O apagador

Crônica - Luis Fernando Verissimo

 

No filme "La Chinoise", de Jean-Luc Godard, um personagem se vê diante de um quadro-negro em que estão escritos os nomes de todos os principais escritores, compositores, pensadores e artistas da História - e começa a apagá-los, nome por nome, até sobrar só um. Está fazendo uma espécie de purgação intelectual.

Experimente fazer o mesmo. Encha um quadro-negro com todos os nomes que lhe ocorrerem, em nenhum tipo de ordem. Uma seqüência pode ser, por exemplo, "Heródoto, Nietzsche, São Tomaz de Aquino e Charlie Parker", outra "Villa-Lobos, Steinberg, Marques De Sade, Platão e Frida Kalo". Quando não sobrar espaço no quadro negro nem para um nome curto ("Meu Deus, esqueci o Rilke!"), comece a apagar. Nome por nome.

O importante é não racionalizar. Não estabelecer critério ou hierarquia. Deixar a apagador fazer seu trabalho sem interferência da sua consciência ou da sua emoção. Apenas ir apagando. Você pode descobrir coisas surpreendentes a seu próprio respeito. Nomes que, até aquele momento, faziam parte da sua galeria de veneráveis se revelarão apagáveis, outros serão poupados até quase o fim.

E no fim, o nome que sobrar, o único nome que você não apagar, poderá ser a maior revelação de todas. Não será, necessariamente, o nome de quem você considera o mais importante, influente, valioso ou simpático da história das idéias ou das artes. Será apenas o nome que, por alguma razão, você não conseguiu apagar. Depois você só precisará se explicar para você mesmo.

No filme do Godard, o único nome que ficava no quadro-negro era o de Brecht. 

 

publicado por ardotempo às 22:34 | Adicionar