença. Pode desconhecer muitas coisas, não compreender outras tantas, mas o que é orfandade ele sabe, desde pequeno, quando ainda mal caminhava e aquele que aparecia, com o sol estrelado no rosto, de braços estendidos, para buscá-lo aos domingos, todos os domingos, de repente, quase naturalmente, não apareceu mais.


Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

publicado por ardotempo às 17:17 | Comentar | Adicionar
Sábado, 25.09.10

Contraponto e antídoto aos modismos contemporâneos

Retorno ao sagrado


Rachel Gutiérrez - Rio de Janeiro, RJ


Carlos Drummond de Andrade terminou sua famosa Elegia com os versos:

 

Amor, quem contaria?

E já não sei se é jogo, ou se poesia”.

 

Mariana Ianelli, cujo novo livro é, em grande parte, uma elegia para seu avô, o artista plástico Arcangelo Ianelli, encontrou em outros versos de Drummond a epígrafe: “Vazio de quanto amávamos,/ mais vasto é o céu. Povoações/ surgem do vácuo./ Habito alguma?”. E os 45 poemas que compõem Treva Alvorada estão distribuídos em nove “povoações” habitadas, sim, por densa e intensa poesia.

 

Aqui, se jogo há é o que começa no oximoro do título e na capa, que reproduz um quadro da fase abstrata do pintor, triunfo da cor que se expande no escuro que a emoldura. Depois, é o jogo do claro/escuro da vida e da morte, ou o da evocação de mitos longínquos em contraste com a noite, “que durou anos”, um longo percurso de agonia e despedida. Nos últimos versos do último poema, outro começo se anuncia: “E terei me esquecido/ E terei me recordado/ Na idade certa de dizer,/ Se tempo houvesse:/ Aqui não se morre mais”.

 

Circularidade de uma experiência espiritual tão próxima de East Coker, segundo poema dos Quartets, do cristão T. S. Eliot, que termina com “In my end is my beginning”, quanto do misticismo tibetano, que diz, num provérbio, “todo mundo morre, mas ninguém está morto”. Poesia densa porque concentrada, onde as palavras são circundadas pelo silêncio do não dito, como o finito é envolto de infinito e a vida, a nossa finitude, limitada pelo tempo imensurável do passado e do futuro. Poesia intensa porque especulativa, intelectiva, meditativa.

 

Na era do entretenimento, da mera diversão, quando se foge da morte, da solidão e da busca de sentido, quando a exposição do escatológico e a banalização da violência vem se perpetuando assustadoramente, a poesia corre o risco de tornar-se mero jogo, performance ou engenhosa e pouco séria construção. Ora, quando significativa, a poesia é feita de som, de sentido e de silêncio. Mas nosso tempo é de estridências, de ruídos sem sentido e de ausência total de silêncio. Contrapondo-se a isso, Mariana Ianelli intitulou um de seus mais belos livros Fazer silêncio, onde encontramos nos versos do poema Legado (Obstinada chama dos antepassados,/ Capítulo um desta ficção de realidades), como em Perspectiva (Durou o instante de uma chama/ Mas ficou para a posteridade), e no primeiro dos Poemas para epitáfios, de outro livro, Passagens, (Porque o culto da alvorada persevera/ Tu não desaparecerás), prenúncios da temática principal de Treva alvorada.


Senhor das cores


Na primeira Povoação, o eu lírico da poeta ora encarna o eu do avô, artista múltiplo, que evoca outros tempos — “quando não havia ainda/ A necessária mortalidade das coisas,/ e (...) sobravam direções —, ora se distancia e observa consternado o intermitente definhar de um corpo (que) “ousa viver um dia”. Na segunda, e na terceira, onde a morte já espreita e “se mete/ Pelas frinchas, pelas guelras”, diz-se também que “em um minuto o passado elabora/ O museu do futuro”. Não podemos imaginar como foi a infância de Mariana Ianelli no convívio com esse avô senhor das cores e das formas, dos materiais mágicos da pintura e da escultura, mas sabemos que sua poesia é esculpida com palavras cuidadosas, pensativas, matéria e forma do trabalho de uma artista. “Quando canto,/ Sonho que flutuo sobre um pélago,/ Sonhar é o meu trabalho” (de Cântico). “Ser poeta significa estar na alegria”, diz Heidegger, em Approche de Höelderlin. Mesmo quando fala da morte, o poeta canta e aprendemos com Bachelard que o tempo da poesia é vertical, um mergulho para o alto, ou uma vertigem das profundezas. É no mistério das profundezas que são geradas as imagens e as metáforas. “Um sorvedouro/ Onde a paz dos contrários/ Treva alvorada./ Fecundado flutuas./ É a lei da graça”, como conclui o poema da sexta Povoação, que dá título ao livro.A evocação dos mitos torna mais compreensível o mistério da vida, o sentido da história, a condição do homem.

 

No 13.º Trabalho de Hércules, da oitava Povoação, “Eis o velho empreendedor,/ O indomado. (...) Mas a chaga do herói não se mostra”. E quando é lembrada a Origem dos Moabitas, na sétima Povoação: “Ele penetra/ Os recessos de um livro,/ Abre a fonte lacrada”. Como Loth, o patriarca dos Moabitas que, muito idoso engendrou uma nova descendência, o avô Ianelli a todos fecunda e deixa um duplo legado: uma herança e uma história, suas obras e um exemplo de vida consagrada à arte. História de ricas povoações do espaço. Arte é espaço ocupado, vida acrescentada, criação demiúrgica que se instaura no tempo. No mito também há jogo de vida e morte, só o morto tem a vida completa, fábula contada, história. “A gente morre é para provar que viveu”, disse Guimarães Rosa. E Mariana, no penúltimo poema, Diante da paisagem: “Bendita vida, trigueira vida/ Pasmando o nada”. Pois “o mito é o nada que é tudo”, como entendeu Fernando Pessoa, aqui o nada da ausência, o vácuo, o “vazio de quanto amávamos” da epígrafe de Drummond.

 

 

 

Em A palavra, a poeta faz esta confidência:

 

Eu te procuro

Em tempos de rara cortesia”.

 

Tempos de Mariana Ianelli,

que assumiu matrilinearmente o sobrenome do avô:


O teu nome se descobre

Feito de estranhas vogais.


E logo adiante:


E o que era eterno se ausenta

Em tudo à espera

De uma nova eternidade.


A poesia de Mariana Ianelli contrapõe, aos modismos contemporâneos, às elaboradas assonâncias, profundas ressonâncias artísticas e culturais. Trata-se de um corajoso retorno ao sagrado e às essências da humana condição. E justamente por representar um contrapeso e um antídoto à nossa época é que a sua poesia é necessária. Daí sua extraordinária atualidade. Nesta homenagem ao avô, de quem segue o exemplo de dedicação integral ao próprio ofício, a poeta encerra o livro como a cor do quadro de Arcangelo Ianelli, que, em seu triunfo sobre a sombra, expressa a vitória da luz. 

Memorando


Não há grandes notícias.
Uma torre desapareceu,

O inverno expandiu-se

E a esperança ainda rói

O fundo de uma caixa

Procurando saída.
Com esculpido esmero

Vai se acabando uma família.
Um gesto qualquer se repete

No ensaio de ser abolido,

Remediar, abafar, corrigir,

Nada lembra o que antes foi só

Generosidade de coisa viva.
Não convém

O alvoroço dos pássaros,

A revanche da galhardia.

É inútil desafiar o pó

E, contudo, desafia-se.


 

© Mariana Ianelli - Treva Alvorada - Editora Iluminuras, São Paulo, 2010

Publicado em Rascunho (Curitiba PR Brasil)

publicado por ardotempo às 20:47 | Comentar | Adicionar

A jardineira da esperança

Jornal no café da manhã


A dor que me dá um pássaro coberto de petróleo. É um misto de cólera, vergonha e desalento quando vejo naqueles olhos mínimos a pena imensa que um pelicano tem do homem. No mesmo noticiário, a imagem do canal de rios da Louisiana prateado de peixes mortos. Num relance não me dou conta dos peixes, confundo o gigantesco tapete de escamas com uma estrada. A ilusão de ótica, nesse caso, é uma inconformidade dos olhos.

Agora o caso dos mineiros na jazida de San José, no Chile. Soterrados há quase dois meses, esses homens permanecem vivos e não fazem mais que esperar. Para lá desceram, a 688 metros de profundidade, e acidentalmente encontraram uma palavra cujo sentido nunca antes pareceu tão precioso. Em uma galeria de refúgio, a esperança custa a ser resgatada. São 33 homens no ventre da terra desejando voltar à luz.


Enquanto isso, em Cancún, um museu subaquático de esculturas começa a ser montado. Centenas de figuras de cimento, inspiradas em pessoas reais, estão sendo ancoradas no fundo do mar. Detenho-me em uma dessas figuras, uma garota deitada entre corais, intitulada “A Jardineira da Esperança”.

 

Dentro de alguns anos, pólipos e anêmonas cobrirão essa escultura e então suas formas talvez apenas vagamente lembrem um corpo humano. Aqui, a esperança instala-se nas profundezas e repousa.

 

Aqui, a ilusão de ótica é a maravilha dos olhos. Finalmente um bonito colóquio entre a natureza e o homem.

 

 

 

Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

Imagem" "A jardineira da esperança" - Museu Aquático de Cancun - México

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Quinta-feira, 16.09.10

A alta gastronomia brasileira existe?

O JANTAR - de Naira Scavone

 

O leque de interesses da pesquisadora Naira Scavone não é trivial. Sua trajetória profissional perpassa a psicologia, a educação, os estudos femininos e a gastronomia; e agora desemboca neste livro (cuja “mise en place” se iniciou em seu  mestrado em Educação na UFRGS e se estendeu por anos a frente de uma escola de gastronomia, em Porto Alegre), capaz de combinar harmoniosamente todos esses ingredientes.

 

 

O que Naira oferece é uma refeição completa, da entrada ao café, passando por dois pratos principais substanciais e pela sobremesa. Mas que não se engane o gourmet desatento: neste livro não se encontram receitas ou técnicas culinárias; a matéria-prima com que o jantar é preparado aqui é o campo da alta gastronomia no Brasil de hoje, analisado a partir de um sólido referencial teórico conceitual, tanto quanto de uma longa vivência pessoal em meio a chefs e entusiastas do bem-comer.

 

 

 

Assim, o que está em pauta são as relações de poder e de gênero dentro da cozinha profissional, o imaginário da alta gastronomia disseminado pelas revistas especializadas e a construção de uma idéia de nação por via de uma certa “gastronomia brasileira”, dentre outros temas.

 

Já não bastasse a originalidade temática e de abordagem – afora artigos acadêmicos esparsos, são ainda raras no Brasil as publicações com foco na análise sociológica de nossa própria alimentação -, o que torna este livro algo especial é a ousadia e a argúcia com que sua autora enfrentou a empreitada.  Ainda que feito só de palavras, o jantar servido aqui tem a combinação bem calibrada (e rara) de temperos capaz de atrair a toda a gama de interessados em gastronomia.

 

Patrícia Gomensoro

 

 

Fotografias: Mauro Holanda

© Naira Scavone - O Jantar - Edições ARdoTEmpo, 2010

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Domingo, 12.09.10

Este JANTAR está excelente, bom para pensar

O JANTAR

 

 

 

Um jantar lida com apetites, aguça sentidos, mexe com corpos.

 

À mesa de refeições, comida e bebida são dispostas, muitas vezes, não apenas para saciar fome e sede, mas como razão ou pretexto de encontros. Ali podem acontecer reuniões memoráveis, saborosas, divertidas, plenas conversas e debates, carregadas de afetos e de disputas.  O jantar mistura muitos ingredientes, alimentos, sensações, idéias, emoções. Em torno da mesa se fazem jogos de sedução e de poder, há afinidades e competições. Um espaço ‘bom para pensar’ a sociedade e a cultura.

 

Num tempo em que comida e gastronomia viraram moda, multiplicam-se ‘chefs’  e celebridades, ‘experts’ e especialistas que, na televisão, nas livrarias e até no cinema, com propósitos por vezes quase antagônicos, falam de mesas e de dietas, de prazeres e de restrições, enquanto se propõem a ensinar a escolher, preparar, combinar e harmonizar alimentos e bebidas. Este livro não fica alheio a este mundo, no entanto, se propõe a olhá-lo por outra perspectiva.

 

Naira trata de comidas e bebidas, de ervas, especiarias, vinhos e licores, mas não traz receitas nem regras, não ensina modos de preparo ou etiquetas. Ela analisa a mesa de jantar, ou melhor, a gastronomia, como um artefato da cultura. E, uma vez que ‘existe gastronomia quando há possibilidade de escolhas’, tal como lembra, se dispõe a examinar algumas destas escolhas. A preferência por produtos, por formas de preparo ou de apresentação; a decisão sobre quem prepara, quem tem a primazia de sentar à mesa; a eleição das horas e das regras das refeições; a distinção das mesas dos nobres e das mesas populares, dos alimentos finos ou vulgares; a valorização do que é local ou do que é raro, da cozinha dos antepassados ou dos estrangeiros –  as múltiplas e complexas escolhas que indicam e marcam posições de sujeitos, lugares sociais, gêneros, identidades. Nenhuma destas escolhas é, absolutamente, ‘inocente’, antes disso, elas são todas, de algum modo, cúmplices de sutis e, por vezes, arraigadas relações de poder.

 

Este livro se inscreve numa perspectiva dos Estudos Culturais, com um olhar particularmente voltado para as trocas de gênero e nacionalidades que se fazem e se reiteram no âmbito da gastronomia. Naira trata do disciplinamento e das transformações dos gostos, analisa autoridades e restrições de homens e mulheres na cozinha e na mesa, observa tradições e modas, regionalismos e importações, misturas e tendências. Mostra como a comida participou (e participa) da construção da identidade brasileira, questiona mitos, discute a dinâmica dos gêneros em torno do fogão e das mesas. Ao olhar acadêmico agrega sua experiência como docente de uma escola de gastronomia e, assim, constrói um texto ‘leve’ e provocante que, simultaneamente, instiga a pensar e faz sorrir. Como num jantar bem realizado, aqui o tempero é sutil e os sentidos são despertados. Vale a pena provar deste texto.

 

© Guacira Lopes Louro - Apresentação de O JANTAR, de Naira Scavone - Edições ARdoTEmpo

Imagens de Mauro Holanda

 

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Sexta-feira, 10.09.10

Convite para O JANTAR

Lançamento de livro O JANTAR, de Naira Scavone

 

 

O Jantar

Naira Scavone

Um ensaio acadêmico de análise comportamental sobre o surgimento da alta gastronomia no Brasil.

Ensaio leve, delicioso, provocativo e instigante sobre os costumes, a aceitação e o desenvolvimento

da alta gastronomia entre os brasileiros.

Fotografias de Mauro Holanda

!68 páginas 4 x 4 cores

Preço: 30,00

ISBN 78-85-62984-03-7

PRONAC nº 08 9391

Edições ARdoTEmpo

 

ardotempo@gmail.com

 

Dia 17 de setembro de 2010

Studio Clio

Rua José do Patrocínio, 698

Cidade Baixa - Porto Alegre RS Brasil

CEP 90050-002

Fone: (51) 32 54 72 00

 

www.studioclio.com.br

 

 

 

 

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Domingo, 22.08.10

Nos campos da angústia

Uma estreia com força e voz própria


Mariana Ianelli

 

Escritor avesso a filiações, Lúcio Cardoso dizia acreditar apenas “no romance feito com sangue, e não com o cérebro unicamente, ou o caderninho de notas, no que foi criado com as vísceras, os ossos, o corpo inteiro, o desespero e a alma doente do seu autor”. A citação é mais que oportuna para falar do recém-lançado “Rasteira no campo de caniços” (ed. 7Letras), de Narjara Medeiros.

 

Nascida em Rondônia em 1983, Narjara estudou filosofia e botânica. Com o subtítulo “O delírio dos galos enforcados”, seu primeiro livro reúne sete contos de uma singularidade que, embora deixe entrever num primeiro momento a presença de elementos mágicos, ou do absurdo propriamente dito, descrevê-lo por meio de tais comparações seria tão insuficiente quanto dizer de “A luz no subsolo” - para tomar mais uma vez o exemplo de Lúcio Cardoso - que é um livro onde predominam os matizes psicológicos.   O paralelo aqui se justifica na desmedida da angústia humana. É um “medo sabe-se-lá-do-quê” envolvendo os personagens em uma existência que não convém afrontar com o pensamento, porque um lampejo de consciência pode levar ao suicídio. Os enforcados que povoam as histórias de “Rasteira”, debaixo de uma goiabeira ou de um flamboyant, são frutos dessa implacável lucidez que não chega a se converter em conhecimento.

 

Cidadezinhas interioranas, “filhas legítimas do brasileiro, praga arrastada em todo território, terreiro da catira, catimbó, lundu, congada e umbigada”, espelham uma paisagem da alma feita de miséria, modorra e torpeza. Sem garantir pertencimento, a pátria enseja o caos.  Neste cenário de promessas falhadas, Deus é um fosso onde os personagens lançam seu perjúrio e sua blasfêmia. O pacto com a selvageria, se não inspira um gesto de coragem, ao menos funciona como estratégia de sobrevivência. Um menino levado pelo pai, todos os domingos, a um quartinho rebocado para assistir a um cão faminto estraçalhando um porco; um homem que desenvolve seu talento para o mal apenas com o olhar, o chacoalhar de uns guizos e o poder da mente; um tipo estranho que tora o cordão umbilical de uma criança com os dentes e sente um “gosto de guerra” são encarnações de uma violência que instrui o caráter para atuar em um mundo desencantado e sem sentido.

 

Viagens também são constantes no livro, passagens por regiões de algum modo familiares à autora, que já morou em Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo.

 

Pegar a estrada, deixando para trás uma família arruinada ou qualquer outro vínculo, não resulta de uma determinação bem refletida mas de um colapso, última “escapatória de uma realidade considerada ultrajante”, a tentativa de “imolação da angústia”, mesmo que para isso seja preciso mutilar a alma e o coração. Várias metamorfoses aparecem nas histórias, sendo emblemática a do conto “Primeiro dia”, uma espécie de influxo selvático sobre a natureza humana, que expõe uma “falha na estrutura da ciência” e transfigura o corpo. Ora é uma mulher transformada em ave, ora um garoto com rosto de cigarra. A floresta e a mulher guardam seus venenos, sua vocação demoníaca, e “dissimulam sua força na aparente fragilidade de uma orquídea”. De mais a mais, a própria vida opera seu sortilégio em um “corpo franzino se metamorfoseando num leão de batalhas”.

 

Sugar Lips”, um conto que parece destoar dos outros pela brevidade, merece especial atenção, pois nele se concentra o mais assombroso gesto de delicadeza, de fruição do “ideal etéreo da beleza”, sob uma epígrafe de Cioran. A referência, que ressurge no título do último conto do livro, não podia ser mais adequada, já que todos os personagens de “Rasteira” experimentam a dor de ser de que falava Cioran, o destino de “sofrer como um animal as consequências de ser ferido pela existência”. É assim que, no meio de uma brutalidade feita de sarcasmo e ceticismo, no encadeamento de pequenos imprevistos que conduzem ao desastre, a autora faz brotar, de maneira comovente, a expressão da ternura, o doloroso grito de amor, a cumplicidade afetuosa entre os vencidos. “Um diamante por uma lágrima” e “O universo transformado em tarde de domingo” são bons exemplos disso. “Rasteira no campo de caniços” é sem dúvida um livro feito com sangue e desespero, como queria Lúcio Cardoso, que, não por acaso, já em seu primeiro livro prenunciava a marca ímpar que sua obra deixaria na literatura. Com estilo próprio, inventividade exuberante e frescor, Narjara Medeiros faz agora sua estreia, merecendo a aposta, para o futuro, de uma trajetória invulgar.

 

 

Trechos do livro:

 

"Em Manicoré concluí pesadas teorias, revi o princípio de causalidade, a retórica, o fenômeno, a coisa-em-si, o paradoxo, o parêntese, a vírgula, o ente, o rizoma, a metafísica, os átomos de Leibniz, a misericórdia. Se eu morasse no Canadá ou em Paris talvez conseguisse compreender os desaforados sistemas de filosofia, mas o Brasil é quente demais para pensar nessas besteiras. (...) O rio Madeira era o meu Oráculo de Delfos. O araçá-boi e a flor do camu-camu os meus bibelôs de epistemologia aplicada."

– (Trecho do conto "Primeiro dia")

 

"O cigano encostado no capô do carro, pernas cruzadas, óculos escuros, o cigarro preso nos dentes. A imagem mais bonita desde o dia em que aquele mesmo carro entrou em Três Forquilhas. Matacavalos ainda se lembrava de mim e eu pensava nele em cada minuto apertado do meu dia: o meu amor de diamante. O destino é mérito de Deus, o homem é sua marionete de tecido delicado. Qualquer esforço maior é desnecessário."

– (Trecho do conto "O universo transformado em tarde de domingo")


Mariana Ianelli - Publicado em O GLOBO - Rio de Janeiro

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Quarta-feira, 14.07.10

Homenagem a Laure Limongi

Um escritora à beira do mar

 


 

 

 

Laure Limongi, escritora e editora de Editions Léo Scheer (Paris), autora de FUNÇÃO ELVIS.

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Domingo, 23.05.10

"Aqui não se morre mais"

Treva Alvorada

 
Jair Ferreira dos Santos

 

Mariana Ianelli escreve, basicamente, uma poesia do primordial: a solidão primeira, o jardim sem outono, aquele tempo intransitivo fora do mercado mas perene em todos nós.  Nos livros anteriores, como neste admirável Treva Alvorada, os versos parecem nascer em algum ponto da imaginação literária onde o lirismo se entrelaça ao mito, à religião, à filosofia para aludir a experiências originárias com significados há muito abolidos ou empalidecidos pela vida moderna.

 

Já no título defrontamos a mais primitiva das oposições míticas – noite/dia, com   expansão metafórica para morte/renascimento, alienação/consciência – e essa ambigüidade atravessa o texto sob figuras diversas. É assim que reencontramos, em épocas e geografias indefinidas, Narciso, Abel, cenários antigos e passagens bíblicas, cada um deles envolvido com dilemas ou esperanças cujo drama, em roupagem inédita, revivemos.

 

A deserção, por exemplo, do filho pródigo, com sua “pele macia/ sem rastro de batalha”, vem precisamente de que “não sabia errar”. Pelo equívoco, ele ascende à humildade, para enfim retornar à casa paterna. A errância humana entre sombra e luz, aliás, é o tema da coletânea. Estamos entregues à inquietude, ao desconhecimento, tendo a morte por horizonte. Esse aparente pessimismo, no entanto, é para Mariana um domínio de luta com sentimentos e gestos  justamente primordiais como a compaixão, o silêncio, as alegrias do corpo ou a aliança com o absolutamente Outro, também conhecida por fé.

 

Na vitória ou na derrota, palmilhamos a “revanche da galhardia”, pela qual “é inútil desafiar o pó/ E, contudo, desafia-se”.  Ou então, quando alcançamos a “paz dos contrários”, reina a “Treva alvorada”, onde “Fecundado, flutuas,/ É a lei da graça.


Narrativos, portanto mais ágeis, os poemas provocam por algum mistério uma impressão de leveza e profundidade. O cuidado com as palavras é severo mas não exclui, antes reforça, a espontaneidade. Os tons variam do lamento ao cântico, conforme a emoção em jogo. E à potência de reflexão lírica da autora, que percebe coisas assim: “Era um frescor de água profunda/ A tentação do esquecimento”, vêm se associar imagens reveladoras de um universo em contínua radiância, como no verso “A maçã resplandecente no esterco”. Tudo somado, temos a síntese de uma originalidade feita pensamento poético em sua mais forte expressão. 

 

Escrito em 2009 durante os meses de enfermidade e passagem do avô da poeta, o pintor Arcangelo Ianelli, Treva Alvorada contém meditações ora pungentes, ora libertárias sobre a morte. São lições de finitude que pertencem à sua decisão, ultracorajosa face à estética contemporânea, de dialogar poeticamente com o sagrado, que vai deixando este mundo seduzido pela própria desintegração.

 

Curiosamente, contra toda a aprendizagem, o último poema termina com a boutade: “Aqui não se morre mais.” Legítima ironia, mas ainda primordial, é no homem o desejo de imortalidade.

 
Jair Ferreira dos Santos

 


Treva Alvorada

Mariana Ianelli

Poesia - 128 páginas

Capa: Arcangelo Ianelli (Pintura)

ISBN nº 978-85-7321-3241-9

Editora Iluminuras, 2010

Valor: R$ 35,00

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Sábado, 22.05.10

Treva Alvorada

Novo livro de Mariana Ianelli

 

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Domingo, 25.04.10

Um poema

 

Josafá

 

 

Um trem some na noite,

Já não sabes 

O que nesta viagem 

Te aconteceu.

 

O olho cego de Deus

Ilumina os campos nevados,

A brancura de nada saber

Te faz bem.

 

Moves-te 

Num ventre de áspide,

Move-te a vontade de outrem.

Tua complacência viaja.

 

Tua complacência,

Uma fúria

Que o vagar das sombras

Enterneceu. 

 

Não há tua história,

Tua estrela no peito, teus bens.

Há um rosto fixo e mudo.

Teu nome é ninguém.

 

 

 

 

 

 

 

© Mariana Ianelli (Inédito) - Treva Alvorada - Iluminuras, 2010

 

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Domingo, 28.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

 

O Abutre-do-novo-mundo

Mariana Ianelli

 
Há pessoas que não foram totalmente corrompidas, como se o diabo não tivesse feito o serviço completo. Elas conservam as mãos limpas em troca de um esgar epilético e ninguém neste mundo seria capaz de julgá-las no lugar do seu próprio corpo de vítima e réu. Eu, por exemplo, cumpro a parte que me cabe no desempenho dos meus talentos e não me queixo. A minha pontaria me deu o que de melhor eu tenho: um bom apartamento, boas refeições e um sono tranqüilo. Por regra do ofício, minhas mãos nunca estão limpas. Quanto pesa a consciência? Nada, absolutamente. Para mim, mais vale não ter senso moral do que ter algum. Eu sigo o rabo de fogo do acaso e tudo o que preciso é ver sem ser visto. Chamam-me o Abutre-do-novo-mundo, o que eu considero, modéstia à parte, um dos títulos mais respeitáveis na hierarquia do crime.
`
Outubro, quinta-feira, nove e meia da manhã: passo em frente ao 102 e meu alvo acaba de cruzar a rua para entrar no café da esquina. Desde que comecei o trabalho, todo dia eu o vejo praticar maquinalmente a mesma rotina, os mesmos prazeres inofensivos. Não sei por que razão o infeliz me foi encomendado, ou melhor, isso não me interessa. Quero descobri-lo por minha conta, no relatório subliminar das repetições de circuito, da casa para o café, do café para o escritório, do escritório para a cantina, da cantina para casa, ad infinitum.
Cada qual há de ter seus motivos para morrer ou agarrar a vida e são esses motivos íntimos que me interessam, insondáveis quase sempre, que não se explicam nem se substantivam nos casos de adultério, nas dívidas empresariais ou nas intrincadas jogadas políticas. Mesmo no cotidiano mais desordenado existirá sempre algo que se repete, alguma triste mania na qual o homem se enraíza, uma cadeira predileta no fundo de um bar, aos domingos, uma avenida, uma tabacaria, uma prostituta preferida. Nessas escolhas viciadas, a chave que tranca um miserável em seu cubículo dá mais uma volta sobre si mesma e mais outra e mais outra ainda. Só assim, pelo que sei, emparedado dentro dos seus limites, é que o homem se vê convocado a ir além, para alcançar o céu ou o abismo. Quanto ao meu pobre alvo, que nesse momento folheia o jornal do dia, ignorante de que amanhã ele será a notícia, os seus limites só poderiam levá-lo ao fundo do abismo, afinal, para onde mais pode ir um sujeito que veste uma gravata estampada às nove e meia da manhã de uma quinta-feira e que põe as mãos na cintura enquanto espera o seu cappuccino? O coitado me faz pena, esperando como se estivesse vivo. Primeiro quadrante, segundo quadrante, centro. Hora de riscá-lo da lista. Digamos que por causa dessa gravata ridícula.
© Mariana Ianelli

 

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Domingo, 21.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

 

YOLANDA

 

Mariana Ianelli

 
Uma palavra teria sido o bastante, mas veio outra, mais outra e outra ainda, então eu explodi pelos ares. Era uma bomba tão estrategicamente escondida entre baús e móveis estragados que eu já nem me preocupava. Estilhaços. Disseram-me Yolanda, depois acidente, depois hospital e, tudo o que eu mais temia, inconsciente e reanimada. Ia bater o telefone quando a última lasca voou: quarto 49. Isto é a realidade – um enorme, invisível, medonho e ultrajante sorriso de sarcasmo. O suco azedo da videira carregada de respostas. Yolanda de pés descalços, Yolanda cobrindo o corpo, ligeiramente envergonhada, Yolanda na entrada do cinema, se desculpando pela demora, Yolanda muito séria, debaixo da chuva, tempos atrás. Eu precisava ir até lá, só um completo covarde não iria. E de repente eu estava ali, parado diante da porta, de novo massacrado, contrafeito, dividido – um covarde. O homem para quem tudo que existe tem um só nome. Yolanda, quarto 49. Entrei, contornei a cama, cento e trinta batimentos por minuto, eu te olhei, eu precisava te olhar. Fomos apresentados pela primeira vez no meio de uma corja de bêbados e de velhos mal-educados, e não tínhamos mais o que fazer entre eles senão dar início à nossa própria história. Yolanda, vinte e oito anos. Agora eu te reencontro entre aparelhos de oxigênio, bolsas de soro, agulhas e ventosas, e na minha frente vejo uma garotinha recém-saída da escola, os olhos arregalados. Extirparam a tua memória, Yolanda. Deixaram do lado de cá esta mentira viva, como que uma saudação distraída para honrar o plantão de emergências, simplesmente um olá. Nada mais diz teu nome, nada, em nenhum lugar. Eu quero voltar para casa e arrebentar a lâmpada, o relógio, o copo d’água. Vê-los no chão, iguais a mim: os olhos arregalados.
 
© Mariana Ianelli
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Quinta-feira, 18.03.10

O livro de Maria Carpi

A palavra encarnada e repartida 

 
Mariana Ianelli - Resenha sobre o livro Abraão e a Encarnação do Verbo,
de Maria Carpi 
 
Abraão e a Encarnação do Verbo
Maria Carpi
Age Editora
120 páginas
 
Iniciar uma reflexão poética invocando clareza e humildade não é tarefa que hoje se possa dizer costumeira entre poetas, sobretudo no que se refere à humildade. Considerar, além disso, que a palavra seja sagrada, talvez chegue mesmo a provocar desconforto em alguns. Pois é a partir desta fé, e desta fidelidade, que Maria Carpi apresenta os fundamentos de sua arte poética em Abraão e a Encarnação do Verbo.
 
De origem italiana por parte de pai, Maria ainda guarda de sua infância em Guaporé as memórias de uma plantação de vinhedos e a imagem da mãe, com seu avental branco, preparando o pão. Quanto à paternidade de espírito, Maria se declara cristã-israelita, “essencialmente filha de Abraão e da Encarnação do Verbo”. Tem-se aí os pilares da história e da obra de uma poeta que, ao entremear a escritura da vida com as Escrituras Sagradas, fez de sua visão de mundo uma “metáfora viva”, o aprendizado do corpo e do sangue de Cristo desde o pão e o vinho da casa de infância.
 
Em seu livro, Maria Carpi evoca os autores que admira, como Martin Buber e Simone Weil, para juntar-se a eles na experiência de uma reflexão sobre o sagrado tão digna de interesse quanto se esperaria de uma contribuição no campo das reflexões científicas ou filosóficas. “E quem somos, por mais brilhante nossa capacidade de raciocinar, para arredar do mundo o espaço do mistério?”, questiona a poeta, para quem “o invisível não é uma abstração, mas uma concreção”. Deve-se a esta “ausência ardente” de Deus o princípio de toda criação humana. Com a queda do homem para a mortalidade, resta-lhe a virtude de ser fecundo, de continuar o “poema da criação” e dar fruto na palavra. A poesia cumpre aqui, tal como na vida, o caminho do regresso, de um crescente despertar da atenção, a capacidade de um sopro criador que “devolve o alento originário” e faz recordar ao homem sua morada. 
 
Se na liturgia os divinos mistérios são celebrados por meio dos sacramentos, na poesia o Inominável se deixa vislumbrar através do véu do simbólico. Essa aproximação do ato poético e do ato litúrgico, vale lembrar, também era cara à poeta italiana Cristina Campo, que via em ambos a presença daquele “esplendor gratuito, delicado desperdício, mais necessário do que útil”, um esplendor que remontaria ao gesto de Maria Madalena lançando o vaso de nardo sobre o corpo de Jesus. Afinada com essa gratuidade amorosa na raiz da poesia e da liturgia cristã, Maria Carpi reconhece que “toda criação é um ato que transborda”, assim como “toda graça é sem causa provável”.
 
Inspirada pela narrativa bíblica, a poeta vai do Antigo ao Novo Testamento, refazendo nesse percurso de leitura o caminho do exílio à terra da promessa. Assim, a Graça e a Paixão se encontram na exigência da vinda de Cristo contida nas palavras de Abraão a Isaac: “Deus proverá ele mesmo o cordeiro”. Por uma enunciação poética, Abraão precipita a Encarnação do Verbo. E quando “Deus desentranha-se de Deus para entranhar-se Filho do Homem”, dá-se o escândalo, o grande desconforto de um sagrado que tem corpo, que precisa ser amado, acolhido e respeitado no corpo do próximo, “justamente aquele do qual nos desviamos”.
 
Esta percepção de uma realidade sagrada entre os homens, e não acima deles, de um dever imediato para com o próximo, e não para com um Deus transcendente, incomoda pelo que de laborioso exige, porque perturba a inércia, delata o egoísmo e responsabiliza a todos por aquele que sofre, aquele que está ao alcance dos olhos e das mãos, e que aparece como um intruso, ainda que seja um irmão. Pois na “prontidão somos poucos”, diz Maria Carpi, somos poucos na disponibilidade da doação sem reservas, no “milagre do pão repartido”. E a poesia, por este mesmo critério de um pão que se reparte, requer uma entrega sem subterfúgios nem limites, um abrir-se ao desconhecido de tal modo que se possa acolher o outro, ser o outro, e desta semelhança entranhada desponte “a rosa do convívio”. Para esse encontro, Maria Carpi se prepara em silêncio. À maneira de uma semente, seu poema se vai desdobrando em oferta, até dizer: “extrema compaixão / extenuada, corpo a corpo / em sequidão, é de repente, / de ponta a ponta, estar maduro” (do 34º Canto de As Sombras da Vinha).
 
 
Mas o amor do poeta, assim como a vizinhança do outro, nem sempre é bem-vindo. Isto porque “somos também filhos da mesquinhez”, e, sobretudo, porque “há um pudor inexplicável, doentio, em dizer a palavra interdita: eu te amo na obra que não é minha”. Há aqueles que quando lêem não comparecem, nem compartilham. E ainda aqueles que escrevem não para retribuir, mas para renegar a vida. Abraão e a Encarnação do Verbo contempla também esse vazio, esse território infértil que coexiste com a literatura, a banalização do sagrado par a par com uma religião pessoal, os sete ais das bem-aventuranças. Nada falta, portanto, aos fundamentos de uma arte poética, com toda uma ética, uma estética e uma mundividência reconhecíveis no testemunho de uma vida. Doação, comunhão e apetência para o bem e para o belo atuam nesse livro duas vezes: como fé e como obra. Trata-se da palavra encarnada, do sagrado tornado visível na escada que sobra intacta, apontando para o céu, no meio dos jardins de uma casa demolida. Aos olhos da poeta, essa é a escada de Jacob.
 
Precioso, ao final do livro, o relevo dado às mulheres da Bíblia, desde Rute, Ester e Judite, até as irmãs de Lázaro, que já marcavam presença nos versos de Os cantares da Semente: “Marta sustenta, Maria consente / e aquele, irmão das duas, posto / à prova, é sepultado, semente”. Pois é assim que, em sua história de filha, mãe e avó, em seu trabalho de Defensora Pública e em sua rotina de ocupações domésticas não separadas do espírito, a poeta Maria Carpi convoca para sua vida as figuras emblemáticas de Marta e Maria, ação e contemplação jungidas pela fraternidade, para que um único dom se aprimore em seu mais alto grau de exercício: o dom de ver a dignidade nas coisas cotidianas tanto quanto na palavra que as designa. Entre as muitas razões para celebrar Abraão e a Encarnação do Verbo, por ora basta destacar a corajosa tarefa que a autora ali assume, de recuperar para a palavra esta dimensão sagrada, tantas vezes já depreciada ou esquecida, da qual provém uma poética dos sentidos, fonte da linguagem e da experiência criadora, sem dúvida, mas, antes disso, uma virtude simplesmente humana de se arriscar à vida e ao convívio.   
 
Mariana Ianelli
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Quarta-feira, 17.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

O rabo da Salamandra
 
Mariana Ianelli
 
 
Já estivemos entre os primeiros da fila, pelo menos, é o que consta nos registros. Havia muito o que perder naquele tempo, mas quem sabia disso? Ninguém sabia. Naquele tempo é o que dizemos quando a simples tarefa de atravessar a rua se tornou um verdadeiro sacrifício, ou quando o espelho do banheiro converteu-se na vitrine de um museu pessoal de arqueologias.
 
Continuamos na fila depois de dar a meia-volta e lentamente vamos chegando à outra ponta, vencidos por um par de sapatos velhos, uma cirrose e o espanto de uma agenda telefônica cada vez mais defasada e fictícia. Nossos antigos colegas de classe bem poderiam ter permanecido naqueles bancos caquéticos, decorando o teorema de Tales, o futuro do pretérito, a Questão das Investiduras ou a estrutura molecular dos polímeros. Mas não. Existe sempre um mensageiro do sinistro que vem, não se sabe de onde, só para dizer que Ana, vocês se lembram de Ana, a campeã dos torneios de basquete?, pois então, nas últimas férias de julho ela voltava de uma viagem com a família, à noite, pela via expressa, quando um caminhão desgovernado simplesmente; e o Gordo, vocês se lembram dele?, pois não foi que o coitado teve um surto, sozinho num sítio lá onde o mundo faz a curva e, sabem como é, de repente o desespero, o vazio por todo lado, a ronda do caipora, as ratazanas, as serpentes, o mato gritando noite adentro e aquela irresistível espingarda na parede. De quando em quando também chegam notícias dos que deram certo e conservaram os dentes fortes, a cabeça razoavelmente lúcida e o sangue, apesar dos pesares, limpo. Entre eles, o Toninho, que nós já desconfiávamos, finalmente ali, na capa de uma revista, com seu rosto lânguido de Psiquê enrolado num manto de caxemira; ou ainda, as famosas pernas do colégio, que de um dia para o outro começaram a desfilar pelos corredores de uma clínica de estética, atendendo a madames e falsas atrizes.
 
Assim vamos passando, nós, montículos de areia no funil de uma ampulheta depois de amanhã mais cheia embaixo do que em cima. Com os pés enfiados nos chinelos, vamos até a mesa da cozinha e invadimos as novas páginas da História para ver quem são agora os vanguardistas, os milhões de meninos e meninas se acotovelando no início da fila. São eles que nos empurram adiante, que sacodem o rabo da salamandra, estas crianças de mãozinhas estendidas, cheias de barro e de fuligem, estas caras alarmadas, esculpidas pela fome e estas patas mansas de filhotes instruídos pela hedionda estupidez televisiva. E nós amamos, nós aprendemos a amar uma geração nascida da loucura e do sublime, que ainda insiste na esperança, quem sabe se por ignorância ou por delírio, e que oferece à roleta do jogo a própria vida, como antes nós arriscamos e perdemos a nossa aposta em um Deus impossível.

 

© Mariana Ianelli 

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Segunda-feira, 04.01.10

O imitador de vozes

Literatura além da morte
 
Mariana Ianelli
 
Em conversa com o jornalista Kurt Hoffman pouco antes de sua morte, Thomas Bernhard comentava que “a vida é um sucessão de disparates, coisas com pouco sentido, mas quase só disparates”. Essa constatação do absurdo, que a nenhum destino conduz senão ao fim, marcou tanto a linguagem como a existência deste escritor considerado um dos mais polêmicos e inovadores da literatura austríaca moderna. 
 
Convém lembrar a epígrafe de Pascal que o autor escolheu para encabeçar seu relato “A respiração”, publicado em 1978: “Incapazes de superar a morte, a miséria e a ignorância, os homens, para serem felizes, concordam em não pensar no assunto”. O texto, autobiográfico, narra a experiência assombrosa de Bernhard aos 18 anos, hospitalizado por conta de uma doença grave nos pulmões que o levou a receber a extrema-unção. Tendo, portanto, sobrevivido à própria morte, Bernhard pôde, desde muito jovem, enfrentar o assunto em sua obra literária com legítima intimidade e ironia.
 
Datam da mesma época de “A respiração” as histórias do livro “O imitador de vozes”, lançado apenas agora no Brasil. Ali se concentram alguns dos temas mais caros a Thomas Bernhard, como suicídios e catástrofes, em cenários igualmente familiares ao escritor, como manicômios e asilos. Conhecido por sua linguagem copiosa e estilo musical, Bernhard, neste livro, de fase anterior aos seus romances mais célebres, investe em relatos breves, num tom de impessoalidade jornalística, exibindo a miséria e a loucura que, para além do ramerrão dos acontecimentos, fazem do absurdo o melhor sinônimo da vida. 
 
Os personagens dessas histórias são filósofos, professores, atores, funcionários públicos, camponeses, lenhadores, todos náufragos de um organismo político e social que os asfixia a ponto de um colapso repentino. A reincidência temática de eventos trágicos encontra seu paralelo sintático na repetição de frases tão peculiar à escrita de Thomas Bernhard. Os relatos têm quase sempre como paisagem de fundo a neve dos Alpes, e a Áustria, que viria a ser o alvo das arremetidas do escritor em “Extinção”, já se mostra ali seu foco predileto de denúncia ao desprezo das instituições por intelectuais e artistas.
 
Nascido na Holanda mas criado na Áustria, especialmente pelo avô materno, escritor, que o iniciou no “grande gosto pelo pensamento anarquista” e que o “salvou do embotamento”, como diz sobre sua infância, no livro “Origem”, Thomas Bernhard aprendeu desde cedo a odiar o Estado, a Igreja Católica, a escola, a burguesia, tudo o que, segundo os ensinamentos do avô, colabora para a aniquilação do ser humano. Filho ilegítimo, educado em um internato nacional-socialista, doente dos pulmões, Bernhard parece sempre ter se havido com sua condição de deslocado, inclusive do próprio meio literário, cujas rivalidades e oportunismos o horrorizavam. Uma espécie de compensação, o suicídio era uma possibilidade permanentemente disponível de se livrar do mundo caso necessário, e esse pensamento, tão natural ao escritor, entre outras lições incutidas pelo avô, jamais o abandonou.
 
Na galeria de personagens de “O imitador de vozes” sobejam, pois, os suicidas, dos bem-sucedidos aos fracassados, aqueles que desistem de si mesmos e continuam vivendo como fantasmas. Em “Alheamento”, um marceneiro que escreve poemas afoga-se “motivado pelo desespero com a falta de reconhecimento”; em “Dois bilhetes”, um bibliotecário da Universidade de Salzburgo enforca-se deixando em um bilhete a explicação de que “não aguentava mais ordenar e emprestar livros que só haviam sido escritos para causar desgraça”. Isso apenas para citar dois dentre vários relatos do livro que abordam o tema, cada um com requinte próprio. 
 
Vale destacar ainda o relato “O príncipe”, em que Bernhard conta a história do tio suicida de uma princesa, morto no dia de seu quinquagésimo primeiro aniversário, por “ser da opinião de que precisar viver cinquenta anos neste mundo, sem, em última instância, ter sido consultado, era mais que suficiente para um ser pensante. Quem seguia vivendo além disso demonstrava deficiência ou da mente ou do caráter”. O escritor retomará adiante sua “teoria dos cinquenta” no romance “O Náufrago”, na voz do personagem Wertheimer. Curiosamente, embora tenha escapado ao suicídio, Thomas Bernhard morreu três dias após completar 58 anos de idade.
 
Outro aspecto interessante em “O imitador de vozes” é a tênue linha entre o absurdo e o fantástico, como na história da ossada de um homem de dois metros e setenta e quatro centímetros de altura, encontrada em um cemitério de Elixhausen, ou de gritos que se ouvem em um desfiladeiro, de escolares que ali despencaram há quinze anos. Desolação e morbidez se condensam neste livro, e toda ruína ou sentimento de abandono assume aqui proporções descomunais, à semelhança do gigante de Elixhausen. É o caso do relato intitulado “O agricultor aposentado”, em que o personagem, um velho solitário e inválido, em pleno inverno na Alta Áustria, queima sua perna de pau na lareira para tentar esquentar-se.
 
Como dizia Bernhard a Kurt Hoffman, podem-se fazer “dúzias de Bernhards. Pode-se fazer um dramático, um trágico, um mentiroso, um asqueroso, um divertido, como se quiser”, a partir de uma só entrevista. O mesmo acontece a partir de um texto crítico. Exemplo disso é que, embora exista um Bernhard sem dúvida sombrio e corrosivo em “O imitador de vozes”, também ali há um Bernhard sensível aos talentos massacrados de sua época, cúmplice da grande arte e zeloso da amizade, igual àquele que homenageou seu amigo Paul em “O sobrinho de Wittgenstein”. Este é o Bernhard que aparece em um dos últimos relatos do livro, “Em Roma”, um elogio do escritor à poeta austríaca Ingeborg Bachmann, que, como ele, “encontrou muito cedo a entrada para o inferno e nele penetrou sob pena de, nesse inferno, perecer cedo demais”. 
 
Se, entre a vida e a morte, o jovem Bernhard escolheu a vida, diante da possibilidade de silêncio em resposta ao desprezo alheio, sua opção foi pela escrita. Hoje, sua obra literária revida à indiferença e ao abandono exatamente como canta a poesia de Ingeborg Bachmann: “Com o soluço impuro, / com o desespero / (e eu desespero ainda com o desespero) / por tanta miséria, / pelo estado do doente, pelo custo de vida, / sobreviverei”.
 
 
 © Mariana Ianelli  (São Paulo) 2009
publicado por ardotempo às 10:25 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 04.12.09

Feito do mesmo barro

A humanidade segundo José Saramago
 
Mariana Ianelli
 
Há muito tempo não se via um lançamento despertar tanta polêmica, sobretudo de ordem extraliterária. É assim que Saramago assiste à repercussão do seu novo livro, Caim, cuja controvérsia lembra os efeitos provocados por seu Evangelho segundo Jesus Cristo, dezoito anos atrás. Na época, a resposta do governo português foi a interdição da candidatura do escritor ao Prêmio Literário Europeu. Agora, com o surgimento de Caim, as reações novamente se inflamam, chegando ao disparate de um eurodeputado exortar Saramago à renúncia de sua cidadania. Às declarações políticas, somam-se as admoestações religiosas, que são muitas e talvez mais interessantes. 
 
Se antes o autor se detivera no Novo Testamento para escrever seu Evangelho, agora sua atenção se volta ao princípio dos tempos, em uma jornada do pensamento e, por que não dizer do espírito, por algumas das mais célebres passagens do Antigo Testamento. É a figura estigmatizada de Caim que protagoniza essa história, na qual Saramago mescla episódios de diferentes tempos bíblicos sob a perspectiva de diferentes presentes no tempo da narrativa. Em cada um desses “presentes”, visitados pelo personagem em seu destino errante, uma “vítima de deus” se apresenta, seja no sacrifício de Isaac, no sofrimento de Jó ou na destruição de Sodoma.
 
Saramago se propõe a ler a Bíblia à letra, daí a censura que os católicos lhe fazem: desconsiderar uma leitura simbólica. Quantas sejam as interpretações possíveis, para o autor de Caim interessa que o texto bíblico, tal como está escrito, não seja suprimido ou mascarado. Em conversa com o teólogo José Tolentino Mendonça, em outubro deste ano, na ilha de Lanzarote, o escritor chegou a afirmar que, ao menos no seu “estado de espírito presente”, considera este recente trabalho o seu melhor livro. Tolentino, porém, acredita que a narrativa não possui a complexidade de seus outros romances. Entre um extremo e outro, vale ressaltar a prodigiosa fluidez e o humor que há nas páginas de Caim.
 
Grafado em letras minúsculas, como todos os personagens do romance, deus aparece na narrativa feito do mesmo barro da sua criatura, à imagem e semelhança dos homens. Vaidoso, irônico, temperamental, faz que governa o mundo mas quase sempre está ausente, é um deus que se equivoca, que promete e não cumpre, que promove acordos tácitos e, quando se trata da disputa de poder, não hesita em pôr seus filhos à prova. Por meio deste personagem muitas vezes jocoso, absurdo, repleto de vícios mundanos, Saramago, valendo-se da mordacidade que lhe é peculiar, coloca em ação seu testemunho da violência, do terrorismo fundamentalista, da hipocrisia humana. Quanto aos mistérios da fé e aos desígnios do coração, neles o escritor não toca, nem é para isto que se lhe dá a palavra: “o inefável, como sabemos, é precisamente o que está para lá de qualquer possibilidade de expressão”.
 
É, pois, com este deus de tantos caprichos e impulsos que Caim divide a culpa pela morte de seu irmão Abel. Culpado Caim por ter escolhido matar, culpado deus por ter preferido um filho a outro. Começa aí a odisseia do protagonista, vítima do menosprezo divino, condenado a vagar indefinidamente pela terra, ao longo da história do passado e do futuro, em meio a “batalhas de uma guerra infinita” em que o sangue de Abel se perde no sangue de centenas de milhares de vítimas. Caim serve ao exército de Josué, trabalha nas propriedades de Jó, acompanha Abraão e os anjos do senhor até Sodoma, e em cada um desses episódios bíblicos vê multiplicarem-se as mortes, as súplicas, o saldo da humilhação e da injustiça.
 
Saramago transplanta o filho fratricida de Adão e Eva para gerações pós-diluvianas, e a humanidade que se devia supor renovada, limpa da crueldade da descendência de Caim, ao contrário, revela-se igualmente sanguinária. Por tudo o que vê nessas incursões pelo “presente-futuro”, o protagonista vai nutrindo seu pessimismo e sua revolta: “Alegria, perguntou a si mesmo, para caim nunca haverá alegria, caim é o que matou o irmão, caim é o que nasceu para ver o inenarrável, caim é o que odeia deus”.
 
Entre idas e vindas no tempo, já cansado das “costumadas destruições e dos costumadíssimos incêndios”, Caim retorna à terra de Enoch e tem-se aí o capítulo mais belo do livro. Permutando os mitos pela Bíblia, o autor encena, no reencontro dos amantes Lilith e Caim, o reencontro de Penélope e Ulisses. Os movimentos sucedem-se como num jogo de espelhos. Vale a pena citá-los aqui, lado a lado: “(...) depois que Ulisses e Penélope satisfizeram o seu desejo/ de amor, deleitaram-se com palavras, contando tudo um ao outro. / (...) / Ele começou por contar como primeiro venceu os Cícones / e chegou depois à terra fértil dos Lotófagos. / Também tudo o que fez o Ciclope (...)” (Odisseia, Canto XXIII). Em Caim: “Tranquilizados os espíritos, compensados da longa separação dos corpos com juros altíssimos, chegou o momento de pôr o passado em ordem. (...) Então caim contou a lilith o caso de um homem chamado abraão a quem o senhor ordenara que lhe sacrificasse o próprio filho, depois o de uma grande torre com a qual os homens queriam chegar ao céu (...)”.  
 
O ar de gravidade que uma releitura do Antigo Testamento poderia implicar, Saramago subverte-o pelo humor, ou ainda, com um sarcasmo que rompe toda espécie de servilismo diante dos limites do sofrimento humano. Na voz da mulher de Jó, o escritor ataca: “o mais certo é que satã não seja mais que um instrumento do senhor, o encarregado de levar a cabo os trabalhos sujos que deus não pode assinar com seu nome”. Também beiram a caricatura as aparições do senhor na terra, com cetro em punho “como um cacete”, ou “em fato de trabalho”, manifestando-se “em meio de um trovão ensurdecedor e dos correspondentes relâmpagos pirotécnicos”. Impossível evitar o riso no episódio da construção da Arca de Noé, quando Caim aponta um erro nos cálculos de deus usando o princípio de Arquimedes.
 
Fim da viagem pela história dos tempos, no dilúvio se dá a grande revanche de Caim. Não podendo matar a deus, o filho desprezado, como antes assassinou Abel por despeito, agora boicota o projeto de uma nova humanidade. Aquele que havia sido o senhor das guerras, o causador de tantas vítimas, é ele mesmo vitimado, condenado ao abandono, um criador sem criatura que lhe obedeça ou o glorifique, em outras palavras, um deus destituído da violência que os homens costumam imputar à sua vontade.
 
Ninguém percebe que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino?”, questionava Saramago, três anos atrás, em entrevista ao jornalista Edney Silvestre. Esta mesma pergunta continua soando, irrequieta, nas páginas de Caim. Ateu convicto e, no entanto, constantemente aferrado à ideia de Deus, Saramago admite ter como uma de suas grandes influências o padre Antonio Vieira, cujo Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma bem poderia ter lhe servido de centelha para o Ensaio sobre a cegueira. Sob esse aspecto, o cenário cataclísmico desse romance mostra do que é capaz a espécie humana finalmente livre do imperativo do Decálogo. O próprio escritor, que se diz “empapado de valores cristãos”, assegura que “para fazer um ateu como ele, é necessário um alto grau de religiosidade”. Mas, à parte as vinculações e desavenças do escritor com a religião, que acendem aqui e ali a fogueira dos debates, por vezes ofuscando a própria literatura, cabe pensar no homem, e no entorno que ele modifica à sua passagem, a partir da obra de Saramago. 
 
Outra questão que mereceria um olhar mais aprofundado, tanto da crítica, como do público leitor, consiste não apenas na vasta incidência de temas bíblicos na literatura moderna e contemporânea, mas, em especial, na reincidência da figura de Caim, agora com o relançamento de O Deus de Caim, de Guilherme Dicke, pela editora Letra Selvagem, e As vozes do sótão (ed. Cosac&Naify), de Paulo Rodrigues, que também traz à tona as memórias de um personagem enjeitado, oprimido, moralmente devastado pela falta de amor. Que esse fenômeno propicie uma reflexão sobre o contexto em que tais livros aparecem, hoje, à cena literária, para se avaliar mais suas “significações terrestres” do que suas implicações teológicas. Assim, é provável que a discussão suscitada por Caim, de Saramago, inverta a contento o pressuposto da “provocação pela provocação” e comece a ser considerada sob aquela outra perspectiva que o escritor já assinalava em A viagem do elefante, seu romance anterior: “Quem diria que a moral nem sempre é o que parece e que pode ser moral tanto mais efetiva quanto mais contrária a si mesma se manifeste”.  
 
Mariana Ianelli 
publicado por ardotempo às 00:43 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Domingo, 25.10.09

Poema (Mariana Ianelli / Inédito)

Vibrações
 
  
O prazer que te dão as chuvas
Porque derrubam sem chance de luta
As árvores centenárias, os muros, 
Um templo com sua esfarrapada figura,
Um pouco é sonho, um pouco insulto
Da tua resistência ao rés do absurdo
Viver quarenta noites no dilúvio
Atado a uma cama, o corpo no escuro
Ao abrigo de uma mente lúcida.
 
O que ainda vibra nesse homem
Se ele nada mais quer, nada pode,
- Demasiada realidade exposta -
Como aceitar que no sono suporte
O lodo se intrometendo pelas bordas,
Perguntam por dentro os que estão à tua volta
E não veem a enguia se movendo,
Se esquivando, ludibriando o tempo, 

Quinze côvados abaixo das tuas pálpebras.

 

 

 

 

 

 

© Mariana Ianelli - Iluminuras, 2009

Imagem: Páteo dos Leões - Alhambra, Granada  (Espanha)

publicado por ardotempo às 13:14 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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