Mudando o mundo

 

MUDANDO O MUNDO


Texto de Apresentação de A ÚLTIMA TEMPORADA, de Pedro Gonzaga -

por © Paulo José Miranda

 

 

 

 

 

 

 

Poucos títulos de livros de poesia têm o cuidado de ser fiéis à totalidade do mesmo, isto é, de cumprirem aquilo que nos prometem.


Não é o caso deste livro que aqui se apresenta aos leitores e ao futuro. Se lermos com alguma atenção o título deste livro de poesia de Pedro Gonzaga, entendemos de imediato do que se trata, isto é, de um livro que faz apresentações de modalidades em torno da expressão “última temporada” e do que isto possa significar numa alma humana. Por conseguinte, toda a minha apresentação deste livro de poesia não vai ser outra coisa senão falar do título do mesmo, nas suas diversas modalidades de apresentação.

 

A expressão “a última temporada”, assim sem referente determinativo, como no título do livro, é uma expressão com dois sentidos quase opostos, mas que aqui se amalgamam de modo a nos mostrar de um modo privilegiado a vida e a linguagem que expressa essa vida. Passemos então a ver o que está em causa no título do livro.

 

Quando alguém diz “a última temporada” de uma peça de teatro ou a “última temporada” de uma série televisiva, está a dizer que, depois de várias outras temporadas anteriores, depois de vários meses ou vários anos, esta aqui e agora onde estamos é a última. Quer isso dizer que depois desta já não vai haver mais nenhuma. Esta é a última, a derradeira temporada, acabou-se. A derradeira temporada pode muito bem ser a vida de cada um de nós, aquela vida que somos aqui e agora, a que nos carrega ou que com ela carregamos.

 

Assim, A Última Temporada, de Pedro Gonzaga, numa primeira instância remete-nos logo para a vida de cada um de nós, aqui e agora. [acerca de “aqui e agora”, veja-se com atenção o poema “em nossos mortos”, à página 41, dialogando com o “Livro X” das Confissões, de Santo Agostinho] Mas como “última temporada”, neste sentido, tem necessariamente de ter um antes do agora, isto é, é preciso existir uma ou mais temporadas anteriores para que se afirme “última temporada”, a última temporada aqui não pode ser a vida, pois as pessoas não tem vidas anteriores (deixemos as crenças de lado).

 

Por conseguinte, esta última temporada é a última temporada da vida, aquela a que se atribui, ou alguém atribuiu, ser a parte final da vida de alguém. A vida humana é assim dividida em temporadas pelo título do livro. Aqui não podemos deixar de lembrar o poeta francês Rimbaud e o seu livro Une Saison en Enfer, Uma Temporada No Inferno. Mas aqui trata-se da última parte da vida humana, e não de um interlúdio amoroso mal sucedido. E o escândalo deste título assume aqui a sua extensão máxima, se tivermos em atenção a idade do poeta, trinta e poucos anos, e tratar-se do seu primeiro livro de poesia.

 

Sabemos isso pelos poemas “herança”, onde se pode ler à página 15: “(...) aos 35 anos / com meus dentes perfeitos (...)”; e pelo poema “para além dos bancos de areia prateada”, onde, na página 36, se lê de um modo algo jocoso, nos últimos dois versos: “señor, não se chega impunemente / ao trigésimo quinto inverno”. Por conseguinte, não podemos deixar passar isto em claro, tomar a coisa por irrelevante. Ora, se um poeta regista em um poema a sua idade, 35 anos, e ao mesmo tempo põe o título ao livro de A Última Temporada, é porque, evidentemente, quer que fique claro que a partir de agora é o início do fim. Para trás ficou tudo o resto, todas as outras temporadas, e se boas ou más não importam aqui e agora. Não se pense também precipitadamente que se trata de um livro de despedida, pois o mesmo poeta remata o poema “descobertas”, à página 52, da seguinte maneira: “(...) serei um homem-bomba / até aos noventa anos”. O poeta entende que a última temporada da vida humana é a mais longa ou, pelo menos, pode vir a ser muito mais longa. Longa, aqui, quer dizer infindável. E, ao mesmo tempo, um infinito de perdas.

 

Leia-se em “imperativo”, página 43:

 

se puderes fechar

os olhos para o real

fecha agora

não te preocupes,

antes, aproveita

hão-de acordar-te

os credores

a dor no ciático

o fingimento da mulher

que nunca se entrega

 

Por outro lado, e também como pudemos ler no excerto anterior, não se trata de uma poética do queixume ou de qualquer denúncia situacional ou de adversidade.

 

Não, aqui a denúncia é a da condição humana (e não a de um humano em particular). E a responsabilidade do que se faz com essa condição humana, desconhecendo-a ou dissecando-a, é nossa. No fundo, aquilo que neste primeiro sentido se pode apurar para o título, A Última Temporada, é o seguinte:

 

a partir de agora é que é a sério, a partir de agora é que se vai ver o que a vida é, pois até aqui foi a brincar.

 

A partir de agora a vida é a doer, como se usa dizer, nos embates esportivos. Um segundo sentido que a expressão e o título A Última Temporada parece ter, escrita assim sem qualquer referente definido, é a de “a última temporada” de verão. Por outro lado, a última temporada de verão pode ter ainda dois sentidos distintos, a saber, que essa última, a outra anterior a esta em que estamos, é que foi boa, ou que a última, a anterior foi muito má e esperamos que esta agora seja muito melhor.

 

Julgo que podemos excluir de imediato a segunda subdivisão, pois a análise que se fez em relação à primeira modalidade do sentido da expressão de “última temporada” assim mesmo o obriga. Parece ter ficado claro anteriormente que a “última temporada” a que o poeta se refere não é melhor do que as anteriores. Como ele mesmo termina o penúltimo poema deste livro “versos de agora, versos de antes”:

 

versos de agora,

versos de antes

vocês sabem que fomos

o que duas criaturas humanas juntas

não poderão nunca superar

 

Dito de outro modo: fomos o insuperável. Fomos!

 

E fica, já quase no fim do livro este eco interminável em nossos corações:

 

fomos, fomos, fomos, fomos, fomos...

 

Comecemos então pela análise do sentido desta segunda modalidade do entendimento que se faz da expressão que dá título ao livro e que, como iremos ver, ao invés de ser contraditória em relação à primeira será antes complementar.

 

Comecemos por pensar que essa outra temporada, a anterior, cheia de sol e de alegria, não é esta aqui e agora, cheia de chuva e de tristeza. E bem podemos dizer isso, pois leia-se os seguintes versos do poema “estrada”, à página 19:

 

mais uma vez a armadilha

mais uma vez o desejo

nenhuma certeza subsiste

nunca fica mais fácil

nada se aprende

da estrada percorrida

 

Para além de que nunca ficar mais fácil, reparemos ainda numa questão técnica, como se fosse suplementar, como se a poesia não fosse toda ela a vida exposta com técnica e alguma ternura: Pedro Gonzaga divide os seus poemas em pontuados e não pontuados.

 

Há nos primeiros uma sensação de náusea a que o leitor mais atento não escapa, como se cada vírgula fosse uma curva na estrada, nos levando a contragosto montanha acima. Confira-se isto, por exemplo, no magistral poema inaugural do livro. O poema fala do amor, fala da possibilidade do amor nos acontecer, mas ele é escrito com tantas curvas, com tantas vírgulas, que quando ele termina com os seguintes versos

 

“quando alguém me diz– /

Ah, o amor é fácil /

mal contenho a vontade /

de cuspir-lhe na cara”

 

é um alívio a viagem terminar. Mais: se ele não cuspisse, eu mesmo vomitava, depois de tanta curva, de tanta e tanta vírgula num poema.

 

Por conseguinte, depois de tanta dificuldade ainda ir escutar alguém dizer que o amor é fácil, ninguém merece, como diz a voz de Deus, a voz popular.

 

É um dos exemplos da superioridade poética de Pedro Gonzaga, sem dúvida, da mestria com que usa a técnica única com que podia ditar este poema. Mas, no outro poema que falávamos atrás, cujo título se chama precisamente “estrada”, ele retira todas as vírgulas, retira todas as curvas, fazendo deste poema uma estrada a direito, como se a vida fosse isso mesmo, sempre a direito, como se a vida fosse ir de Porto Alegre até à Argentina.

Sempre a direito. Ou seja, nossa vida vai daqui ali num instante, ela vai daqui, onde estamos agora, a um imenso e eterno nada, com o desejo pelo meio.

O nada aqui, obviamente não é a morte, é não se aprender nada. Iremos sempre daqui para a Argentina para nada, para não se aprender nada.


Está bem de ver, então, que esta “última temporada” a que me refiro agora, é a temporada passada, é o passado, é aquilo que já foi um dia, que aconteceu e já não é e já não volta.

 

A primeira modalidade de expressão de “a última temporada” tem os dois pés bem vincados no presente, ao passo que a segunda modalidade de expressão de “a última temporada”, tem a cabeça lá trás, no passado. A primeira é aqui e agora sem referências ao passado, a não ser enquanto lógica linguístico-temporal: se esta é a última é porque teve outra ou outras antes desta.

 

Estas duas “últimas temporadas”, uma que nos mostra a consciência do fim eminente e, a outra, que nos mostra uma anterioridade melhor do que o presente, o aqui e agora, é aquilo de que trata, e muito bem, este livro.

 

Estamos literalmente entre a espada e a parede. A parede é o passado atrás de nós que não nos deixa fugir para o tempo bom, recuar até ele, e a espada é aquilo que aqui e agora nos ameaça, o presente prenhe de um futuro laminoso (e me perdoem o neologismo). De outro modo, e me fazendo de sujeito do livro, passo a dizer: eu entendi que é aqui e agora, aqui onde estou, a última temporada, esta é a minha vida e já nada mais me resta até ao fim senão ir sofrendo cada vez mais, declinando lentamente e estar exposto a todas e mais algumas intempéries usando a técnica e a ternura; por outro lado, ficamos também conscientes de que a temporada passada, a da adolescência, a da juventude é que foi boa e não esta aqui e agora, que se mostra como sendo a última, a última dança.

 

Podemos ler à página 30, nos versos finais do poema “procela”, o seguinte:

 

finis terrae

a praia prometida

o barulho das folhas

ilusório verão

Ilusório verão

 

é como acaba o poema, ilusório verão. Precisa de explicações, ilusório verão?

 

E “procela”, que diz tempestade no mar, precisa de explicações?

 

Mar esse que não é só a vida, é também aqui a vida de um poeta.

 

Aliás, no poema podemos ler estes belos versos, preciosos, testemunhais:

 

há um mar em Camões

há um mar em Pessoa

 

Mas querem ver o gume mais afiado da espada que aponta o peito do poeta, esse presente prenhe de futuro de que falámos atrás?

 

Escutem então, e vejam como a vida humana só pode ser pior a cada dia que passa, leia-se apenas o extenso verso com que termina “o baile”:

 

eu sou o medo do dia em que haverei de abraçar o corpo frio de meu pai

 

Há, contudo, vários outros medos que o poeta afirma ser, antes desse medo último, derradeiro. Medo que é também o meu. Medo que causa um arrepio pela existência acima! Mas passemos então agora, e sem demoras, ao poema “a primeira rebentação”, e aos seus oito versos finais:

 

éramos invisíveis

e o que não entendo,

minha adorada,

enquanto seguem a quebrar

as ondas sonoras

na praia deserta do presente

é quem foram aquelas criaturas

que ressurgiram das águas

 

Sim, quem foram aqueles que fomos? Quem éramos nós, que já não estamos aqui? Como é possível haver outros agora ali fazendo de nós? Onde é que fomos parar, que não nos reconhecemos senão naqueles que não somos? Mas o abismo inultrapassável destas modalidades de últimas temporadas, assume a sua expressão mais pungente no poema dedicado a Sérgio Fischer, denominado “em algum lugar”, e que nos leva a um hospital de uma qualquer parte do mundo e à temporada derradeira de alguém (presumivelmente o amigo a quem o poema é dedicado).

 

Leia-se uma vez mais os oito versos finais, desta feita à página 13:

 

lá dentro atrás da porta verde

está o amigo que um dia amamos,

lá está o patrimônio

de tantos almoços

e cafés na juventude

lá estará o tempo

de um telefone

mudo à cabeceira

 

Repare-se na fantástica transformação do espaço em tempo através do advérbio de lugar “”. Começa por dizer o poeta, com uma locução adverbial de lugar, “lá dentro”, lá dentro onde a morte já se instalou e o amigo passa a ser “antes”, através do verso “está o amigo que um dia amamos”.

Um dia”, aqui, é o mesmo que antes, que é o mesmo que nada, pois aquilo que começa por parecer nos colocar num lugar, “”, passa a “um dia” e “um dia” passa a nada, através dos penúltimo e último verso “lá estará o tempo” e “um telefone mudo à cabeceira”. O tempo, visto como um telefone mudo à cabeceira, é o perto mais longe do mundo. E ficámos a saber que um telefone que não toca é o tempo mudo. O tempo mudo é o inferno. Assim, e de modo magistral, a vida humana passa de espaço a tempo, de um lugar preciso para um tempo passado e de um tempo passado a nada, esse substantivo aterrador por excelência. Não podemos deixar de focar a precisão impressionante da forma verbal onde o tempo vai aparecer e transformar o dia em nada: “estará”! No futuro está o nada. No futuro está aquilo que já não somos, onde poeta e amigo são uma e a mesma coisa: lá dentro, um dia, estará o tempo; todos nós vendo a morte de alguém e sendo vistos pelas lágrimas de outrem.

 

O futuro não tem temporada.

 

Como pudemos entender pela análise feita ao título, estamos diante de um livro de vínculo existencial, ontológico. Em muitos dos poemas, lembro as muitas análises fenomenológicas que fiz aos poemas do poeta Kavafis, enquanto estudante de filosofia em geral e de Heidegger, Hussel e Scheler em particular. E, tal como nos autores citados anteriormente, não se trata aqui de um discurso de cariz pessimista.

 

Claro, não vamos encontrar nestes poemas quaisquer versos passíveis de serem enviados às namoradas no dia de Santo António, ou versos de efeito moral, para postar no Facebook, de modo a mostrar como a vida é bela e nós é que damos cabo dela.

 

A poesia de Pedro Gonzaga tem a dimensão de nos conduzir, como numa viagem guiada à vida humana, a vários momentos universais da mesma, descritos de forma exemplar. E, nesse sentido, trata-se de um livro de poesia sem filiação politica, social ou estética.

 

Acima de tudo, é um livro de poesia apátrida, como toda a boa poesia.

 

Há, contudo, algo do saber fazer poético, a técnica, que gostava de trazer à luz aqui diante de vós: a capacidade impressionante que Pedro Gonzaga tem de num mesmo poema, numa mesma estrofe, até num mesmo verso, passar do lírico para o prosaico e vice-versa. E, aqui, lembra-me um dos poetas maiores da segunda metade do século XX inglês: Philip Larkin.

 

Voltemos à “estrada”, e veja-se como nesse poema, de duas estrofes, uma é completamente lírica, a primeira, e a segunda a sua inversão. Leia-se a primeira estrofe, a lírica:

 

o vento bagunça teus cabelos

regime singular do ouro

o sol lambe tuas unhas

cheias de graça

enquanto teus pés cruzados

sobre o painel

diminutas aves brancas

trazem ainda as marcas da noite

 

Veja-se de novo a segunda estrofe do poema “estrada”, e que faz a inversão lírica do mesmo:

 

mais uma vez a armadilha

mais uma vez o desejo

nenhuma certeza subsiste

nunca fica mais fácil

nada se aprende da estrada percorrida

 

Mas leia-se também este recurso técnico no único poema escrito em estrofes de dois versos, dísticos, a lembrar a forma recorrente de um dos poetas maiores do início do século XX norte-americano, Wallace Stevens:

 

um par de meias entre os lençóis antigos

casulos para teus pés de gelo

 

O primeiro verso completamente prosaico e o segundo uma maravilha lírica.

 

Por fim, duas últimas notas, ao autor e ao editor. Ao editor agradeço a coragem de editar um livro de poesia, um livro verdadeiro de poesia, e também por não lhe pôr orelhas. Orelhas num livro de poesia é como burca numa mulher: algo que se esforça por adiar ou impedir o nosso mergulho na beleza.

 

Ao autor agradeço que a leitura deste livro me tenha dado a precisão do que se passa actualmente no mundo: uma guerra entre aqueles que estão a mudá-lo e todos os outros. Quando escuto alguém dizer “temos de mudar o mundo” ou na sua forma patética “começa por te mudar a ti mesmo, se queres mudar o mundo”, sei que não estou diante de alguém que esteja fazendo isso ou que com isso se preocupe.

 

Como na terceira estrofe do poema “sweet marie”, página 49, a contraposição entre a preocupação avisada do pai e a temeridade da escolha do filho:

 

valha-me, querido pai

– não há milagres, meu filho,

por que não tentaste um curso de eletrônica,

aquela vaga no exército brasileiro?

 

Tal como se escreve no Evangelho de São Lucas, 14, 26,27:

 

“Se alguém vem até Mim e não odeia o seu próprio pai,

a sua própria mãe, a sua própria esposa,

os seus próprios filhos, os seus próprios irmãos e irmãs,

e a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.

Quem não carregar a sua própria cruz

para vir depois de Mim, não poderá ser meu discípulo.”

 

Sim, o verbo que está escrito no original grego é precisamente odiar. O verbo é o verbo μισεω (miséo), verbo simples da segunda contracção. Pois o que Jesus diz aqui, pelas palavras de São Lucas, é que aos olhos de todos os que nos são próximos, o nosso gesto de deixar tudo para traz e seguir Jesus, tal como se escreve no Novo Testamento, faz parecer, àqueles que deixamos para traz, que os odiamos.

 

Como pode um pai entender que deixemos a sua casa para seguir a Jesus, senão que o odiamos, ainda que não haja sombra de ódio em nossos corações?

 

E como pode um pai entender que o filho queira seguir a palavra em vez do número, no mundo em que vivemos? E, repare-se, a palavra a que me refiro não é a palavra da academia, é palavra de Camões, de Bocage, de Rimbaud, a de Fernando Pessoa. A palavra desses poetas, a quem agora se junta com sua palavra, Pedro Gonzaga, é a palavra que os conduzirá ao abandono do mundo, como se se odiasse o pai, o mundo e toda a família.

 

E como pode um pai entender que o filho se entregue aos versos ao invés de uma carreira segura, profícua, no exército brasileiro?

 

Como pode um pai entender que o filho saia de casa, se perca na noite, na embriaguez, na vida errante, só para salvar o mundo?

 

Meu próprio pai, amor grande e recíproco em minha vida, nunca entendeu.

 

E a verdade é que meu pai, e provavelmente também o pai do poeta do livro, entende bem que nunca um livro bom de poesia foi tão preciso no mundo como hoje, exceptuando talvez no tempo das invasões bárbaras, na queda de Constantinopla e na merda que os alemães, os italianos e os japoneses fizeram na chamada Segunda Guerra Mundial. Os pais entendem, claro, mas custa muito ver um filho ser o cordeiro de libação.

 

No poema “as formigas do colorado”, um dos poemas de categoria maior deste livro, já por si de poesia ímpar, podemos ler à página 32, onde o poeta, ao encontrar um livro num sebo, acerca das formigas do Colorado, de um professor universitário norte-americano, imagina este intercalando-o:

 

você não tem seriedade, mr. Gonzaga,

você se forra na galhofa

onde está sua obra, mr. Gonzaga,

onde está seu legado?

 

Deixe estar, Pedro, não responda, deixe-me ser eu a responder por você ao professor do colorado, que continua perseguindo formigas, mesmo depois de morto, para prover um salário e uma postura de seriedade no mundo. Teu legado, meu caro Pedro, é o mundo a mudar. Pedro Gonzaga ao escrever estes poemas e Alfredo Aquino ao editar o livro mudam o mundo. Fazem parte do pequeno exército que vêm mudando o mundo. O exército daqueles que deixam o conforto de todas as prisões, em que teimamos em viver, para o salvarem. Resta-nos agora a nós, pessoas de bem, segurar um dos exemplares deste livro em nossas mãos, assim como numa oração, e ajudá-los a mudar o mundo.

 

© Paulo José Miranda  -  Porto Alegre RS, Brasil - dezembro 2011

Imagem de capa: Fotografia de Mario Castello

 

publicado por ardotempo às 02:47 | Comentar | Adicionar